Funcionários públicos ruins deveriam ser demitidos?
Sim, sem dúvida – o problema é que nossa avaliação sobre serviços estatais é irracional
Da Redação
Publicado em 20 de dezembro de 2019 às 17h13.
O ministro Paulo Guedes teve um ano cheio de propostas. Várias delas foram bem-sucedidas, como a reforma da previdência, apesar de forte oposição. Outras, pelo menos por enquanto, ficaram pelo caminho, como um novo imposto sobre transações financeiras. A negociação direta de Guedes e sua equipe com Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara dos Deputados, mostrou-se crucial para o destino das propostas. Mas outras ideias de Guedes não sobrevieram à primeira leva de críticas. Entre elas, uma das mais interessantes e justas – ao menos à primeira vista. Tratar-se-ia de condicionar a permanência do servidor público em seu emprego à satisfação do cidadão com o serviço que o funcionário do governo presta.
Servidores mal avaliados correriam risco de demissão e os bem avaliados poderiam ser promovidos. É assim no setor privado, não? Já dei aulas – antes da UFABC e FGV – em uma faculdade que levava em conta, quase exclusivamente, a avaliação dos alunos sobre os professores para decidir quem continuaria trabalhando no semestre seguinte. Aplicando o mesmo método ao governo, seria razoável acreditar que os piores profissionais seriam exonerados e, assim, o serviço estatal melhoraria.
Pois não é simples assim. Se as avaliações das pessoas fossem racionais, seguiriam o que cientistas chamam de Modelo de Expectativa-Desconfirmação. Quando avalio um serviço público, considero que minhas expectativas (baixas/altas) podem ter sido confirmadas (ou não) ao experienciá-lo. Posso começar um curso em uma universidade federal e me surpreender com a boa qualidade dos professores, pois eu partia de uma concepção negativa sobe qualquer tipo de serviço público. Assim darei uma avaliação positiva sobre os professores. Certo?
Nem tanto. Depende de minha susceptibilidade a fatores externos, que nada têm a ver com a qualidade do serviço oferecido, ao responder o questionário de avaliação. Pesquisadores dinamarqueses mostram que quando os cidadãos recebem informações sobre o orçamento futuro de um programa público, mudam a avaliação do serviço que já tiveram. Ou seja: uma informação sobre algo que ainda não aconteceu (um corte no orçamento de universidades públicas, por exemplo) pode mudar minha avaliação sobre as aulas que já assisti. (Escrito por Simon Calmar Andersen e Morten Hjortskov, o artigo “Cognitive biases in performance evaluations” foi publicado no Journal of Public Administration Research and Theory em 2015.)
Faz sentido? Nenhum. Mas somos humanos. Tornamos ideias razoáveis, que poderiam mesmo melhorar a qualidade do serviço estatal, em algo inexequível na prática.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)
O ministro Paulo Guedes teve um ano cheio de propostas. Várias delas foram bem-sucedidas, como a reforma da previdência, apesar de forte oposição. Outras, pelo menos por enquanto, ficaram pelo caminho, como um novo imposto sobre transações financeiras. A negociação direta de Guedes e sua equipe com Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara dos Deputados, mostrou-se crucial para o destino das propostas. Mas outras ideias de Guedes não sobrevieram à primeira leva de críticas. Entre elas, uma das mais interessantes e justas – ao menos à primeira vista. Tratar-se-ia de condicionar a permanência do servidor público em seu emprego à satisfação do cidadão com o serviço que o funcionário do governo presta.
Servidores mal avaliados correriam risco de demissão e os bem avaliados poderiam ser promovidos. É assim no setor privado, não? Já dei aulas – antes da UFABC e FGV – em uma faculdade que levava em conta, quase exclusivamente, a avaliação dos alunos sobre os professores para decidir quem continuaria trabalhando no semestre seguinte. Aplicando o mesmo método ao governo, seria razoável acreditar que os piores profissionais seriam exonerados e, assim, o serviço estatal melhoraria.
Pois não é simples assim. Se as avaliações das pessoas fossem racionais, seguiriam o que cientistas chamam de Modelo de Expectativa-Desconfirmação. Quando avalio um serviço público, considero que minhas expectativas (baixas/altas) podem ter sido confirmadas (ou não) ao experienciá-lo. Posso começar um curso em uma universidade federal e me surpreender com a boa qualidade dos professores, pois eu partia de uma concepção negativa sobe qualquer tipo de serviço público. Assim darei uma avaliação positiva sobre os professores. Certo?
Nem tanto. Depende de minha susceptibilidade a fatores externos, que nada têm a ver com a qualidade do serviço oferecido, ao responder o questionário de avaliação. Pesquisadores dinamarqueses mostram que quando os cidadãos recebem informações sobre o orçamento futuro de um programa público, mudam a avaliação do serviço que já tiveram. Ou seja: uma informação sobre algo que ainda não aconteceu (um corte no orçamento de universidades públicas, por exemplo) pode mudar minha avaliação sobre as aulas que já assisti. (Escrito por Simon Calmar Andersen e Morten Hjortskov, o artigo “Cognitive biases in performance evaluations” foi publicado no Journal of Public Administration Research and Theory em 2015.)
Faz sentido? Nenhum. Mas somos humanos. Tornamos ideias razoáveis, que poderiam mesmo melhorar a qualidade do serviço estatal, em algo inexequível na prática.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)