Economia

A riqueza da refém

Por que São Paulo, o centro de negócios mais atraente em um país emergente, precisa enfrentar com pragmatismo a questão da violência

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h05.

Os problemas urbanos e as mazelas sociais são os temas mais retratados pela imprensa internacional quando o assunto é o Brasil. São as informações difundidas pelos meios de comunicação que chegam ao investidor estrangeiro. Mas há também uma leitura generosa do Brasil: país de gente alegre, pacífica, musical e esportiva. A unidade nacional brasileira é sempre destacada como um atributo positivo, e a ausência de conflitos religiosos e regionais coisa rara no mundo em desenvolvimento é enfatizada pelos formadores de opinião ouvidos pelos investidores. Outro ponto ressaltado é que, a despeito da combatividade e da organização dos sindicatos, o número de greves é desprezível, considerando as dimensões continentais do país: pouco mais de 300 por ano. É grande a capacidade de entendimento social, e a atitude cooperativa da sociedade contrasta com a intolerância social, observada, para destacar um exemplo próximo, na Argentina. Todos se surpreendem que um país com tantos problemas sociais tenha um grau tão reduzido de conflitos.

A cidade de São Paulo, na mente do investidor estrangeiro que já conhece o país, sintetiza um pouco esse espírito meio contraditório de lugar com problemas urbanos muito complexos e uma sociedade cooperativa e trabalhadora. Os estrangeiros que investem aqui começam freqüentemente pela capital paulista. A cidade é para os negócios o que Rio de Janeiro representa para os turistas: cartão de visita e porta de entrada. É rara a sede das cerca de 11 000 empresas de capital estrangeiro no Brasil que não se localize em São Paulo, mesmo que suas operações estejam em outros municípios. É a cidade brasileira que reúne (de fato, e não só no papel) o maior volume de investimentos diretos estrangeiros. O que impressiona em São Paulo é a combinação única da diversidade setorial de oportunidades com a escala que os negócios alcançam. Ela produz para o próprio mercado e para todo o Brasil, quando não para a América Latina e para outros continentes. São Paulo reúne o maior mercado consumidor e também a maior concentração de fornecedores. E se o custo da mão-de-obra na região é um pouco mais elevado que no resto do Brasil, a renda per capita da cidade é quase o dobro da do restante do país. Tudo isso explica por que São Paulo mantém sua atratividade a despeito das questões relacionadas à violência, que encarecem um pouco o custo dos negócios na cidade sem tirar sua vantagem comparativa.
A região metropolitana, que representa 18% do PIB brasileiro, abriga 42,1% de todo investimento direto estrangeiro aplicado no Brasil. O interior paulista, com aproximadamente 16% do PIB brasileiro, abriga 18,2% do estoque de investimento direto. Ao restante do Brasil, responsável por 66% do PIB, são destinados 39,7% dos investimentos estrangeiros. Na prática, a região metropolitana de São Paulo pode ser considerada duas vezes mais atrativa para investimentos estrangeiros do que o interior e 3,9 vezes mais que o restante do Brasil.

A número 1
Para reforçar sua importância, basta relembrar que o Brasil é o país com o maior estoque de capital estrangeiro originário dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A China sempre aparece em primeiro lugar nos anuários globais por causa dos investimentos dos próprios chineses que vivem no exterior. Sem eles, cairia para terceiro ou quarto lugar como país recebedor de investimentos diretos vindos da OCDE. Segundo nossa metodologia de cálculo do estoque de investimento direto estrangeiro (que incorpora o efeito da depreciação cambial sobre a expressão em dólares da riqueza estrangeira investida no Brasil), o estoque de capital estrangeiro no país, ao final de 2001, atingiu cerca de 121 bilhões de dólares. Com base em números do Banco Central e da Fundação Seade, calculamos que o estado de São Paulo acolhia, no fim do ano passado, 73 bilhões de dólares de investimento direto, e a capital, algo em torno de 51 bilhões de dólares. Sem exagerar, podemos deduzir que a região metropolitana de São Paulo deve ser hoje o centro urbano com o maior interesse estrangeiro já instalado em todo o mundo em desenvolvimento. Quer um exemplo? Números oficiais do governo alemão consideram São Paulo a maior cidade industrial alemã no mundo. A própria diversidade representada pela grande população estrangeira na região metropolitana de São Paulo gera fatores externos que não podem ser desconsiderados na decisão de investimento das empresas. A cidade está no pelotão de frente dos melhores lugares para se investir. Possivelmente siga entre os mais atrativos espaços para valorização do capital.
Muito se questiona sobre o impacto que o aumento recente da violência pode ter sobre as decisões de investimento na região metropolitana. Os gastos com segurança privada do patrimônio (que incluem os seguros), assim como os gastos com segurança pessoal dos principais executivos das companhias sempre foram contabilizados no custo das empresas. Nos últimos tempos, esse custo ganhou um pouco mais de importância.

O tema da violência urbana envolvendo seqüestros e mortes tem ganho destaque muito possivelmente pela busca de novas modalidades no mercado do crime. Em razão da concentração da renda e das oportunidades, é compreensível que o crime também queira ampliar o seu market share em São Paulo. Afinal, a diversidade setorial de oportunidades vale para todos os negócios, até para os criminosos. A despeito das mazelas urbanas e sociais, que também compõem a paisagem da pujança de São Paulo, é a primeira vez que a banalização da violência macula o cartão-postal dos negócios. Quando uma publicação de prestígio como The Economist amalgama São Paulo com Bogotá, questionando qual das duas é a mais violenta, é leviano não se preocupar com o tema. Faz tempo que a Colômbia perdeu o interesse para investidores diretos estrangeiros, em razão do estigma de local mais violento da América Latina. É necessário lembrar que até poucos anos atrás a Colômbia era um país classificado como investment graded, e despencou ladeira abaixo não por causa de moratória ou calote de dívida, mas sobretudo por problemas políticos e pelo fato de o Estado ter perdido o monopólio da violência. As chances de que isso ocorra no Brasil são diminutas, mas não nulas.

A capacidade de resposta da sociedade e das autoridades a um problema relativamente novo, pelo menos na sua magnitude, é crucial. É fundamental que o Brasil reaja rapidamente ao problema da violência, que guarda pouca relação com a pobreza. Há centros urbanos muito mais pobres no mundo sem os índices de violência observados em São Paulo. Essa questão merece que etapas sejam queimadas e que seja enfrentada com pragmatismo. O Brasil sempre exibiu grande capacidade de reação diante de dificuldades. Não somos muito bons para prevenir crises, mas somos julgados competentes para equacioná-las. É preciso que tal competência se manifeste rapidamente diante do problema da violência, de modo a evitar que a cidade mais atrativa do mundo para investimentos seja tomada como refém para sempre.

Octavio de Barros é economista e chefe do BBV Banco em São Paulo

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