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Os três acertos de Michel Temer

É fácil criticar o governo de Michel Temer (PMDB). Ao aniversariar hoje, lembramos a impopularidade do presidente, reprovado por 73% dos cidadãos e aprovado por 11%. É melhor do que Dilma Rousseff (PT), mas aquém dos 30% considerado o patamar mínimo para um governo sobreviver e aprovar legislação. É fácil lembrar também de seu comportamento […]

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Da Redação

Publicado em 12 de maio de 2017 às 19h35.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h19.

É fácil criticar o governo de Michel Temer (PMDB). Ao aniversariar hoje, lembramos a impopularidade do presidente, reprovado por 73% dos cidadãos e aprovado por 11%. É melhor do que Dilma Rousseff (PT), mas aquém dos 30% considerado o patamar mínimo para um governo sobreviver e aprovar legislação. É fácil lembrar também de seu comportamento machista. Inicialmente, nenhuma mulher integrou seu ministério. Hoje há duas, uma responsável pela Advocacia-Geral da União e outra responsável pela política de Direitos Humanos. Além disso, reduziu mulheres a informantes sobre inflação, pois são elas que frequentam supermercados. Não é comportamento presidencial digno no século XXI. No entanto, justiça seja feita: o novo presidente resolveu dois grandes problemas: a qualidade da equipe econômica e o relacionamento com o Congresso Nacional.

A ex-presidente inegavelmente priorizava lealdade em vez de competência ao escolher os membros de sua equipe econômica. Guido Mantega e Arno Augustin comandavam o Ministério da Fazenda, Luciano Coutinho presidia o BNDES, Nelson Barbosa era ministro do Planejamento e Graça Foster comandava a Petrobras (não propriamente um órgão econômico, mas sem dúvida uma estatal cujo gerenciamento tem enormes consequências para a economia). Todos eles tinham em comum a incompetência e a lealdade à presidente. No início de seu segundo mandato, em 2015, Dilma substituiu Mantega por Joaquim Levy, economista que pertenceu à primeira equipe econômica de Lula e foi chancelado pelo Bradesco para o cargo. Levy teve seu trabalho dificultado pela própria presidente e seus asseclas. Saiu depois de onze meses.

O estrago das escolhas de Dilma foi grande. Conforme me disse, em junho do ano passado, um economista do Ministério da Fazenda que viveu a situação de perto, Guido Mantega e Arno Augustin (Secretário do Tesouro Nacional) destruíram a lógica de sustentabilidade fiscal que havia norteado as decisões econômicas de 1994 até o fim do mandato de Lula. “Eles centralizavam as decisões fiscais e Arno realizava movimentos lentos, nada bruscos, para que a imprensa não percebesse. Ia desconstruindo a capacidade da equipe técnica”, contou o economista. “Arno sempre acreditou que o debate sobre equilíbrio fiscal, superávit, tamanho da dívida pública e percepção dos investidores era uma construção de um conjunto de atores internos e externos com o objetivo de não deixar que o programa político que ganhou as eleições faça distribuição de renda. Ele associava isso a uma lógica de luta de classes.”

Michel Temer apressou-se em estancar essa sangria. Nomeou Henrique Meirelles (PSD) para o Ministério da Fazenda e o senador Romero Jucá (PMDB) para o Ministério do Planejamento, bem como Maria Silvia Bastos Marques para o BNDES e o incontestável Pedro Parente para a presidência da Petrobras. Jucá durou poucos dias no cargo, pois foi flagrado combinando com Sérgio Machado (ex-presidente da Transpetro) um modo de brecar a Operação Lava Jato. Em seu lugar entrou o interino Dyogo Oliveira, um servidor de carreira, não filiado a partido político, efetivado há poucas semanas. A nomeação de Jucá não significaria partidarização do comando econômico. As medidas implementadas em seu pouco tempo no cargo tratavam da gestão de recursos humanos e cargos de confiança. Meirelles desde sempre teve o comando da economia. Outra evidência disso está na possibilidade de realocar a Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento para o Ministério da Fazenda – pedido de Meirelles ainda não concretizado. Caso ocorra, Meirelles terá mais poder do que Pedro Malan teve nos governos de Fernando Henrique Cardoso.

Meirelles não age como membro do PSD no Ministério da Fazenda. Concentra-se em resolver os graves problemas econômicos pelos quais o país passa. Temer não interfere na nomeação nem na atuação dos economistas da equipe do ministro. Mansueto Almeida, Marcos Mendes e João Manuel Pinho de Mello – para citar apenas três exemplos – têm cargos altos e são reconhecidíssimos, respectivamente, nas áreas de política fiscal, orçamento público e reformas microeconômicas. As tarefas são mais do que espinhosas. Novas leis trabalhistas e a Reforma da Previdência são desafios enfrentados por todos os presidentes desde 1994 (à exceção de Dilma, que varreu tudo para debaixo do tapete). Até agora, a equipe tem tido êxito ao convencer ao menos parte dos parlamentares sobre a necessidade dessas mudanças legislativas. Mas são impopulares. Daí a importância do segundo acerto de Temer: a habilidade no gerenciamento da coalizão.

Cientistas políticos brasileiros começaram a se preocupar com coalizões quando Sérgio Abranches publicou, em 1988, seu artigo clássico inaugurando o termo “presidencialismo de coalizão”. Sete anos depois, Argelina Figueiredo e Fernando Limongi analisaram, pela primeira vez, como presidentes conseguiam (ou não) convencer os parlamentares a votarem a favor de suas propostas legislativas. Descobriram, para a surpresa de todos os brasilianistas, que o Congresso brasileiro agia de modo disciplinado, com altíssimas taxas de fidelidade dos deputados aos líderes partidários. Em outras palavras, os parlamentares brasileiros não agiam cada um por si. Seu comportamento seria previsível. Isto porque, nas palavras deles, “o presidente domina o processo legislativo porque tem poder de agenda (ou seja, poder para definir o que vai ser votado, tanto informalmente quanto formalmente via medidas provisórias e iniciativa exclusiva de legislação em certas áreas). Esta agenda é processada e votada por um Legislativo organizado de forma altamente centralizada em torno de regras que distribuem direitos parlamentares de acordo com os princípios partidários”. Além disso, os parlamentares teriam incentivos para cooperar com o presidente nas votações que lhe interessam. A organização legislativa, por ser centralizada nos líderes partidários, não permite que cada deputado busque atender sua base eleitoral a partir de seu trabalho autônomo em comissões parlamentares. Ao contrário: o deputado depende do acesso que seu líder tem à burocracia (nomeada e controlada pelo presidente) para ter mais chances de se reeleger no mercado eleitoral extremamente competitivo que temos no Brasil. (Os artigos de Figueiredo e Limongi sobre este assunto foram reunidos no livro “Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional”, editado pela FGV em 1999.)

Desde então, muita tinta foi gasta analisando os determinantes do sucesso legislativo de diferentes presidentes. Afinal, se levarmos a análise de Figueiredo e Limongi às últimas consequências, presidentes deveriam ter mais ou menos o mesmo sucesso na aprovação de suas propostas, pois as regras legislativas estimulam parlamentares a apoiá-los. A flagrante diferença entre o trabalho de Dilma Rousseff e Michel Temer para compor suas bases parlamentares mostra a importância de análises que adicionam outras variáveis. Os cientistas políticos Carlos Pereira e Frederico Bertholini pensam em termos de “custos de governo”. Afirmam que coalizões grandes, ideologicamente heterogêneas e desproporcionais tendem a ser mais caras ao longo do tempo. Uma coalizão é desproporcional quando a distribuição de ministérios tem pouca correspondência com o tamanho da bancada partidária na Câmara dos Deputados. Ou seja, quando partidos muito pequenos conseguem controlar ministérios. Segundo os autores, a fragmentação partidária e popularidade presidencial não explicam o apoio dos deputados às propostas do presidente. Decisões individuais do comandante do Executivo são importantes. (O texto de Bertholini e Pereira é “Pagando o preço de governar: custos de gerencia de coalizão no presidencialismo brasileiro”, a ser publicado este ano pela Revista de Administração Pública.) Essa análise mostra que Lula estava certo ao dizer, em seu depoimento ao juiz Sérgio Moro, que Dilma Rousseff errou ao dar pouca atenção pessoal aos parlamentares.

Michel Temer é bom não só nessa arte dos bastidores, mas também na navegação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o que facilita a escolha de um tipo de projeto ou outro para avançar sua agenda política.

Pena que as investigações da Operação Lava Jato revelem outro tipo de acerto do nosso atual presidente.

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É fácil criticar o governo de Michel Temer (PMDB). Ao aniversariar hoje, lembramos a impopularidade do presidente, reprovado por 73% dos cidadãos e aprovado por 11%. É melhor do que Dilma Rousseff (PT), mas aquém dos 30% considerado o patamar mínimo para um governo sobreviver e aprovar legislação. É fácil lembrar também de seu comportamento machista. Inicialmente, nenhuma mulher integrou seu ministério. Hoje há duas, uma responsável pela Advocacia-Geral da União e outra responsável pela política de Direitos Humanos. Além disso, reduziu mulheres a informantes sobre inflação, pois são elas que frequentam supermercados. Não é comportamento presidencial digno no século XXI. No entanto, justiça seja feita: o novo presidente resolveu dois grandes problemas: a qualidade da equipe econômica e o relacionamento com o Congresso Nacional.

A ex-presidente inegavelmente priorizava lealdade em vez de competência ao escolher os membros de sua equipe econômica. Guido Mantega e Arno Augustin comandavam o Ministério da Fazenda, Luciano Coutinho presidia o BNDES, Nelson Barbosa era ministro do Planejamento e Graça Foster comandava a Petrobras (não propriamente um órgão econômico, mas sem dúvida uma estatal cujo gerenciamento tem enormes consequências para a economia). Todos eles tinham em comum a incompetência e a lealdade à presidente. No início de seu segundo mandato, em 2015, Dilma substituiu Mantega por Joaquim Levy, economista que pertenceu à primeira equipe econômica de Lula e foi chancelado pelo Bradesco para o cargo. Levy teve seu trabalho dificultado pela própria presidente e seus asseclas. Saiu depois de onze meses.

O estrago das escolhas de Dilma foi grande. Conforme me disse, em junho do ano passado, um economista do Ministério da Fazenda que viveu a situação de perto, Guido Mantega e Arno Augustin (Secretário do Tesouro Nacional) destruíram a lógica de sustentabilidade fiscal que havia norteado as decisões econômicas de 1994 até o fim do mandato de Lula. “Eles centralizavam as decisões fiscais e Arno realizava movimentos lentos, nada bruscos, para que a imprensa não percebesse. Ia desconstruindo a capacidade da equipe técnica”, contou o economista. “Arno sempre acreditou que o debate sobre equilíbrio fiscal, superávit, tamanho da dívida pública e percepção dos investidores era uma construção de um conjunto de atores internos e externos com o objetivo de não deixar que o programa político que ganhou as eleições faça distribuição de renda. Ele associava isso a uma lógica de luta de classes.”

Michel Temer apressou-se em estancar essa sangria. Nomeou Henrique Meirelles (PSD) para o Ministério da Fazenda e o senador Romero Jucá (PMDB) para o Ministério do Planejamento, bem como Maria Silvia Bastos Marques para o BNDES e o incontestável Pedro Parente para a presidência da Petrobras. Jucá durou poucos dias no cargo, pois foi flagrado combinando com Sérgio Machado (ex-presidente da Transpetro) um modo de brecar a Operação Lava Jato. Em seu lugar entrou o interino Dyogo Oliveira, um servidor de carreira, não filiado a partido político, efetivado há poucas semanas. A nomeação de Jucá não significaria partidarização do comando econômico. As medidas implementadas em seu pouco tempo no cargo tratavam da gestão de recursos humanos e cargos de confiança. Meirelles desde sempre teve o comando da economia. Outra evidência disso está na possibilidade de realocar a Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento para o Ministério da Fazenda – pedido de Meirelles ainda não concretizado. Caso ocorra, Meirelles terá mais poder do que Pedro Malan teve nos governos de Fernando Henrique Cardoso.

Meirelles não age como membro do PSD no Ministério da Fazenda. Concentra-se em resolver os graves problemas econômicos pelos quais o país passa. Temer não interfere na nomeação nem na atuação dos economistas da equipe do ministro. Mansueto Almeida, Marcos Mendes e João Manuel Pinho de Mello – para citar apenas três exemplos – têm cargos altos e são reconhecidíssimos, respectivamente, nas áreas de política fiscal, orçamento público e reformas microeconômicas. As tarefas são mais do que espinhosas. Novas leis trabalhistas e a Reforma da Previdência são desafios enfrentados por todos os presidentes desde 1994 (à exceção de Dilma, que varreu tudo para debaixo do tapete). Até agora, a equipe tem tido êxito ao convencer ao menos parte dos parlamentares sobre a necessidade dessas mudanças legislativas. Mas são impopulares. Daí a importância do segundo acerto de Temer: a habilidade no gerenciamento da coalizão.

Cientistas políticos brasileiros começaram a se preocupar com coalizões quando Sérgio Abranches publicou, em 1988, seu artigo clássico inaugurando o termo “presidencialismo de coalizão”. Sete anos depois, Argelina Figueiredo e Fernando Limongi analisaram, pela primeira vez, como presidentes conseguiam (ou não) convencer os parlamentares a votarem a favor de suas propostas legislativas. Descobriram, para a surpresa de todos os brasilianistas, que o Congresso brasileiro agia de modo disciplinado, com altíssimas taxas de fidelidade dos deputados aos líderes partidários. Em outras palavras, os parlamentares brasileiros não agiam cada um por si. Seu comportamento seria previsível. Isto porque, nas palavras deles, “o presidente domina o processo legislativo porque tem poder de agenda (ou seja, poder para definir o que vai ser votado, tanto informalmente quanto formalmente via medidas provisórias e iniciativa exclusiva de legislação em certas áreas). Esta agenda é processada e votada por um Legislativo organizado de forma altamente centralizada em torno de regras que distribuem direitos parlamentares de acordo com os princípios partidários”. Além disso, os parlamentares teriam incentivos para cooperar com o presidente nas votações que lhe interessam. A organização legislativa, por ser centralizada nos líderes partidários, não permite que cada deputado busque atender sua base eleitoral a partir de seu trabalho autônomo em comissões parlamentares. Ao contrário: o deputado depende do acesso que seu líder tem à burocracia (nomeada e controlada pelo presidente) para ter mais chances de se reeleger no mercado eleitoral extremamente competitivo que temos no Brasil. (Os artigos de Figueiredo e Limongi sobre este assunto foram reunidos no livro “Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional”, editado pela FGV em 1999.)

Desde então, muita tinta foi gasta analisando os determinantes do sucesso legislativo de diferentes presidentes. Afinal, se levarmos a análise de Figueiredo e Limongi às últimas consequências, presidentes deveriam ter mais ou menos o mesmo sucesso na aprovação de suas propostas, pois as regras legislativas estimulam parlamentares a apoiá-los. A flagrante diferença entre o trabalho de Dilma Rousseff e Michel Temer para compor suas bases parlamentares mostra a importância de análises que adicionam outras variáveis. Os cientistas políticos Carlos Pereira e Frederico Bertholini pensam em termos de “custos de governo”. Afirmam que coalizões grandes, ideologicamente heterogêneas e desproporcionais tendem a ser mais caras ao longo do tempo. Uma coalizão é desproporcional quando a distribuição de ministérios tem pouca correspondência com o tamanho da bancada partidária na Câmara dos Deputados. Ou seja, quando partidos muito pequenos conseguem controlar ministérios. Segundo os autores, a fragmentação partidária e popularidade presidencial não explicam o apoio dos deputados às propostas do presidente. Decisões individuais do comandante do Executivo são importantes. (O texto de Bertholini e Pereira é “Pagando o preço de governar: custos de gerencia de coalizão no presidencialismo brasileiro”, a ser publicado este ano pela Revista de Administração Pública.) Essa análise mostra que Lula estava certo ao dizer, em seu depoimento ao juiz Sérgio Moro, que Dilma Rousseff errou ao dar pouca atenção pessoal aos parlamentares.

Michel Temer é bom não só nessa arte dos bastidores, mas também na navegação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o que facilita a escolha de um tipo de projeto ou outro para avançar sua agenda política.

Pena que as investigações da Operação Lava Jato revelem outro tipo de acerto do nosso atual presidente.

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