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A difícil reconstrução do Iraque

Caberá ao general aposentado americano Jay Garner a tarefa mais complexa depois da guerra: governar e reconstruir o Iraque. Garner já reuniu na Cidade do Kueit uma equipe de 230 pessoas. Está também escolhido o comando do governo interino, composto de 20 pessoas. Um número próximo dos 23 ministérios do Iraque de Saddam Hussein. A […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h02.

Caberá ao general aposentado americano Jay Garner a tarefa mais complexa depois da guerra: governar e reconstruir o Iraque. Garner já reuniu na Cidade do Kueit uma equipe de 230 pessoas. Está também escolhido o comando do governo interino, composto de 20 pessoas. Um número próximo dos 23 ministérios do Iraque de Saddam Hussein. A única dúvida na equipe que governará o país depois da guerra era quem comandaria a reconstrução da infra-estrutura petrolífera: Philip Carroll, ex-executivo da Shell, ou Rodney Chase, da British Petroleum. Há, porém, problemas muito maiores adiante do que a mera escolha de nomes para compor um gabinete interino.

O primeiro e maior deles é conhecer o país. De acordo com o jornal The Wall Street Journal, Saddam Hussein publicou o último mapa de Bagdá em 1973 e o último orçamento em 1978. Como Banco Mundial e FMI foram banidos do Iraque na dácada de 80, não há absolutamente nenhuma estimativa confiável de indicadores triviais como produto interno bruto ou expectativa de vida. A Casa Branca acredita que o PIB iraquiano seja de 59 bilhões de dólares e a expectativa média de vida de 67 anos. O Departamento de Energia aposta em 29 bilhões de dólares e 61 anos. Já a ONU e o Banco Mundial não estimam o PIB desde 1990 e a última avaliação de expectativa de vida, de 1995, falava em 75 anos. Quem está certo? Pior: ninguém tem idéia do tamanho da dívida externa iraquiana e há uma acalorada discussão sobre se o novo governo deverá honrar os débitos contraídos por Saddam Hussein.

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"Tínhamos planos qüinqüenais, mas nunca sabíamos que proporção era dada aos militares ou forças de segurança e qual era o ganho com petróleo", afirmou o economista Jamil Khidr, um ministro curdo no norte do país, ao Wall Street Journal. "A única pessoa que sabia era Saddam." A maior dificuldade, contudo, será estabelecer a política monetária do novo país. Não há nada parecido com um banco central ou uma autoridade monetária no regime de Saddam. Circulam duas moedas, o dinar Saddam, impresso aos borbotões à medida que Saddam julgasse necessário (e, portanto, em constante desvalorização, com queda de 33% desde o início da guerra), e o dinar "suíço", anterior ao controle do ditador sobre as máquinas de fazer dinheiro, com circulação sobretudo nas áreas controladas pelos curdos ao norte (e, portanto, com valorização de 100% desde o início da guerra). Alguns apostam que o dinar "suíço" será adotado. Outros têm certeza de que a moeda será o dólar americano. No Afeganistão, houve uma tentativa de estabelecer o dólar, mas o governo provisório criou imediatamente uma autoridade monetária e um novo meio circulante.

Outra dificuldade diz respeito ao petróleo. Acredita-se que o Iraque tenha a segunda maior reserva do mundo, com 112 bilhões de barris de óleo. Mas 12 anos de sanções reduziram a produção a níveis inferiores a 2 milhões de barris por dia (em fevereiro, antes da guerra, foram 1,4 milhões). Elevar esse número a níveis compatíveis com os anteriores à primeira Guerra do Golfo pode levar anos. Em pouco tempo, de acordo com a empresa de análises político-militares Stratfor, a produção poderia chegar a 2,8 milhões de barris diários. Se os níveis ficarem nesse patamar, o Iraque faturará 18 bilhões de dólares por ano com óleo. Somados aos 80 bilhões de dólares que o Congresso americano destinou à reconstrução do país e aos 35 ou 40 bilhões que restam em caixa do programa da ONU óleo-por-comida, será esse todo o dinheiro com que Garner poderá contar para reconstruir o país (pelo menos por enquanto). Mas as estimativas de quanto custará reerguer estradas, pontes, infra-estrutura de água e irrigação, eletricidade, telecomunicações, além de casas, escolas, hospitais e tudo o mais que houver sido destruído pela guerra variam de 20 bilhões de dólares anuais a até 600 bilhões. Só a infra-estrutura, afirmam especialistas, não sairá menos de 100 bilhões, que devem correr diretamente para os cofres de empresas americanas como a Halliburton, do vice-presidente Dick Cheney, Bechtel Group, Fluor Corp e Parsosns Group.

Resta ainda o mais difícil: a reconstrução política. Dentro da própria coalizão não há um consenso sobre que tipo de estrutura representativa será montada, qual será a participação dos exilados iraquianos e quando o Iraque estará pronto para novas eleições. O encontro de George Bush com Tony Blair em Belfast foi marcado por uma tensão que não foi mantida em segredo sobre a participação das Nações Unidas no futuro do país. Daí, talvez, a possível concessão a um britânico de um posto importante no governo interino, como a reconstrução da infra-estrutura petrolífera.

Mas Bush não terá de se preocupar apenas com a Inglaterra. É interesse de países como França ou Rússia, grandes credores do Iraque, que a dívida externa iraquiana seja honrada. Por outro lado, é de interesse americano conseguir manter a maior influência possível sobre a nova administração, sem que isso seja visto como mais uma afronta pela comunidade internacional. O subsecretário de Defesa, Paul Wolfowitz, fala em eleições só daqui a dois anos. E aí, talvez, entra em jogo a questão política mais delicada: a composição da nova administração entre as diferentes etnias iraquianas, sem que isso desestabilize o equilíbrio regional e atraia países como Irã ou Turquia para o conflito. Enquanto Wolfowitz defende a participação expressiva no governo de líderes exilados, como o controverso Ahmed Chalabi, líder do Congresso Nacional Iraquiano no exílio que deixou o país em 1958 aos 13 anos e ajudou a CIA em um complô para matar Saddam nos anos 90, o departamento de Estado, liderado por Colin Powell, prefere montar o governo com líderes locais que permaneceram no país ao longo de toda a ditadura de Saddam.

Para a economia mundial, embora o fim da incerteza sobre a guerra tenha exercido um efeito benéfico, é duvidoso que esse efeito seja duradouro. A presença do exército americano no Oriente Médio é um novo fator de instabilidade geopolítica, com o risco de envolvimento de mais países da região em conflitos e de acirramento do terrorismo internacional como represália à intervenção direta dos Estados Unidos em uma nação árabe. Os ataques de 11 de setembro são uma lembrança de que o aparentemente impossível acontece e tem efeitos profundos sobre o humor de mercados, economias, sociedades, sobre, enfim, toda a humanidade.

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