Finanças pessoais, ideologia e responsabilidade individual
No mundo das finanças pessoais, existe uma questão político-filosófico-ideológica que ainda não foi resolvida (e que talvez nunca seja): “Qual o papel da responsabilidade individual na situação financeira de um indivíduo?” Até que ponto a situação financeira de uma pessoa é o resultado de suas decisões ou é determinada por circunstâncias externas, de natureza econômica, social ou cultural? Não há uma resposta satisfatória para esta pergunta, mas como toda questão […] Leia mais
Da Redação
Publicado em 12 de setembro de 2013 às 10h50.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 08h51.
No mundo das finanças pessoais, existe uma questão político-filosófico-ideológica que ainda não foi resolvida (e que talvez nunca seja): “Qual o papel da responsabilidade individual na situação financeira de um indivíduo?”
Até que ponto a situação financeira de uma pessoa é o resultado de suas decisões ou é determinada por circunstâncias externas, de natureza econômica, social ou cultural?
Não há uma resposta satisfatória para esta pergunta, mas como toda questão que tem componentes ideológicos, alguns acabam partindo para a radicalização.
Por exemplo, aquelas pessoas que no espectro ideológico-político estão mais situadas à esquerda (orientação social), costumam atribuir um peso menor à responsabilidade individual e maior à responsabilidade do governo e da sociedade. Quando essa visão é radicalizada, as pessoas passam a acreditar que o indivíduo não tem NENHUMA responsabilidade por sua situação financeira, sendo um mero “joguete” na mão de interesses maiores. Essa visão radicalizada e distorcida leva à vitimização, ao “coitadismo”, àquele cenário em que a mocinha que hoje está afogada em dívidas por ter comprado muitos sapatos de grife está nessa situação não por responsabilidade dela, mas por culpa do “sistema”. Ela foi manipulada pelas empresas e por algum profissional de marketing espertalhão que a induziu a comprar aquilo que não era para o bolso dela. A culpa é “dos outros”.
Na outra extremidade do espectro, à direita, as pessoas costumam dar uma “aliviada” no peso da influência externa e dão uma importância maior à responsabilidade individual. Quando ocorre uma radicalização, as pessoas adotam uma posição “libertária” e pregam que o indivíduo é totalmente livre para fazer o que bem entender, mas deve arcar com as consequências de suas decisões e aceitar o fato de que o estado ou a sociedade não têm nenhuma obrigação de socorrê-lo caso algo dê errado. Aqui temos a responsabilidade individual com carga máxima – se você é pobre, a culpa é sua; e se você é rico, os louros são seus.
Obviamente, nenhuma das duas visões, em suas versões radicais, está correta. O “ponto ótimo” da responsabilidade individual está em algum lugar no meio do caminho, mas ninguém consegue enxergar.
Não enxergamos, pois há uma enorme subjetividade aí. Por exemplo, quando colocamos a nós mesmos na situação, a coisa fica infinitamente mais obscura. Entra em ação uma das nossas falhas lógicas mais conhecidas, que é o viés da autoconveniência ( self-serving bias ), que nos faz ver as coisas de forma mais favorável a nós quando nos envolvem. É aquela velha história de “quando nosso filho vai mal na prova, é porque o professor foi cruel na correção, mas se o filho do vizinho vai mal na prova, é porque ele é burro mesmo”.
Muita gente (e aí entra o viés da autoconveniência) prega a favor da responsabilidade individual, dizendo que as pessoas estão numa situação ruim porque não estudaram, não investiram, seja lá o que for – elas estão “colhendo aquilo que plantaram”. Mas quando ELAS estão numa situação ruim, aí se dizem vítimas, se dizem enganadas, querem o socorro do governo e por aí vai. Assim fica difícil ter objetividade…
Eu devo confessar que não tenho uma posição solidamente formada sobre isso e, conforme as circunstâncias, eu oscilo bastante entre os dois extremos. Alterno momentos de maior fé na responsabilidade individual com períodos em que acredito que, se não houver alguém orientando e “tomando conta”, as pessoas não serão capazes de tomar as melhores decisões para si mesmas.
Tudo na vida pode mudar, mas ultimamente minha visão está mais deslocada para o lado direito do espectro (para os leitores habituais do blog, isso não deve ser nenhuma surpresa… O assunto “responsabilidade individual” já foi bastante explorado em artigos anteriores). Salvo naqueles casos escandalosamente óbvios, quando a pessoa já nasce em circunstâncias financeiras muito ruins, eu cada vez mais enxergo os problemas financeiros como um “não problema”. Os problemas financeiros são a consequência do desequilíbrio e da desorganização financeira, e a desorganização financeira é apenas a “ponta do iceberg”, a parte visível de uma desorganização maior. Talvez uma desorganização pessoal.
Por isso, termino este artigo com uma pergunta. Uma versão financeira daquele conhecido dilema do ovo e da galinha:
“A vida das pessoas se desorganiza por causa de sua situação financeira? Ou a situação financeira delas se desorganiza, pois elas são pessoas desorganizadas?”
No mundo das finanças pessoais, existe uma questão político-filosófico-ideológica que ainda não foi resolvida (e que talvez nunca seja): “Qual o papel da responsabilidade individual na situação financeira de um indivíduo?”
Até que ponto a situação financeira de uma pessoa é o resultado de suas decisões ou é determinada por circunstâncias externas, de natureza econômica, social ou cultural?
Não há uma resposta satisfatória para esta pergunta, mas como toda questão que tem componentes ideológicos, alguns acabam partindo para a radicalização.
Por exemplo, aquelas pessoas que no espectro ideológico-político estão mais situadas à esquerda (orientação social), costumam atribuir um peso menor à responsabilidade individual e maior à responsabilidade do governo e da sociedade. Quando essa visão é radicalizada, as pessoas passam a acreditar que o indivíduo não tem NENHUMA responsabilidade por sua situação financeira, sendo um mero “joguete” na mão de interesses maiores. Essa visão radicalizada e distorcida leva à vitimização, ao “coitadismo”, àquele cenário em que a mocinha que hoje está afogada em dívidas por ter comprado muitos sapatos de grife está nessa situação não por responsabilidade dela, mas por culpa do “sistema”. Ela foi manipulada pelas empresas e por algum profissional de marketing espertalhão que a induziu a comprar aquilo que não era para o bolso dela. A culpa é “dos outros”.
Na outra extremidade do espectro, à direita, as pessoas costumam dar uma “aliviada” no peso da influência externa e dão uma importância maior à responsabilidade individual. Quando ocorre uma radicalização, as pessoas adotam uma posição “libertária” e pregam que o indivíduo é totalmente livre para fazer o que bem entender, mas deve arcar com as consequências de suas decisões e aceitar o fato de que o estado ou a sociedade não têm nenhuma obrigação de socorrê-lo caso algo dê errado. Aqui temos a responsabilidade individual com carga máxima – se você é pobre, a culpa é sua; e se você é rico, os louros são seus.
Obviamente, nenhuma das duas visões, em suas versões radicais, está correta. O “ponto ótimo” da responsabilidade individual está em algum lugar no meio do caminho, mas ninguém consegue enxergar.
Não enxergamos, pois há uma enorme subjetividade aí. Por exemplo, quando colocamos a nós mesmos na situação, a coisa fica infinitamente mais obscura. Entra em ação uma das nossas falhas lógicas mais conhecidas, que é o viés da autoconveniência ( self-serving bias ), que nos faz ver as coisas de forma mais favorável a nós quando nos envolvem. É aquela velha história de “quando nosso filho vai mal na prova, é porque o professor foi cruel na correção, mas se o filho do vizinho vai mal na prova, é porque ele é burro mesmo”.
Muita gente (e aí entra o viés da autoconveniência) prega a favor da responsabilidade individual, dizendo que as pessoas estão numa situação ruim porque não estudaram, não investiram, seja lá o que for – elas estão “colhendo aquilo que plantaram”. Mas quando ELAS estão numa situação ruim, aí se dizem vítimas, se dizem enganadas, querem o socorro do governo e por aí vai. Assim fica difícil ter objetividade…
Eu devo confessar que não tenho uma posição solidamente formada sobre isso e, conforme as circunstâncias, eu oscilo bastante entre os dois extremos. Alterno momentos de maior fé na responsabilidade individual com períodos em que acredito que, se não houver alguém orientando e “tomando conta”, as pessoas não serão capazes de tomar as melhores decisões para si mesmas.
Tudo na vida pode mudar, mas ultimamente minha visão está mais deslocada para o lado direito do espectro (para os leitores habituais do blog, isso não deve ser nenhuma surpresa… O assunto “responsabilidade individual” já foi bastante explorado em artigos anteriores). Salvo naqueles casos escandalosamente óbvios, quando a pessoa já nasce em circunstâncias financeiras muito ruins, eu cada vez mais enxergo os problemas financeiros como um “não problema”. Os problemas financeiros são a consequência do desequilíbrio e da desorganização financeira, e a desorganização financeira é apenas a “ponta do iceberg”, a parte visível de uma desorganização maior. Talvez uma desorganização pessoal.
Por isso, termino este artigo com uma pergunta. Uma versão financeira daquele conhecido dilema do ovo e da galinha:
“A vida das pessoas se desorganiza por causa de sua situação financeira? Ou a situação financeira delas se desorganiza, pois elas são pessoas desorganizadas?”