Al Franken e a renúncia como estratégia partidária
Partidos políticos brasileiros nunca tiveram boa imagem. Mas as fortes raízes sociais dos partidos norte-americanos tornam diferente o cálculo da renúncia
Da Redação
Publicado em 11 de dezembro de 2017 às 08h38.
Em setembro de 1995, o senador republicano Bob Packwood anunciou sua renúncia. Após três anos de investigação, a Comissão de Ética do Senado apresentou um relatório de dez volumes e 10.145 páginas sobre o comportamento do senador. (O relatório sobre os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 tem 585 páginas.) Em seu diário, citado na investigação, Packwood revelou ter tido relações sexuais com 22 assessoras e relações “passionais” com outras 75. Era considerado um republicano progressista, defensor público da igualdade de condições para mulheres e de bandeiras como o direito ao aborto. À época, Mitch McConell, senador republicano que comandava a Comissão de Ética, trucidou o comportamento de Packwood. McConell é da ala mais conservadora do partido.
O que mais chama a atenção no caso de Packwood é o fato de a investigação ter durado três anos. O político mais recentemente implicado em denúncias de abuso sexual é o senador democrata Al Franken. Ex-comediante do célebre programa “Saturday Night Live”, as primeiras informações contra o senador surgiram em 16 de novembro, quando a radialista Leeann Tweeden acusou Franken de abuso durante uma viagem para um evento de comédia em 2006. Apenas três semanas depois, mais sete mulheres vieram à tona. Pressionado por seu partido, Franken anunciou anteontem a renúncia ao cargo.
Além da celeridade no processo, não baseado em investigação formal do Senado norte-americano, o cidadão brasileiro pode estranhar outra coisa: por que nenhum dos nossos parlamentares renunciaria caso houvesse denúncias semelhantes? Mais ainda: com tantos deputados e senadores corruptos, por que não há renúncia em massa? A resposta é simples: porque renúncias, nos Estados Unidos, fazem parte de uma estratégia partidária bastante racional. Não são apenas resultado da pressão por conta de um escândalo específico. Para se efetivar, a renúncia tem que servir ao partido.
Para ilustrar este argumento, vejamos o caso oposto: escândalos de corrupção parlamentar no Brasil. Todo deputado federal implicado em corrupção sabe que pode se livrar da cadeia através do foro privilegiado e da punição eleitoral se gastar dinheiro suficiente na campanha, como mostra o artigo “The political cost of corruption: scandals, campaign finance, and reelection in the Brazilian Chamber of Deputies”, publicado no Journal of Politics in Latin America no ano passado. Por que renunciar? Por vergonha?! Difícil.
Mas, até pouco tempo atrás, a renúncia ao cargo servia a um fim estratégico: a possibilidade de disputar a reeleição. Explico melhor. Em 1994, logo após a CPI do Orçamento, quatro anões (Genebaldo Correia, Cid Carvalho, Manoel Moreira e Joao Alves – todos do PMDB, exceto o último, do PPR) renunciaram ao mandato para evitarem a cassação em plenário. Caso fossem cassados, perderiam o direito de se candidatar por duas eleições federais. Como naquela época o Judiciário era muito mais lento do que hoje, o corrupto sem mandato não era julgado por um Bretas ou Moro.
Nota-se que, neste caso tupiniquim, os partidos dos deputados sujos não estavam preocupados com suas reputações. Partidos políticos brasileiros nunca tiveram boa imagem. Mas as fortes raízes sociais dos partidos norte-americanos tornam diferente o cálculo da renúncia. Al Franken teria bons argumentos a fazer: não assediou ninguém durante o mandato parlamentar e não é acusado de estupro. Denúncias bem mais graves são feitas, para ficar em apenas um exemplo, contra o republicano Roy Moore, candidato ao Senado por Alabama. Tem boas chances de vencer. O Partido Republicano apoia sua candidatura sem enrubescer. Seria temerário substitui-lo aos 45 do segundo tempo.
Franken não tem a mesma sorte. É o melhor exemplo recente do argumento feito pelos cientistas políticos Thomas Brunell e William Koetzle em um artigo na revista Party Politics. (O texto, publicado em 1999, é “A divided-government-based explanation for the decline in resignations from the U.S. Senate, 1834-1996”.) Segundo eles, renúncias de parlamentares envolvidos em escândalos – sejam sexuais ou de corrupção – tendem a acontecer quando o partido do implicado o pressiona. E os partidos só fazem isso quando têm razoável certeza de que terão sucesso nas eleições que serão convocadas para preencher a vaga de alguém como Franken. Substituirão um democrata “sujo” por um(a) democrata ficha limpa. É o melhor dos mundos para o partido: ganha reputação como zeloso por bons costumes e não perde o assento parlamentar. Pena que os mesmos incentivos institucionais não estão presentes por aqui.
Em setembro de 1995, o senador republicano Bob Packwood anunciou sua renúncia. Após três anos de investigação, a Comissão de Ética do Senado apresentou um relatório de dez volumes e 10.145 páginas sobre o comportamento do senador. (O relatório sobre os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 tem 585 páginas.) Em seu diário, citado na investigação, Packwood revelou ter tido relações sexuais com 22 assessoras e relações “passionais” com outras 75. Era considerado um republicano progressista, defensor público da igualdade de condições para mulheres e de bandeiras como o direito ao aborto. À época, Mitch McConell, senador republicano que comandava a Comissão de Ética, trucidou o comportamento de Packwood. McConell é da ala mais conservadora do partido.
O que mais chama a atenção no caso de Packwood é o fato de a investigação ter durado três anos. O político mais recentemente implicado em denúncias de abuso sexual é o senador democrata Al Franken. Ex-comediante do célebre programa “Saturday Night Live”, as primeiras informações contra o senador surgiram em 16 de novembro, quando a radialista Leeann Tweeden acusou Franken de abuso durante uma viagem para um evento de comédia em 2006. Apenas três semanas depois, mais sete mulheres vieram à tona. Pressionado por seu partido, Franken anunciou anteontem a renúncia ao cargo.
Além da celeridade no processo, não baseado em investigação formal do Senado norte-americano, o cidadão brasileiro pode estranhar outra coisa: por que nenhum dos nossos parlamentares renunciaria caso houvesse denúncias semelhantes? Mais ainda: com tantos deputados e senadores corruptos, por que não há renúncia em massa? A resposta é simples: porque renúncias, nos Estados Unidos, fazem parte de uma estratégia partidária bastante racional. Não são apenas resultado da pressão por conta de um escândalo específico. Para se efetivar, a renúncia tem que servir ao partido.
Para ilustrar este argumento, vejamos o caso oposto: escândalos de corrupção parlamentar no Brasil. Todo deputado federal implicado em corrupção sabe que pode se livrar da cadeia através do foro privilegiado e da punição eleitoral se gastar dinheiro suficiente na campanha, como mostra o artigo “The political cost of corruption: scandals, campaign finance, and reelection in the Brazilian Chamber of Deputies”, publicado no Journal of Politics in Latin America no ano passado. Por que renunciar? Por vergonha?! Difícil.
Mas, até pouco tempo atrás, a renúncia ao cargo servia a um fim estratégico: a possibilidade de disputar a reeleição. Explico melhor. Em 1994, logo após a CPI do Orçamento, quatro anões (Genebaldo Correia, Cid Carvalho, Manoel Moreira e Joao Alves – todos do PMDB, exceto o último, do PPR) renunciaram ao mandato para evitarem a cassação em plenário. Caso fossem cassados, perderiam o direito de se candidatar por duas eleições federais. Como naquela época o Judiciário era muito mais lento do que hoje, o corrupto sem mandato não era julgado por um Bretas ou Moro.
Nota-se que, neste caso tupiniquim, os partidos dos deputados sujos não estavam preocupados com suas reputações. Partidos políticos brasileiros nunca tiveram boa imagem. Mas as fortes raízes sociais dos partidos norte-americanos tornam diferente o cálculo da renúncia. Al Franken teria bons argumentos a fazer: não assediou ninguém durante o mandato parlamentar e não é acusado de estupro. Denúncias bem mais graves são feitas, para ficar em apenas um exemplo, contra o republicano Roy Moore, candidato ao Senado por Alabama. Tem boas chances de vencer. O Partido Republicano apoia sua candidatura sem enrubescer. Seria temerário substitui-lo aos 45 do segundo tempo.
Franken não tem a mesma sorte. É o melhor exemplo recente do argumento feito pelos cientistas políticos Thomas Brunell e William Koetzle em um artigo na revista Party Politics. (O texto, publicado em 1999, é “A divided-government-based explanation for the decline in resignations from the U.S. Senate, 1834-1996”.) Segundo eles, renúncias de parlamentares envolvidos em escândalos – sejam sexuais ou de corrupção – tendem a acontecer quando o partido do implicado o pressiona. E os partidos só fazem isso quando têm razoável certeza de que terão sucesso nas eleições que serão convocadas para preencher a vaga de alguém como Franken. Substituirão um democrata “sujo” por um(a) democrata ficha limpa. É o melhor dos mundos para o partido: ganha reputação como zeloso por bons costumes e não perde o assento parlamentar. Pena que os mesmos incentivos institucionais não estão presentes por aqui.