Exame Logo

A fórmula do sucesso

Hit Makers: The Science of Popularity in an Age of Distraction Penguin Publishing Group Autor: Derek Thompson. Páginas: 352 ———————- David Cohen Para quem quer a fórmula do sucesso, aí vai ela: copie tudo o que já deu certo, mas acrescente alguma pequena modificação; envolva seu produto numa narrativa atraente; foque em um público específico, […]

SEINFELD E O ACASO DO SUCESSO: o seriado tinha níveis de audiência precários até que, por algumas contingências de programação, passou a ser transmitido depois de Cheers / Reprodução
DR

Da Redação

Publicado em 11 de março de 2017 às 08h43.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h22.

Hit Makers: The Science of Popularity in an Age of Distraction
Penguin Publishing Group
Autor: Derek Thompson. Páginas: 352

———————-

David Cohen

Veja também

Para quem quer a fórmula do sucesso, aí vai ela: copie tudo o que já deu certo, mas acrescente alguma pequena modificação; envolva seu produto numa narrativa atraente; foque em um público específico, que será sua base de sustentação e alavancagem; invista em meios de disseminar o produto para o maior público possível; e, finalmente, exercite sua persistência – se o sucesso não vier desta vez, tente de novo, e de novo, e de novo.

Se essa fórmula parece um pouco genérica demais, console-se com o fato de que a receita da Coca-Cola é um segredo há mais de 130 anos. O jornalista Derek Thompson, um dos editores da revista The Atlantic, pelo menos entrega alguns dos ingredientes do sucesso, no livro Hit Makers: The Science of Popularity in an Age of Distraction (algo como Fazedores de sucesso: a ciência da popularidade na era da distração).

Se na virada do milênio psicólogos e economistas passaram a chamar a atenção para uma tal de “economia da atenção”, este agora parece ser um subgênero dos livros de negócios: como chamar a atenção num mundo com excesso de informações.

Essa trilha foi aberta pelo jornalista e neurocientista Malcolm Gladwell, com o livro O Ponto da Virada, lançado em 2000. Supostamente, Thompson pega o fio da meada onde Gladwell parou (de acordo com o professor de Wharton Adam Grant, autor de Originals ). Não é bem assim.

A maior vantagem do livro de Thompson sobre o de Gladwell é que ele não impinge respostas com base em poucos estudos e algumas histórias interessantes. Claro, essa é também sua maior desvantagem. Você sai da leitura com poucas orientações práticas.

Talvez o maior problema de Thompson seja o excesso de honestidade. Em vários momentos, ele frisa que não, não há fórmula de sucesso. Nós tendemos a achar que as histórias de sucesso se devem a características especiais do produto ou do empreendedor. Mas boa parte do sucesso é uma questão estatística: se muita gente jogar um par de dados, alguns deles deverão sair com uma dupla de seis.

Nisso ele segue o exemplo do pesquisador da Microsoft Duncan Watts, autor do excelente Tudo É Óbvio – Desde que Você Saiba a Resposta. Ou do professor de gestão do IMD Phil Rozensweig, autor de Derrubando Mitos.

As explicações para o sucesso costumam se assentar em algum ponto de um espectro entre duas metáforas. De um lado, a corrida dos espermatozoides: é sabido que milhões deles vão em direção ao óvulo, a maioria é saudável o suficiente para contribuir com a derrubada da cerca química em torno do objetivo, e a definição de qual prevalecerá é primordialmente casuística. Não há espermatozoide “destinado ao sucesso”.

Do outro lado do espectro está a crença no destino, como numa sucessão da realeza: o herdeiro, especialmente o primogênito, tem sangue azul.

Uma receita contraditória

Ora, por que ler um livro que promete a fórmula de sucesso e confessa que não existe fórmula de sucesso? Em parte, para se convencer disso. E em parte porque, ainda que não existam receitas seguras, há boas práticas.

Tome-se o conselho de misturar tradição com progresso, por exemplo. “Um dos truques do compositor alemão Johannes Brahms para preencher seu poço de lindas melodias era a mistura de gêneros”, diz Thompson. Ele estudava músicas regionais em busca de refrões que chamassem a atenção. Quando viajava para outros países, frequentemente visitava bibliotecas para pesquisar partituras. E roubava acordes, floreios, melodias, que incluía em suas peças.

Mesmo obras tidas como revolucionárias – como a trilogia de Guerra nas Estrelas – bebem de tradições antigas. George Lucas se inspirou em mitos clássicos, e praticamente plasmou a história do herói Flash Gordon que o encantou na infância.

Guerra nas Estrelas é uma espécie de faroeste… no espaço. Cumpre a fórmula apontada por Thompson, de copiar, mexendo apenas em um dos elementos. “Os consumidores são ao mesmo tempo neofílicos – curiosos para descobrir novas coisas – e profundamente neofóbicos – têm medo de qualquer coisa que seja nova demais”, escreve.

Esta é uma dessas frases que podem ser consideradas geniais, ou absolutamente banais. Equivale a dizer que as pessoas estão entre uma característica A e seu oposto. A grande questão é quanto de tradição, quanto de revolução deve entrar na mistura. E a resposta de Thompson é: quase tudo cópia, apenas um leve sabor de novidade.

Ele cita o designer industrial Raymond Loewy, cujo conselho era: “o mais avançado possível, porém aceitável”. A familiaridade é um componente tão forte do nosso gosto que, segundo alguns estudos, explica o sucesso dos pintores impressionistas. O movimento era tido, no final do século 19, como uma corrupção da arte. Mas um dos pintores, Gustave Caillebotte, morreu cedo e deixou sua coleção de quadros em testamento para o museu de Luxemburgo, em Paris.

Eram 16 telas de Monet, oito de Renoir, oito de Degas, cinco de Cézanne, quatro de Manet, 18 de Pissarro e nove de Sisley. Vários professores da Escola de Belas Artes ameaçaram renunciar a seus postos se o governo aceitasse os quadros.

Quando as obras foram finalmente expostas, em 1897, formaram a primeira exposição impressionista da Europa. E a longa batalha judicial em torno do testamento já havia feito um magnífico trabalho de marketing: os impressionistas se tornaram amplamente conhecidos.

Não é por coincidência, diz Thompson, que os sete artistas da coleção de Caillebotte se tornaram também os impressionistas mais valorizados. A vantagem da exposição inicial acabou se ampliando: fama atraiu fama, e os quadros dos sete se tornaram mais frequentes em galerias, arrecadaram mais dinheiro em vendas, foram mais bem avaliados por conhecedores, entraram com mais frequência nos livros de história da arte.

Curioso é que o critério de escolha de Caillebotte para comprar as telas dos amigos era inversamente proporcional à sua popularidade. Ele tinha por princípio comprar as obras que os amigos tinham mais dificuldade de vender…

Uma história parecida aconteceu com outro quadro, a Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci. Hoje ela é considerada a pintura mais valiosa do mundo, o “supremo exemplo da perfeição”. Mas no século 19 ela não era sequer a obra mais famosa do Museu do Louvre. Um roubo mudou essa história: a atenção que o caso recebeu influenciou, nos anos seguintes, o modo como se enxergava a obra.

Esqueça a viralização

É de Duncan Watts e dois pesquisadores um estudo que mostra que o sucesso é bem menos determinado pela qualidade do que supomos. Em 2007, os três montaram listas de músicas e entregaram para avaliação de diversos grupos, para a montagem de “paradas de sucesso”.

As pessoas escutavam as músicas e davam notas. Como o sistema era online, todos podiam ver as notas que a música já tinha obtido. E isso fazia toda a diferença. Embora a qualidade fizesse diferença – uma música ruim não conseguia ser muito bem classificada –, a partir de um certo nível ela já não contava tanto.

O que definia a ordem das diversas paradas de sucesso, de acordo com o estudo, era a “vantagem inicial”. Se uma música começasse a ser bem avaliada, a tendência era que os novos ouvintes a escutassem com mais predisposição a gostar dela.

É o que o sociólogo Robert Merton chamou de “efeito Mateus”, em alusão a um trecho do evangelho de Mateus, na Bíblia: “para todos aqueles que têm, mais será dado, mas aqueles que não têm nada, mesmo o que têm lhes será tirado”. Ora, se essa vantagem inicial é tão importante, faz todo o sentido batalhar pelo máximo de disseminação da sua mensagem. A fama ajuda a criar mais fama.

Thompson cita estudos de pesquisadores do Yahoo e da Microsoft, para combater a noção de “viralização” de conteúdos. Viralização seria se um contágio ocorresse de forma exponencial: o primeiro contamina algumas pessoas, cada uma delas contamina outras tantas e por aí vai.

O que acontece, na imensa maioria dos casos, é diferente. O contágio ocorre lentamente, até que alcança alguns “difusores escuros”, os meios de difusão não tradicionais. Quando uma celebridade posta um vídeo em sua página numa rede social, ela contamina milhões ao mesmo tempo.

A viralização é uma percepção falsa. A maior parte das pessoas obtém a informação da mesma fonte. Ou de algumas poucas fontes, responsáveis por uma série de “explosões” de popularidade.

Um mecanismo para fazer a difusão andar, portanto, é ter uma base de apoio suficiente forte. O livro 50 Tons de Cinza, tido como um exemplo de viralização, tinha essa base: num site de fan fiction (gente que escreve adaptações e continuações para histórias de sucesso) a autora já tinha cinco milhões de seguidores.

Outro é gastar em publicidade. Em 1980, antes do crescimento acelerado das opções de entretenimento, os grandes estúdios de cinema gastavam 20 centavos em publicidade para cada dólar ganho na bilheteria. Agora, eles gastam 60 centavos para ter aquele dólar.

Donald Trump e a persistência

Uma consequência inesperada dessa lógica foi, segundo Thompson, a eleição de Donald Trump. Ele foi o candidato que menos gastou em publicidade entre os pré-candidatos do Partido Republicano, por volta de 20 milhões de dólares. Mas seu discurso era tão absurdo, tão chamativo, tão ultrajante que a mídia – a mesma que ele acusa de fazer campanha contra ele – considerava seu dever noticiar suas diatribes. Especialistas calculam que Trump tenha ganhado 3 bilhões de dólares em “anúncios grátis”, na forma de cobertura jornalística – mais do que a combinação de todos os seus rivais.

Isso não quer dizer que a imprensa seja responsável pela eleição de Trump. Se há algo bem estabelecido na fórmula de Thompson, é que ela pode ajudar a explicar a popularidade e o sucesso, mas não é capaz de prevê-los. O mundo é bem mais caótico do que nós gostamos de acreditar. Daí a importância das narrativas. “Pode-se dizer que o caos da vida é uma condição crônica para a qual as histórias são um remédio”, afirma Thompson.

O livro 50 Tons de Cinza estourou, mas outros tantos que também fizeram sucesso similar em clubes de fan fiction nunca decolaram. A música Rock Around the Clock, que praticamente inaugurou o estilo musical do rock’n’roll, passou despercebida quando foi lançada – e só fez sucesso quando entrou na trilha sonora de um filme, por sugestão do filho de um amigo do diretor.

O seriado Seinfeld, um dos mais aclamados e bem-sucedidos da história da televisão, tinha níveis de audiência precários até que, por algumas contingências de programação, passou a ser transmitido depois de Cheers, a série de maior audiência na época. E então decolou.

Em resumo: é possível prever que haverá um sucesso, porque é assim que a sociedade funciona. Mas não dá para dizer qual será o sucesso. A qualidade ajuda, mas não é nem de longe suficiente para garantir a conquista da atenção. Num cenário desses, a fórmula de atingir o sucesso tem de ser encarada como uma caixa de ferramentas para aumentar as suas chances, não como garantia ou caminho. E a ferramenta mais importante talvez seja a persistência. Você jamais vai saber o que os dados lhe reservam, mas a probabilidade de acertar aumenta se você jogar várias vezes.

Acompanhe tudo sobre:Exame HojeLivros

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Economia

Mais na Exame