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Sinergias sustentáveis: as múltiplas faces da conservação ambiental no Brasil

Em meio à vastidão de desafios, não são raros os exemplos de colaboração público-privada para a proteção dos recursos naturais deste país

Pantanal: colaboração entre proprietários de terras, ONGs e o governo tem como meta estabelecer corredores ecológicos, um esforço coletivo que já preservou 430 mil hectares e angariou R$ 110 milhões para a compra de terras (Jami Tarris/Getty Images)
Pantanal: colaboração entre proprietários de terras, ONGs e o governo tem como meta estabelecer corredores ecológicos, um esforço coletivo que já preservou 430 mil hectares e angariou R$ 110 milhões para a compra de terras (Jami Tarris/Getty Images)

Por Regina Esteves, diretora-presidente da Comunitas

Em meio à vastidão de desafios que se impõem ao Brasil, não são raros os relatos que desviam o foco das adversidades para iluminar iniciativas promissoras na esfera da conservação ambiental.

Essas iniciativas, frutos da colaboração sinérgica entre o setor público, a iniciativa privada e a sociedade civil, desenham um panorama repleto de esperança e viabilidade para a proteção dos recursos naturais deste país, de biodiversidade ímpar.

É nesse contexto que chamam a atenção diversas modalidades de cooperação, cada uma com sua singularidade, mas todas convergindo para um objetivo comum: a sustentabilidade ambiental.

A primeira dessas modalidades destaca-se pela concessão de espaços públicos ao setor privado, uma estratégia que une a eficiência operacional e a capacidade de investimento privados na gestão de áreas naturais e urbanas.

Esse método é ilustrado pela recente concessão do Parque Ibirapuera, em São Paulo, e pela gestão do Parque Nacional do Iguaçu, uma das primeiras unidades de conservação no Brasil a adotar concessões para serviços turísticos, já no final dos anos noventa. Tal modelo não só melhora a qualidade dos serviços aos visitantes, mas também garante a conservação desses espaços, sob uma gestão inovadora e sustentável.

Por outro lado, a gestão de terras públicas por entidades da sociedade civil, como ONGs e fundações, representa uma modalidade distinta, na qual a paixão pela causa ambiental e o conhecimento técnico específico são empregados em favor da conservação.

O Parque Burle Marx, sob a gestão da Fundação Aron Birmann, emerge como um testemunho eloquente da eficácia dessa abordagem, ilustrando como a dedicação e a expertise podem transformar áreas verdes urbanas em exemplos de sustentabilidade.

A expansão das concessões e parcerias na administração de parques urbanos e áreas naturais de conservação tem sido notável no Brasil. Isso se deve ao reconhecimento crescente de como essas colaborações podem simultaneamente promover a conservação ambiental, impulsionar o desenvolvimento econômico, fomentar a geração de empregos, incentivar o turismo responsável e apoiar a educação ambiental.

Essa tendência ascendente reflete o progresso e a consolidação das parcerias público-privadas no país, impulsionadas em grande medida pela dedicação e esforço contínuo de organizações como o Instituto Semeia, que tem desempenhado um papel chave na facilitação dessas iniciativas colaborativas por vários anos.

Outra forma de colaboração que tem se evidenciado na promoção da conservação ambiental é a aquisição de terras por indivíduos, empresas ou entidades não governamentais com o propósito explícito de proteger o meio ambiente. 

Um exemplo emblemático dessa abordagem é a Reserva Ecológica de Guapiaçu (Regua), situada no Rio de Janeiro. Abrangendo uma ampla área da Mata Atlântica, a Regua, uma entidade sem fins lucrativos, não apenas salvaguarda a biodiversidade mas também se dedica a iniciativas de reflorestamento e educação ambiental, tornando-se um paradigma de conservação.

Em Cachoeiras de Macacu, a Regua administra um total de 14.435 hectares, com 6.785 hectares de propriedade própria e 7.650 hectares geridos em colaboração. Suas ações ambientais englobam a gestão da caça, fomento à pesquisa, reintrodução de espécies, e o incentivo ao ecoturismo.

Além disso, seus esforços de restauração são notáveis, com o plantio de mais de 500.000 árvores de 160 espécies, revitalizando áreas essenciais para a conectividade e diversidade ecológica da região.

Outro caso notável, surgido após os incêndios de 2020, é a Aliança 5P no Pantanal. Esta colaboração entre proprietários de terras, ONGs e o governo tem como meta estabelecer corredores ecológicos, um esforço coletivo que já preservou 430 mil hectares e angariou R$ 110 milhões para a compra de terras.

Sob a liderança de personalidades como Teresa Bracher e André Esteves, a aliança sobressai pela criação de um dos maiores corredores de vida selvagem privados, fomentando a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável por meio da pecuária ecológica e do ecoturismo. 

Estas iniciativas ilustram a eficácia da cooperação e do investimento privado na preservação ambiental, servindo como exemplos cruciais de como esforços individuais e coletivos podem gerar benefícios significativos ao meio ambiente.

Representam a relevância e o potencial da conservação privada, ressaltando a importância de políticas que promovam a criação e expansão de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) e outras formas de conservação autônoma.

O desafio reside em formular incentivos atraentes, tais como mecanismos de compensação e políticas de retribuição por serviços ecológicos, para estimular a replicação dessas ações por todo o Brasil.

Mecanismos financeiros sofisticados

A inovação na colaboração entre os setores público e privado se destaca também pela criação de mecanismos financeiros sofisticados, como a gestão privada de fundos para compensação ambiental.

Um exemplo notável é o Mecanismo para a Conservação da Biodiversidade do Estado do Rio de Janeiro (Fundo da Mata Atlântica – FMA/RJ), desenvolvido pelo Funbio em 2009, sob a égide do Governo do Estado do Rio de Janeiro e gerido pela Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS), inspirando-se no sucesso do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), criado em 2003 pelo Ministério do Meio Ambiente e que se tornou exemplo para iniciativas semelhantes na Colômbia e no Peru. 

Este mecanismo apresenta um modelo singular no país, habilitando a alocação eficiente de recursos de compensação ambiental em unidades de conservação (UCs) com alto nível de transparência e governança.

Os fundos do FMA/RJ originam-se do pagamento por compensações de atividades de significativo impacto ambiental, além de outras fontes como Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), projetos de restauração florestal e contribuições voluntárias. Enquanto a SEAS estabelece as diretrizes, a gestão financeira é realizada de forma transparente por entidades da sociedade civil.

Entre 2010 e 2016, sob a administração do Funbio, o FMA apoiou 99 projetos, totalizando aproximadamente R$ 295 milhões em investimentos. A partir de 2017, a gestão do fundo passou para o IDG, que já destinou mais de R$ 106 milhões para iniciativas ambientais.

Estes projetos variam desde a contratação de agentes ambientais até a recuperação de reservatórios e aquisição de equipamentos e veículos para unidades de conservação, incluindo o estímulo a novas RPPNs e a aquisição de veículos para as Unidades de Polícia Ambiental (Upam). Conforme estimado pelo IDG, a gestão privada desses recursos proporcionou uma redução de custos de até 13%.

As modalidades de colaboração entre os setores público e privado têm um papel fundamental na conservação ambiental no Brasil, criando um conjunto diversificado de estratégias para o fortalecimento e expansão da proteção ambiental.

Essas parcerias, fruto da união de diferentes segmentos da sociedade, formam um mosaico de esforços que, em conjunto, reforçam a proteção da biodiversidade brasileira.

É essencial reconhecer, valorizar e promover essas colaborações, não apenas por representarem o compromisso do Brasil com a sustentabilidade, mas também por servirem de modelo para práticas de conservação em todo o mundo. A criação de mercados que remuneram iniciativas de conservação ambiental é vista como uma estratégia promissora para impulsionar ainda mais essas colaborações.

Essa sinergia não só amplifica os esforços de conservação, mas também promove a coexistência harmoniosa entre o desenvolvimento humano e o meio ambiente, vislumbrando um futuro em que o equilíbrio ecológico e o bem-estar social avancem juntos.