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Em defesa do voto secreto

É louvável que os cidadãos saibam as posições individuais de seus representantes, mas há consequências negativas do voto aberto

CÂMARA DOS DEPUTADOS: a ONG Transparência Internacional publicou defesa apaixonada do voto aberto para as eleições da Mesa Diretora da Casa, mas esse tipo de votação pode ajudar corruptos poderosos / Pedro Ladeira/Folhapress
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Da Redação

Publicado em 31 de janeiro de 2019 às 19h28.

Em sua página no Facebook, a ONG Transparência Internacional publicou uma defesa apaixonada do voto aberto, nominal, para as eleições da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e Senado Federal. Os candidatos à presidência dessas casas legislativas, segundo a ONG, devem fazer conhecer suas propostas e “os parlamentares eleitos [devem prestar] contas de suas escolhas junto a seus eleitores para recuperarmos a confiança na classe política”.

As frases mostram dois raciocínios ingênuos. O primeiro é que haveria uma espécie de “programa de governo” dos candidatos à presidência da Câmara e Senado. A ONG ignora que os ocupantes desses cargos devem, negociar e reagir às escolhas e decisões de outros agentes políticos. Presidentes de casas legislativas raramente são – nem é razoável que sejam – “pró-ativos”. São, na melhor das hipóteses, hábeis negociadores da pauta legislativa desejada pelo presidente da República e acolhida pelos líderes partidários e seus comandados. Não há motivo para Rodrigo Maia (DEM) e Renan Calheiros (MDB) listarem propostas substantivas. Isso só atrapalharia as futuras negociações que poderão mediar caso se elejam. Quem faz esse tipo de coisa é o deputado federal Fábio Ramalho (MDB), um sub-Eduardo Cunha que defende interesses corporativistas dos parlamentares.

A defesa incondicional do voto aberto para eleger a Mesa Diretora também tem complicações. Por um lado, é louvável que os cidadãos saibam as posições individuais de seus representantes. Mas há consequências negativas, conforme argumenta o artigo “Sunshine or Shield? Secret Voting Procedures and Legislative Accountability”, de Michele Buttò, Carlos Pereira (FGV EBAPE) e Matthew Taylor (American University), publicado em 2014 no Journal of Artificial Societies and Social Simulation.

A principal delas é que um político poderoso derrotado em uma eleição desse tipo – por exemplo, Renan Calheiros (MDB) na segunda-feira que vem, caso perca – tem meios para retaliar os colegas que lhe impuseram o revés. Não é exagero imaginar que Calheiros continua influenciando algumas áreas do Executivo federal, bem como seu próprio partido. O senador emedebista que não gosta de Calheiros pode se convencer apoiá-lo caso seu voto em plenário seja conhecido por todos. E isto, é claro, aumentaria as chances de políticos poderosos, mas com muitos inimigos, ocuparem cargos relevantes.

Pois é: raciocínios bem-intencionados, como este da Transparência Internacional, podem ajudar corruptos poderosos.

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Em sua página no Facebook, a ONG Transparência Internacional publicou uma defesa apaixonada do voto aberto, nominal, para as eleições da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e Senado Federal. Os candidatos à presidência dessas casas legislativas, segundo a ONG, devem fazer conhecer suas propostas e “os parlamentares eleitos [devem prestar] contas de suas escolhas junto a seus eleitores para recuperarmos a confiança na classe política”.

As frases mostram dois raciocínios ingênuos. O primeiro é que haveria uma espécie de “programa de governo” dos candidatos à presidência da Câmara e Senado. A ONG ignora que os ocupantes desses cargos devem, negociar e reagir às escolhas e decisões de outros agentes políticos. Presidentes de casas legislativas raramente são – nem é razoável que sejam – “pró-ativos”. São, na melhor das hipóteses, hábeis negociadores da pauta legislativa desejada pelo presidente da República e acolhida pelos líderes partidários e seus comandados. Não há motivo para Rodrigo Maia (DEM) e Renan Calheiros (MDB) listarem propostas substantivas. Isso só atrapalharia as futuras negociações que poderão mediar caso se elejam. Quem faz esse tipo de coisa é o deputado federal Fábio Ramalho (MDB), um sub-Eduardo Cunha que defende interesses corporativistas dos parlamentares.

A defesa incondicional do voto aberto para eleger a Mesa Diretora também tem complicações. Por um lado, é louvável que os cidadãos saibam as posições individuais de seus representantes. Mas há consequências negativas, conforme argumenta o artigo “Sunshine or Shield? Secret Voting Procedures and Legislative Accountability”, de Michele Buttò, Carlos Pereira (FGV EBAPE) e Matthew Taylor (American University), publicado em 2014 no Journal of Artificial Societies and Social Simulation.

A principal delas é que um político poderoso derrotado em uma eleição desse tipo – por exemplo, Renan Calheiros (MDB) na segunda-feira que vem, caso perca – tem meios para retaliar os colegas que lhe impuseram o revés. Não é exagero imaginar que Calheiros continua influenciando algumas áreas do Executivo federal, bem como seu próprio partido. O senador emedebista que não gosta de Calheiros pode se convencer apoiá-lo caso seu voto em plenário seja conhecido por todos. E isto, é claro, aumentaria as chances de políticos poderosos, mas com muitos inimigos, ocuparem cargos relevantes.

Pois é: raciocínios bem-intencionados, como este da Transparência Internacional, podem ajudar corruptos poderosos.

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