Vícios no debate de políticas industriais
Ouvindo uma discussão entre brasileiros sobre política econômica e política industrial, um amigo inglês – de formação clássica liberal – perguntou ao grupo, de forma singela, onde entravam os interesses difusos dos consumidores e contribuintes. Chamou sua atenção que no Brasil o impacto sobre os que pagam a conta é apenas marginalmente considerado. Em geral, […]
Da Redação
Publicado em 25 de novembro de 2016 às 18h36.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h16.
Ouvindo uma discussão entre brasileiros sobre política econômica e política industrial, um amigo inglês – de formação clássica liberal – perguntou ao grupo, de forma singela, onde entravam os interesses difusos dos consumidores e contribuintes. Chamou sua atenção que no Brasil o impacto sobre os que pagam a conta é apenas marginalmente considerado. Em geral, o foco do debate são os beneficiários diretos, como empresários e trabalhadores do setor em questão, não os penalizados indiretos.
Segundo ele, no Reino Unido há uma inversão de foco. O primeiro argumento de qualquer discussão se refere ao efeito sistêmico da medida, seja sobre o consumidor, sobre os contribuintes ou sobre a competitividade da economia. Só quando os efeitos são positivos que passa a ser aceitável discutir uma medida com impacto setorial.
A observação é bastante pertinente para quem acompanha o debate sobre política econômica e industrial nas últimas décadas. Estamos acostumados a anúncios de programas, por exemplo, de fomento de inovação que ressaltam a alocação de recursos pelo governo; em geral, cifras na casa dos bilhões de reais. E logo se seguem os aplausos. Mais importante, seria informar o que se espera da medida do ponto de vista de metas, como isso impactaria o ganho sistêmico de competitividade da economia, além do custo benefício do esforço fiscal envolvido. Afinal, em qualquer programa de fomento a geração de benefícios para o grupo selecionado é evidente.
Muito mais difícil é justificá-lo como uma política pública de ganho coletivo ou como o programa mais vantajoso dentre opções similares, mas com outro setor alvo.
Trago duas hipóteses para esse vício no debate público: a predominação, ainda, de uma lógica corporativista no Brasil e a falta de parâmetros para avaliar algumas decisões, em particular seu custo de oportunidade.
No caso do corporativismo – arraigado tanto na esquerda como na direita – a visão predominante é de que a sociedade é formada pela soma de suas partes (setor industrial, agrícola, os trabalhadores dos serviços, etc). Adota-se muito pouco a ideia do coletivo, da dinâmica sistêmica ou mesmo categorias como consumidores, contribuintes e cidadãos. O país seria, portanto, a somatória das lógicas entre os sindicatos patronais de um setor e seus respectivos sindicatos de trabalhadores.
Vargas foi o campeão em fomentar essa lógica: o que fosse bom para determinado setor seria bom para o país. O chamado sistema “S” é o ápice dessa sua criação e parece se encaixar como uma luva na cabeça dos brasileiros.
Nada mais falseado e perigoso do que substituir uma visão sistêmica pela soma de visões setoriais. Se por um lado a proteção exagerada pode ser interessante para os empresários e trabalhadores – afinal preserva a lucratividade e o emprego nas empresas que não precisam competir com opções importadas –, por outro penaliza quem não participou do acordo setorial. Tanto o consumidor final como os demais setores precisam arcar com os custos da acomodação desse arranjo. Olhando para o benefício da corporação, obviamente a medida faz sentido, porém, do ponto de vista sistêmico, trata-se de uma enorme distorção.
A segunda hipótese, de avaliação do custo de oportunidade, é complementar a do corporativismo. Ou seja, dado que todo recurso é, por definição, escasso, faz-se necessário uma análise constante de outras formas possíveis de alocação de recursos. A ideia aqui não é apenas avaliar se a política em si é ou não bem-sucedida, mas se existe uma alternativa cujo resultados seriam mais benéficos para a sociedade como conjunto. Mais do que eficaz, ela precisa ser a alocação mais eficiente de recursos públicos.
Nesse campo os exemplos são inúmeros. Para ser bem provocativo, podemos pegar os exemplos da educação superior pública e gratuita e do investimento público em estatais. Em relação ao primeiro, mesmo com relativo sucesso em termos de alunos graduados nas escolas públicas e da capacitação acadêmica de várias universidades, seria este o melhor uso dos recursos públicos em um país tão desigual no campo social e educacional? A eficiência sistêmica do uso desses recursos massificando o ensino básico de qualidade não seria muito maior? O mesmo vale para os investimentos bilionários na exploração do pré-sal. Os efeitos têm sido positivos, mas imagine o retorno social desses 400 bilhões de reais em educação, mobilidade urbana ou saúde.
Os vícios dos debates sobre políticas econômicas, industriais e mesmo sociais no país têm gerado uma série de equívocos. Ao lado de várias decisões políticas corretas e bem mensuradas, convivemos com um mar de políticas corporativas capturadas por grupos de interesse específicos sem um retorno social compensatório. Checar o impacto de políticas sobre o aumento do bem-estar dos cidadãos ou sobre o ganho de produtividade da economia como um todo é essencial. Anterior ao questionamento sobre a interferência do estado na economia ou mesmo sobre o seu tamanho temos, portanto, um longo debate pela frente sobre justiça social e eficiência em alocação de recursos.
Ouvindo uma discussão entre brasileiros sobre política econômica e política industrial, um amigo inglês – de formação clássica liberal – perguntou ao grupo, de forma singela, onde entravam os interesses difusos dos consumidores e contribuintes. Chamou sua atenção que no Brasil o impacto sobre os que pagam a conta é apenas marginalmente considerado. Em geral, o foco do debate são os beneficiários diretos, como empresários e trabalhadores do setor em questão, não os penalizados indiretos.
Segundo ele, no Reino Unido há uma inversão de foco. O primeiro argumento de qualquer discussão se refere ao efeito sistêmico da medida, seja sobre o consumidor, sobre os contribuintes ou sobre a competitividade da economia. Só quando os efeitos são positivos que passa a ser aceitável discutir uma medida com impacto setorial.
A observação é bastante pertinente para quem acompanha o debate sobre política econômica e industrial nas últimas décadas. Estamos acostumados a anúncios de programas, por exemplo, de fomento de inovação que ressaltam a alocação de recursos pelo governo; em geral, cifras na casa dos bilhões de reais. E logo se seguem os aplausos. Mais importante, seria informar o que se espera da medida do ponto de vista de metas, como isso impactaria o ganho sistêmico de competitividade da economia, além do custo benefício do esforço fiscal envolvido. Afinal, em qualquer programa de fomento a geração de benefícios para o grupo selecionado é evidente.
Muito mais difícil é justificá-lo como uma política pública de ganho coletivo ou como o programa mais vantajoso dentre opções similares, mas com outro setor alvo.
Trago duas hipóteses para esse vício no debate público: a predominação, ainda, de uma lógica corporativista no Brasil e a falta de parâmetros para avaliar algumas decisões, em particular seu custo de oportunidade.
No caso do corporativismo – arraigado tanto na esquerda como na direita – a visão predominante é de que a sociedade é formada pela soma de suas partes (setor industrial, agrícola, os trabalhadores dos serviços, etc). Adota-se muito pouco a ideia do coletivo, da dinâmica sistêmica ou mesmo categorias como consumidores, contribuintes e cidadãos. O país seria, portanto, a somatória das lógicas entre os sindicatos patronais de um setor e seus respectivos sindicatos de trabalhadores.
Vargas foi o campeão em fomentar essa lógica: o que fosse bom para determinado setor seria bom para o país. O chamado sistema “S” é o ápice dessa sua criação e parece se encaixar como uma luva na cabeça dos brasileiros.
Nada mais falseado e perigoso do que substituir uma visão sistêmica pela soma de visões setoriais. Se por um lado a proteção exagerada pode ser interessante para os empresários e trabalhadores – afinal preserva a lucratividade e o emprego nas empresas que não precisam competir com opções importadas –, por outro penaliza quem não participou do acordo setorial. Tanto o consumidor final como os demais setores precisam arcar com os custos da acomodação desse arranjo. Olhando para o benefício da corporação, obviamente a medida faz sentido, porém, do ponto de vista sistêmico, trata-se de uma enorme distorção.
A segunda hipótese, de avaliação do custo de oportunidade, é complementar a do corporativismo. Ou seja, dado que todo recurso é, por definição, escasso, faz-se necessário uma análise constante de outras formas possíveis de alocação de recursos. A ideia aqui não é apenas avaliar se a política em si é ou não bem-sucedida, mas se existe uma alternativa cujo resultados seriam mais benéficos para a sociedade como conjunto. Mais do que eficaz, ela precisa ser a alocação mais eficiente de recursos públicos.
Nesse campo os exemplos são inúmeros. Para ser bem provocativo, podemos pegar os exemplos da educação superior pública e gratuita e do investimento público em estatais. Em relação ao primeiro, mesmo com relativo sucesso em termos de alunos graduados nas escolas públicas e da capacitação acadêmica de várias universidades, seria este o melhor uso dos recursos públicos em um país tão desigual no campo social e educacional? A eficiência sistêmica do uso desses recursos massificando o ensino básico de qualidade não seria muito maior? O mesmo vale para os investimentos bilionários na exploração do pré-sal. Os efeitos têm sido positivos, mas imagine o retorno social desses 400 bilhões de reais em educação, mobilidade urbana ou saúde.
Os vícios dos debates sobre políticas econômicas, industriais e mesmo sociais no país têm gerado uma série de equívocos. Ao lado de várias decisões políticas corretas e bem mensuradas, convivemos com um mar de políticas corporativas capturadas por grupos de interesse específicos sem um retorno social compensatório. Checar o impacto de políticas sobre o aumento do bem-estar dos cidadãos ou sobre o ganho de produtividade da economia como um todo é essencial. Anterior ao questionamento sobre a interferência do estado na economia ou mesmo sobre o seu tamanho temos, portanto, um longo debate pela frente sobre justiça social e eficiência em alocação de recursos.