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Por que não há prévias presidenciais no Brasil?

Falta de prévias protegem candidatos mas desinformam eleitores

Palácio do Planalto: próximo presidente pode ter sido indicado por partido sem participar de prévias presidenciais / Andre Dib | Pulsar imagens
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Da Redação

Publicado em 1 de março de 2018 às 14h31.

As eleições presidenciais de 2018 ocorrerão em oito meses. Até agora, os candidatos anunciados são: Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Jair Bolsonaro (PSL) e Manuela D’Ávila (PCdoB). É possível que ainda tenhamos Henrique Meirelles (PSD ou MDB), Rodrigo Maia (DEM), Fernando Haddad (PT) e Joaquim Barbosa (PSB), entre outros. Não há como poupar palavras: é um zoológico da política brasileira. Todas as opções ideológicas estão presentes. Mas quaisquer que sejam as candidaturas, todas têm algo em comum. Não terão sido decididas através de prévias presidenciais competitivas dos respectivos partidos políticos. Geraldo Alckmin foi quem chegou mais perto de enfrentar um correligionário. Arthur Virgílio (PSDB), prefeito de Manaus, quis fazer frente ao governador paulista, mas desistiu. Alegou que as prévias do PSDB, marcadas para o início de março, não oferecem tempo suficiente nem regras claras para o debate de ideias. Afinal, por que prévias presidenciais são tão raras no Brasil? E o que nós, eleitores, perdemos com isso?

As prévias partidárias para escolher candidato a presidente só existiram no Brasil pós-1988 nas eleições de 2002, quando Luís Inácio Lula da Silva (PT) enfrentou o senador Eduardo Suplicy (PT). Lula venceu por 84,4% contra 15,6% dos votos. De acordo com os cientistas políticos John Carey e John Polga-Hecimovich, o resultado pode ter ajudado o ex-sindicalista a vencer a eleição presidencial contra José Serra (PSDB) no segundo turno. Segundo esses autores, há um “bônus das prévias” ( primary bonus ) a ser aproveitado pelos candidatos que enfrentam oposição dentro de seu partido. (O artigo é “Primary Elections and Candidate Strength in Latin America”, publicado pelo Journal of Politics em 2006.)  As prévias podem ter servido para animar os militantes pró-Lula, para solidificar seu programa de governo junto ao partido e para mostrar, aos não-militantes, o apoio massivo em torno de Lula. Caso Suplicy tivesse sido um contendor à altura de Lula – perdendo por uma diferença muito menor –, o ex-sindicalista teria saído já de início com uma candidatura mais fraca contra os tucanos. Em 2002, Lula tinha defeitos menos evidentes do que os de hoje, mas Suplicy certamente teria arsenal para a batalha. Poderia, por exemplo, expor a hipocrisia de Lula propor uma aliança com empresários e, assim, desdizer boa parte do que sua trajetória até então indicava. Mesmo que Lula tirasse de letra, haveria certo desgaste em disputar, na prática, duas eleições difíceis no mesmo ano: uma contra Suplicy e outra contra Serra. No fim das contas, as prévias petistas de 2002 foram mansas. Suplicy foi inofensivo.

Mas já está claro pelo menos um motivo para partidos não organizarem prévias presidenciais. Um candidato mais bem posicionado nas pesquisas de intenção de voto pode se desgastar contra um nanico. Nas eleições presidenciais norte-americanas de 2016, a democrata moderada Hillary Clinton sofreu disso ao disputar contra o pequeno e irritante Bernie Sanders. Caso Sanders tivesse vencido as prévias, outro defeito relevante dessa instituição teria se mostrado. Trata-se do fato de que os militantes partidários que participam das prévias – seja apoiando um candidato, seja se importando o suficiente para ao menos ir lá votar – tendem a ser ideologicamente mais extremistas do que o eleitor médio daquele partido. Imaginemos, para ilustrar, que Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro disputassem a chance de se candidatar à presidência pelo DEM. Bolsonaro atrairia para o partido milhares de seus fãs. Maia não tem militantes, mas é muito mais palatável para o cidadão brasileiro médio do que o ex-militar. Os apoiadores de Bolsonaro determinariam sua escolha para representar o DEM, e isto diminuiria em muito a chance de o partido eleger o próximo presidente da República.

Dá para notar, então, que os partidos têm bons motivos para não organizar prévias presidenciais. No entanto, escolher um candidato à presidência sem dar atenção alguma para filiados e simpatizantes do partido pode ser arriscado. Afinal, o candidato nomeado exclusivamente por conta da vontade de dirigentes partidários pode desanimar a militância, mesmo que tenha outras características que o tornem um forte postulante nas eleições presidenciais. Além disso, partidos divididos em várias facções podem tornar proibitiva a escolha de um candidato sem prévias – pois sua legitimidade decorreria de ampla votação interna entre militantes e simpatizantes. Esse é um dos argumentos dos cientistas políticos Ozge Kemahlioglu; Rebecca Weitz-Shapiro e Shigeo Hirano no artigo “ Why Primaries in Latin American Presidential Elections? ”, publicado pelo Journal of Politics em 2009.

Os partidos brasileiros ignoram as prévias por vários motivos plausíveis. Em primeiro lugar, porque pouquíssimos têm militância de fato. Os dirigentes estão ignorando a opinião de poucos ao escolherem sozinhos o candidato à presidência. Outro motivo é que facções não são comuns mesmo dentro de partidos imensos como PSDB e PMDB, o que torna muito menos importante o problema de ação coletiva para escolher um candidato único. O Partido Republicano nos Estados Unidos, por exemplo, é tão coalhado de facções que acabou topando um outsider como Donald Trump para representá-lo em 2016. Finalmente, qual político brasileiro se sujeitaria a um processo de prévias sem precisar disso? No exemplo fictício sobre prévias entre Bolsonaro e Maia, qualquer um deles resolveria a questão facilmente: mudaria de partido.

E isso é uma pena, pois prévias presidenciais são uma ótima maneira de informar mais os cidadãos. Vamos esperar, então, o horário eleitoral gratuito e os debates televisivos impregnados de regras e senões.

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As eleições presidenciais de 2018 ocorrerão em oito meses. Até agora, os candidatos anunciados são: Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Jair Bolsonaro (PSL) e Manuela D’Ávila (PCdoB). É possível que ainda tenhamos Henrique Meirelles (PSD ou MDB), Rodrigo Maia (DEM), Fernando Haddad (PT) e Joaquim Barbosa (PSB), entre outros. Não há como poupar palavras: é um zoológico da política brasileira. Todas as opções ideológicas estão presentes. Mas quaisquer que sejam as candidaturas, todas têm algo em comum. Não terão sido decididas através de prévias presidenciais competitivas dos respectivos partidos políticos. Geraldo Alckmin foi quem chegou mais perto de enfrentar um correligionário. Arthur Virgílio (PSDB), prefeito de Manaus, quis fazer frente ao governador paulista, mas desistiu. Alegou que as prévias do PSDB, marcadas para o início de março, não oferecem tempo suficiente nem regras claras para o debate de ideias. Afinal, por que prévias presidenciais são tão raras no Brasil? E o que nós, eleitores, perdemos com isso?

As prévias partidárias para escolher candidato a presidente só existiram no Brasil pós-1988 nas eleições de 2002, quando Luís Inácio Lula da Silva (PT) enfrentou o senador Eduardo Suplicy (PT). Lula venceu por 84,4% contra 15,6% dos votos. De acordo com os cientistas políticos John Carey e John Polga-Hecimovich, o resultado pode ter ajudado o ex-sindicalista a vencer a eleição presidencial contra José Serra (PSDB) no segundo turno. Segundo esses autores, há um “bônus das prévias” ( primary bonus ) a ser aproveitado pelos candidatos que enfrentam oposição dentro de seu partido. (O artigo é “Primary Elections and Candidate Strength in Latin America”, publicado pelo Journal of Politics em 2006.)  As prévias podem ter servido para animar os militantes pró-Lula, para solidificar seu programa de governo junto ao partido e para mostrar, aos não-militantes, o apoio massivo em torno de Lula. Caso Suplicy tivesse sido um contendor à altura de Lula – perdendo por uma diferença muito menor –, o ex-sindicalista teria saído já de início com uma candidatura mais fraca contra os tucanos. Em 2002, Lula tinha defeitos menos evidentes do que os de hoje, mas Suplicy certamente teria arsenal para a batalha. Poderia, por exemplo, expor a hipocrisia de Lula propor uma aliança com empresários e, assim, desdizer boa parte do que sua trajetória até então indicava. Mesmo que Lula tirasse de letra, haveria certo desgaste em disputar, na prática, duas eleições difíceis no mesmo ano: uma contra Suplicy e outra contra Serra. No fim das contas, as prévias petistas de 2002 foram mansas. Suplicy foi inofensivo.

Mas já está claro pelo menos um motivo para partidos não organizarem prévias presidenciais. Um candidato mais bem posicionado nas pesquisas de intenção de voto pode se desgastar contra um nanico. Nas eleições presidenciais norte-americanas de 2016, a democrata moderada Hillary Clinton sofreu disso ao disputar contra o pequeno e irritante Bernie Sanders. Caso Sanders tivesse vencido as prévias, outro defeito relevante dessa instituição teria se mostrado. Trata-se do fato de que os militantes partidários que participam das prévias – seja apoiando um candidato, seja se importando o suficiente para ao menos ir lá votar – tendem a ser ideologicamente mais extremistas do que o eleitor médio daquele partido. Imaginemos, para ilustrar, que Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro disputassem a chance de se candidatar à presidência pelo DEM. Bolsonaro atrairia para o partido milhares de seus fãs. Maia não tem militantes, mas é muito mais palatável para o cidadão brasileiro médio do que o ex-militar. Os apoiadores de Bolsonaro determinariam sua escolha para representar o DEM, e isto diminuiria em muito a chance de o partido eleger o próximo presidente da República.

Dá para notar, então, que os partidos têm bons motivos para não organizar prévias presidenciais. No entanto, escolher um candidato à presidência sem dar atenção alguma para filiados e simpatizantes do partido pode ser arriscado. Afinal, o candidato nomeado exclusivamente por conta da vontade de dirigentes partidários pode desanimar a militância, mesmo que tenha outras características que o tornem um forte postulante nas eleições presidenciais. Além disso, partidos divididos em várias facções podem tornar proibitiva a escolha de um candidato sem prévias – pois sua legitimidade decorreria de ampla votação interna entre militantes e simpatizantes. Esse é um dos argumentos dos cientistas políticos Ozge Kemahlioglu; Rebecca Weitz-Shapiro e Shigeo Hirano no artigo “ Why Primaries in Latin American Presidential Elections? ”, publicado pelo Journal of Politics em 2009.

Os partidos brasileiros ignoram as prévias por vários motivos plausíveis. Em primeiro lugar, porque pouquíssimos têm militância de fato. Os dirigentes estão ignorando a opinião de poucos ao escolherem sozinhos o candidato à presidência. Outro motivo é que facções não são comuns mesmo dentro de partidos imensos como PSDB e PMDB, o que torna muito menos importante o problema de ação coletiva para escolher um candidato único. O Partido Republicano nos Estados Unidos, por exemplo, é tão coalhado de facções que acabou topando um outsider como Donald Trump para representá-lo em 2016. Finalmente, qual político brasileiro se sujeitaria a um processo de prévias sem precisar disso? No exemplo fictício sobre prévias entre Bolsonaro e Maia, qualquer um deles resolveria a questão facilmente: mudaria de partido.

E isso é uma pena, pois prévias presidenciais são uma ótima maneira de informar mais os cidadãos. Vamos esperar, então, o horário eleitoral gratuito e os debates televisivos impregnados de regras e senões.

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