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A OMC morreu?

O tempo fechou em Cancún

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h45.

"O Brasil não aprovou o que queria, mas os Estados Unidos também não." Foi assim que o presidente Lula resumiu o resultado das negociações da Organização Mundial do Comércio, que se reuniu em Cancún, no México, entre os dias 10 e 14. Se a idéia era fazer uma descrição crua dos fatos, Lula está coberto de razão: nem o Brasil, nem os Estados Unidos, nem qualquer outro país conseguiu impor sua agenda -- e, após um melancólico discurso de encerramento do chanceler mexicano, Luis Ernesto Derbez, o encontro terminou num retumbante fracasso. No entanto, se o presidente pretendia se unir às comemorações de boa parte da opinião pública, não apenas brasileira, por uma suposta vitória moral dos países pobres, a frase denota um lamentável equívoco. O fiasco das negociações arranhou seriamente a imagem da organização responsável pelo comércio e tornou incerto o futuro de acordos multilaterais. E, embora percam também os americanos ou os europeus, perdem muito mais os habitantes dos países pobres, boa parte deles agora unidos, sob a batuta brasileira, no chamado G22. "Engana-se quem torce pelo fracasso da OMC", diz o economista Edward Amadeo, da consultoria Tendências. "O Brasil tem muito a ganhar com ela."

É isso que mostrou um estudo recente do Banco Mundial. Se levada a cabo, a chamada Rodada de Doha deve produzir um aumento na renda mundial de 500 bilhões de dólares ao ano a partir de 2015. Mais de 60% desse ganho iria exatamente para países em desenvolvimento. Eles seriam particularmente favorecidos pelo foco da Rodada no tema da agricultura, que jamais tinha sido alvo de tentativa de liberalização. Portanto, é melhor que a OMC se recupere do tombo sofrido.

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Os mais otimistas apostam na volta à normalidade já no curto prazo. Em primeiro lugar, rodadas anteriores também estouraram o prazo e algumas foram dadas como mortas. A mais famosa delas, a Rodada Uruguai, foi concluída com cinco anos de atraso. "Negociações comerciais são sempre complicadas", diz a advogada Luciana Zilbovicius, sócia do escritório L.O. Baptista Advogados. Em segundo lugar, pesa também a favor da OMC o fato de ela ainda ser vista como uma entidade importante. "Os países ricos precisam dela até para regular os próprios conflitos", diz o ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, que virou uma das estrelas em Cancún ao ser elevado ao posto de porta-voz do G22 (leia entrevista na página 32). Uma análise da atuação da organização nos últimos anos confirma essa tese. A pedido de EXAME, especialistas do L.O. Baptista fizeram um levantamento das disputas comerciais no âmbito da OMC entre 1995 e 2003. Estados Unidos e União Européia lideram a lista: foram 75 demandas americanas e 62 européias. Canadá e Brasil vêm a seguir, com 24 e 22 demandas.

O argumento final para os otimistas é que, apesar da falta de resultados concretos, houve certa ordem na desordem -- em que pesem as doses habituais de violência e episódios lamentáveis, como o suicídio de um agricultor coreano. As missões saíram do México com uma clareza maior dos problemas a ser enfrentados. É provável que Genebra, sede da diplomacia comercial internacional, vá fervilhar de negociações nas próximas semanas. E já há quem aposte numa nova reunião ministerial, como a de Cancún, para os próximos meses. "Não dá nem para comparar o que ocorreu agora com a reunião de Seattle, por exemplo", diz Luciana, referindo-se ao encontro de 1999. "Lá, ninguém tinha a menor idéia do que fazer. Agora é diferente."

Pode até ser verdade, mas convém não exagerar no otimismo. Disputas envolvendo mais de 130 países muitas vezes acabam ganhando uma dinâmica difícil de controlar. E os ânimos continuam exaltados -- um bom exemplo foi o artigo de Robert Zoellick, o chefe do Comércio Exterior dos Estados Unidos, publicado no dia 22 no jornal britânico Financial Times, em que acusa nominalmente o Brasil pelo insucesso da reunião. Americanos e europeus certamente tentarão dividir o G22, cujos membros têm interesses dificilmente conciliáveis no longo prazo -- o que só deverá fazer crescer os ressentimentos de lado a lado. O risco é a OMC ficar patinando em meio à falta de consenso e ser ultrapassada por outras formas de negociação, como os blocos regionais e os acordos bilaterais. "Ainda é cedo para saber como o impasse vai terminar", diz Maria Cristina Terra, da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas. "O que vimos no México foi um passo atrás, agora é tentar recuperar o tempo perdido para, quem sabe, dar dois para a frente." Tradução: se os novos arranjos de interesse revelados em Cancún forem lançados na direção correta, é possível especular sobre um avanço nas negociações a partir de agora. Paradoxalmente, o tropeço no México funcionaria como um catalisador para a Rodada de Doha. Alternativamente, é igualmente plausível um cenário em que as acusações de lado a lado se intensifiquem sem que uma saída seja encontrada. Vai depender da vontade de negociar dos negociadores.

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