O que realmente está por trás do Brexit
Longe de ser conclusiva, a votação sobre a saída do Reino Unido da União Europeia é um emblemático exemplo dos dilemas que países maduros estão enfrentando. Não existe opção fácil para o desenvolvimento, para a democracia, nem para uma sociedade aberta e tolerante. O esforço é ainda mais complexo se um país deseja agregar outros […]
Da Redação
Publicado em 30 de junho de 2016 às 12h27.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h14.
Longe de ser conclusiva, a votação sobre a saída do Reino Unido da União Europeia é um emblemático exemplo dos dilemas que países maduros estão enfrentando. Não existe opção fácil para o desenvolvimento, para a democracia, nem para uma sociedade aberta e tolerante. O esforço é ainda mais complexo se um país deseja agregar outros valores, como o respeito à diversidade.
Nos últimos anos, debates sobre os impactos dos atuais modelos políticos e econômicos, da gestão de políticas públicas e da tecnologia para garantir o desenvolvimento foram bastante evidentes tanto no Reino Unido, como em outros países. Embora os tópicos estejam obviamente relacionados, eles podem ser analisados de forma separada em benefício da clareza.
A construção da União Europeia foi, em grande medida, uma construção de partidos de centro e centro-esquerda. Partidos de centro-direita também participaram, oscilando entre apoiar e frear o avanço do processo de integração. Ficaram de fora desse projeto partidos mais à direita ou à esquerda do espectro político.
Por essa razão, o modelo socioeconômico predominante na Europa hoje é o chamado estado de bem-estar social, no qual os Estados-membros têm uma razoável participação na economia. O avanço do processo de integração, entretanto, retirou dos países parte de sua capacidade de alterá-lo, já que as principais decisões passaram a ser responsabilidade de Bruxelas. Ao contrabalancear aspectos positivos e negativos, alguns grupos sociais passaram a questionar esse modelo. Não há dúvida que se reduziu a margem de autonomia dos países para definir seus próprios rumos, ainda que em nome de objetivos maiores.
O Reino Unido que, diga-se de passagem, não é um dos países fundadores da UE, integrou-se ao bloco apenas em 1971 e mantém uma postura crítica em diversas questões. Em política comercial, se posiciona mais a favor do livre mercado que os demais membros. Em política externa e de defesa, por sua vez, tende a se aliar de forma quase automática aos EUA, enquanto outros membros tendem a posturas mais questionadoras. Também em temas domésticos, como por exemplo em políticas industriais e de fomento, o Reino Unido está mais próximo ao ideário liberal do que seus parceiros franceses, alemães, italianos, belgas. Ou seja, não são de hoje as diferenças de visão de mundo e de modelo socioeconômico entre Reino Unido e demais europeus, e elas certamente pesaram na decisão do plebiscito.
Um segundo aspecto em jogo foi a referida distância entre os eleitores ingleses nos seus distritos e as decisões nas inúmeras comissões e agências europeias. Um dos termos usados em uma reportagem da BBC foi “opacidade política”. Isso certamente não é percebido apenas no Reino Unido, pois aparece em pesquisas de opinião em vários outros países.
A enorme acomodação política que vem sendo costurada nos últimos 50 anos na Europa é de uma complexidade que continuará desafiando os céticos. Após séculos de guerras que se superavam em violência, os europeus passaram a negociar cada aspecto de suas vidas em mesas com representantes de 28 países de diferentes tamanhos, níveis de desenvolvimento, perfis culturais, etc. A integração só tem sido possível por conta de um sem número de comitês, agências, fóruns, conselhos, entre outras instâncias. Entender como cada um deles funciona, como decide, quem representa, com que recurso opera já não é fácil para iniciados no tema, quanto mais para cidadãos comuns.
Essa certa corrosão da transparência e da proximidade entre representantes e representados não tem tido respostas suficientemente convincentes e tem atraído muitas críticas por parte da esquerda e da direita. No Reino Unido, esse argumento está no centro da agenda de Boris Johnson, a vedete do movimento Brexit.
Engrossando o caldo das críticas estão as mudanças sofridas no modo de vida inglês nos últimos anos, principalmente aquelas relacionadas à penetração de novas tecnologias que deslocam trabalhadores e negócios tradicionais, ao desemprego, e aos custos derivados da crise de 2008, além de questões imigratórias. Um mal-estar vem se acumulando em várias partes da Europa, principalmente nas periferias das grandes cidades e no interior dos países.
Com o modo de vida tradicional inglês ameaçado de forma difusa, buscam-se responsáveis pelas mudanças. No caso do Reino Unido, o candidato mais tradicional tem sido o “peso da União Europeia” e, mais recentemente, o “peso da imigração”. Em um país tradicionalmente dividido em relação ao modelo econômico do bloco e com críticas sobre o déficit democrático, os eventos recentes desequilibraram a delicada balança de opiniões.
Interessante notar como os pontos levantados são percebidos no mapa das votações. As grandes cidades votaram – com poucas exceções – contra o Brexit. As regiões rurais foram amplamente favoráveis à saída do bloco. Escócia quase integralmente – tanto grandes cidades como as do interior – votou contrária à saída. Já a votação da população acima de 60 anos tendeu a ser favorável à saída, enquanto a dos jovens, contrário a ela.
O que ocorreu no Reino Unido é um sintoma do que está acontecendo também em outros países. Não se trata apenas de uma onda conservadora ou xenófoba contra os árabes, mas sim de uma busca por resposta a questões amplas, complexas e, por vezes, difusas.
Longe de ser conclusiva, a votação sobre a saída do Reino Unido da União Europeia é um emblemático exemplo dos dilemas que países maduros estão enfrentando. Não existe opção fácil para o desenvolvimento, para a democracia, nem para uma sociedade aberta e tolerante. O esforço é ainda mais complexo se um país deseja agregar outros valores, como o respeito à diversidade.
Nos últimos anos, debates sobre os impactos dos atuais modelos políticos e econômicos, da gestão de políticas públicas e da tecnologia para garantir o desenvolvimento foram bastante evidentes tanto no Reino Unido, como em outros países. Embora os tópicos estejam obviamente relacionados, eles podem ser analisados de forma separada em benefício da clareza.
A construção da União Europeia foi, em grande medida, uma construção de partidos de centro e centro-esquerda. Partidos de centro-direita também participaram, oscilando entre apoiar e frear o avanço do processo de integração. Ficaram de fora desse projeto partidos mais à direita ou à esquerda do espectro político.
Por essa razão, o modelo socioeconômico predominante na Europa hoje é o chamado estado de bem-estar social, no qual os Estados-membros têm uma razoável participação na economia. O avanço do processo de integração, entretanto, retirou dos países parte de sua capacidade de alterá-lo, já que as principais decisões passaram a ser responsabilidade de Bruxelas. Ao contrabalancear aspectos positivos e negativos, alguns grupos sociais passaram a questionar esse modelo. Não há dúvida que se reduziu a margem de autonomia dos países para definir seus próprios rumos, ainda que em nome de objetivos maiores.
O Reino Unido que, diga-se de passagem, não é um dos países fundadores da UE, integrou-se ao bloco apenas em 1971 e mantém uma postura crítica em diversas questões. Em política comercial, se posiciona mais a favor do livre mercado que os demais membros. Em política externa e de defesa, por sua vez, tende a se aliar de forma quase automática aos EUA, enquanto outros membros tendem a posturas mais questionadoras. Também em temas domésticos, como por exemplo em políticas industriais e de fomento, o Reino Unido está mais próximo ao ideário liberal do que seus parceiros franceses, alemães, italianos, belgas. Ou seja, não são de hoje as diferenças de visão de mundo e de modelo socioeconômico entre Reino Unido e demais europeus, e elas certamente pesaram na decisão do plebiscito.
Um segundo aspecto em jogo foi a referida distância entre os eleitores ingleses nos seus distritos e as decisões nas inúmeras comissões e agências europeias. Um dos termos usados em uma reportagem da BBC foi “opacidade política”. Isso certamente não é percebido apenas no Reino Unido, pois aparece em pesquisas de opinião em vários outros países.
A enorme acomodação política que vem sendo costurada nos últimos 50 anos na Europa é de uma complexidade que continuará desafiando os céticos. Após séculos de guerras que se superavam em violência, os europeus passaram a negociar cada aspecto de suas vidas em mesas com representantes de 28 países de diferentes tamanhos, níveis de desenvolvimento, perfis culturais, etc. A integração só tem sido possível por conta de um sem número de comitês, agências, fóruns, conselhos, entre outras instâncias. Entender como cada um deles funciona, como decide, quem representa, com que recurso opera já não é fácil para iniciados no tema, quanto mais para cidadãos comuns.
Essa certa corrosão da transparência e da proximidade entre representantes e representados não tem tido respostas suficientemente convincentes e tem atraído muitas críticas por parte da esquerda e da direita. No Reino Unido, esse argumento está no centro da agenda de Boris Johnson, a vedete do movimento Brexit.
Engrossando o caldo das críticas estão as mudanças sofridas no modo de vida inglês nos últimos anos, principalmente aquelas relacionadas à penetração de novas tecnologias que deslocam trabalhadores e negócios tradicionais, ao desemprego, e aos custos derivados da crise de 2008, além de questões imigratórias. Um mal-estar vem se acumulando em várias partes da Europa, principalmente nas periferias das grandes cidades e no interior dos países.
Com o modo de vida tradicional inglês ameaçado de forma difusa, buscam-se responsáveis pelas mudanças. No caso do Reino Unido, o candidato mais tradicional tem sido o “peso da União Europeia” e, mais recentemente, o “peso da imigração”. Em um país tradicionalmente dividido em relação ao modelo econômico do bloco e com críticas sobre o déficit democrático, os eventos recentes desequilibraram a delicada balança de opiniões.
Interessante notar como os pontos levantados são percebidos no mapa das votações. As grandes cidades votaram – com poucas exceções – contra o Brexit. As regiões rurais foram amplamente favoráveis à saída do bloco. Escócia quase integralmente – tanto grandes cidades como as do interior – votou contrária à saída. Já a votação da população acima de 60 anos tendeu a ser favorável à saída, enquanto a dos jovens, contrário a ela.
O que ocorreu no Reino Unido é um sintoma do que está acontecendo também em outros países. Não se trata apenas de uma onda conservadora ou xenófoba contra os árabes, mas sim de uma busca por resposta a questões amplas, complexas e, por vezes, difusas.