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É preciso ir além do crachá

Sem pessoas trabalhando genuinamente orientadas a compreender e atender às necessidades das outras pessoas, a transformação não sairá do papel

Empresas ágeis combinam o “employee experience” com o “employee value proposition”, que de maneira simples é o que a organização oferece ao funcionário em troca de seu talento, habilidades e competências. (Amanda Perobelli/Reuters)
Empresas ágeis combinam o “employee experience” com o “employee value proposition”, que de maneira simples é o que a organização oferece ao funcionário em troca de seu talento, habilidades e competências. (Amanda Perobelli/Reuters)
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Viviane Martins

Publicado em 13 de abril de 2021 às, 14h39.

Última atualização em 13 de abril de 2021 às, 14h40.

Uma transformação digital e cultural, daquelas que fazem a organização mudar de patamar e cujos resultados serão sustentáveis, só se faz com Pessoas. Com “P” maiúsculo mesmo. Sem pessoas trabalhando genuinamente orientadas a compreender e atender às necessidades das outras pessoas, a transformação não sairá do papel. É preciso ir além do crachá.

Alguns conceitos interessantes em gestão de pessoas tiveram destaque nos últimos tempos, como a vulnerabilidade dos líderes, a antifragilidade como avanço em relação à resiliência, escuta ativa, dentre outros. Entretanto, de nada valerá o líder se expor, fazer pesquisas e convocar o time para a mudança se ele não se dedicar a entender as necessidades de seu time.

Esqueça a pirâmide, mas nunca se esqueça de Maslow, o conhecido estudioso do comportamento coletivo. As necessidades humanas são simultâneas e dinâmicas.

Neste momento, uma dor de muitos líderes é que centenas de pessoas estão deixando organizações estáveis, sólidas, que lhes ofereciam salários adequados, planos de carreira estruturados e até lhes conferiam certo status para migrarem para empresas cujos produtos ou serviços estão em evolução, com processos que ainda estão em construção e sem a garantia de que não deixarão de existir dentro de alguns anos. Esse é o perfil de muitas empresas de crescimento acelerado, com modelo escalável e ágil, quase sempre com forte presença da tecnologia em seus negócios, e que vêm causando alvoroço no mercado de trabalho.

Quando ameaçadas em alguma perspectiva, seja psicológica ou fisicamente (sim, isso é tema organizacional em tempos de pandemia), sem visibilidade de múltiplas possibilidades para se desenvolverem, sem se sentirem desafiadas, reconhecidas, sem encontrarem empatia para suas ansiedades, pessoas simplesmente passam a não se enxergarem no futuro da organização. O que as empresas de alto crescimento oferecem não está no crachá, no cargo descrito, nem na posição hierárquica em que a pessoa estará.

Uma das necessidades humanas é se sentir importante e pertencente a um time. Isso não tem mais nenhuma relação com vestir o uniforme de determinada empresa, ter uma sala, uma secretária, nem com o que ia escrito nos cartões de visita, tão despropositados hoje em dia.

Em tempos de redes sociais como veículo de recrutamento, os talentos se tornam alvos fáceis para empresas com propósito claro e alinhado aos seus valores, flexíveis em suas rotinas, com alto grau de desafio, autonomia em ambientes altamente colaborativos, com oportunidade de integrarem times de alta performance, com benefícios e remuneração que sejam percebidos como proposição de valor para as pessoas. Mesmo as experiências sensoriais de pufes coloridos, mesas de pingue-pongue e máquinas de lanches de saudabilidade duvidosa, já estão ultrapassadas.

A necessidade que as empresas em geral precisam atender não é a do lazer, mas da saúde mental das pessoas, de permitir que as pessoas tenham sua organização de trabalho para que o lazer, a atividade física, o convívio familiar e a realização profissional encontrem espaço na vida das pessoas.

Estas empresas ágeis combinam o “employee experience” com o “employee value proposition”, que de maneira simples é o que a organização oferece ao funcionário em troca de seu talento, habilidades e competências. Nesta conta entra o chamado salário emocional, que é composto por horário flexível, home office, diversidade, sexta feira curta, zero padrão de vestuário, feedbacks constantes e valiosos, relacionamento construtivo com a liderança, reconhecimentos por desempenho mais frequentes, baseados em entregas de projetos ou desenvolvimentos e premiação em milhagens, que podem ser trocadas por serviços.

Sem surpresa, o prêmio frequentemente mais escolhido são serviços de educação, já que outra necessidade das pessoas é aprender, combustível para o desenvolvimento. Esta escolha é coerente com o anseio das pessoas de estarem em um ambiente de crescimento e que lhes proporcione múltiplas experiências para além do conforto que os tradicionais planos de carreira traziam. Tudo isso, ancorado em um propósito que conecte as pessoas, faz de uma empresa um lugar especial para trabalhar.

Pode ser longa a lista das práticas desenvolvidas nas empresas aonde as pessoas das organizações tradicionais estão indo, mas o desafio é que não existe uma receita única. Mesmo entre as organizações ágeis estas práticas variam, de acordo com a maturidade, o aprendizado e a constante adaptação às necessidades de seus times. Logo, um simples benchmarking não resolverá o problema.

O employee value proposition está alicerçado em cultura e valores que são únicos de cada organização. Evoluir a cultura, preservando os valores, adaptando as estruturas, políticas e processos de gestão de pessoas é tarefa para líderes que, em si, vão além do crachá e que buscam compreender as necessidades humanas permanentemente, buscando adaptar sua organização às mudanças que gerações, condições sociais, mercadológicas e competitivas nos impõem.

Se o saldo da conta da proposta de valor entre pessoas e organização é positivo, as pessoas se engajam e estarão muito pouco propensas a deixar as suas posições, gerando e preservando conhecimento, condições para que a organização como um todo se transforme