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Inteligência artificial para governos: benefícios e desafios, por Regina Esteves e Gustavo Maia

Exemplos no Brasil e no mundo demonstram o potencial da IA no setor público e como ferramenta pode melhorar os serviços oferecidos

Escola pública em São Paulo: Secretaria da Educação do Estado está testando uma ferramenta para os estudantes aprimorarem a escrita (Patricia Monteiro/Bloomberg/Getty Images)
Escola pública em São Paulo: Secretaria da Educação do Estado está testando uma ferramenta para os estudantes aprimorarem a escrita (Patricia Monteiro/Bloomberg/Getty Images)

Regina Esteves e Gustavo Maia*

A inteligência artificial surgiu na década de 1950 e já faz parte da nossa vida cotidiana em muitos aspectos: assistentes de voz, reconhecimento facial, algoritmos das redes sociais. Mas no ano passado, com o lançamento do ChatGPT, sua popularidade cresceu em escala global, confirmando uma revolução em curso não apenas na comunicação, mas nos governos.

Sim, a IA é capaz de torná-los mais eficientes, transparentes e responsivos. Seus benefícios vão do aumento da produtividade até a melhoria da tomada de decisões e dos serviços públicos.

Citamos a seguir alguns exemplos de uso do ChatGPT no poder público. No Brasil, um deputado de Santa Catarina utilizou a ferramenta para redigir um Projeto de Lei, que foi revisado por advogados e apresentado à Assembleia Legislativa.

Quem são as referências internacionais no tema

Ainda na América Latina, juízes colombianos têm consultado a ferramenta para embasar suas decisões ou buscar informações sobre novas tecnologias, como o Metaverso.

O governo japonês também expressou o desejo de utilizar a ferramenta para simplificar e adaptar a linguagem e estrutura de documentos e formulários estatais, tornando-os mais acessíveis à população. Nos EUA, legisladores e congressistas utilizaram a ferramenta para criar normas e resoluções de regulamentação da inteligência artificial.

Exemplos no Brasil e no mundo do uso da IA na administração pública dão uma mostra do seu potencial. A Austrália utiliza reconhecimento de imagem por IA para monitorar áreas de preservação ambiental e identificar ocupações humanas indevidas em tempo real.

Em Singapura, está em andamento um projeto piloto que usa IA para antecipar acidentes de ônibus, analisando o perfil dos motoristas envolvidos em episódios prévios, para identificar fatores comuns.

Em Portugal, chatbots e assistentes virtuais alimentados por IA são usados para fornecer respostas rápidas e precisas aos cidadãos, agilizando o atendimento e o processamento de reclamações. Isso resulta em maior satisfação do usuário e redução da carga de trabalho dos funcionários públicos.

Por aqui, o Centro de Inteligência Artificial da USP (C4AI), criado há três anos, desenvolve estudos e pesquisas em IA em temas de impacto social e econômico. É um celeiro de soluções para problemas complexos e urgentes no Brasil, como o combate à fome.

Os pesquisadores estão desenvolvendo um software com base na análise de centenas de bancos de dados para mapear as regiões de uma determinada cidade que necessitam de infraestrutura para o fornecimento de alimentos. Assim, o poder público pode oferecer soluções mais precisas para enfrentar a insegurança alimentar nos locais identificados.

Onde estão os bons exemplos no Brasil

No C4AI há também projetos de IA para preservar as línguas indígenas do Brasil e monitorar a Amazônia Azul (o território marítimo brasileiro).

Na área de educação, o uso da IA também é promissor. A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo está testando uma ferramenta para os estudantes aprimorarem a escrita.

Entre as funcionalidades, assistente de correção, apresentação dos erros gramaticais para o aluno e suporte a múltiplos gêneros textuais com a possibilidade de definir diferentes critérios de avaliação para cada um deles. Mais de 20 mil redações de 91 escolas do estado já foram corrigidas com a ferramenta.

O estudo Artificial intelligence and its use in the public sector, publicado em 2019 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apresenta exemplos e direcionamentos sobre como o uso da IA pode beneficiar o setor público. Detecção e prevenção de fraudes é um deles.

Ao identificar padrões suspeitos e comportamentos fraudulentos, a IA auxilia as agências governamentais a tomar medidas preventivas e combater fraudes em setores como previdência social e arrecadação de impostos.

Segundo o documento, algoritmos também podem analisar grandes quantidades de dados socioeconômicos e demográficos, fornecendo informações valiosas para o planejamento urbano, formulação de políticas de habitação e desenvolvimento econômico.

Na prevenção e gerenciamento de riscos, a IA identifica padrões a partir de dados históricos e ajuda a prever eventos adversos em áreas como segurança pública, desastres naturais e saúde. Isso permite uma resposta mais eficiente e o desenvolvimento de estratégias de mitigação de riscos.

São inúmeras oportunidades, mas a implementação ainda é um desafio para o setor público. Questões éticas, como a privacidade de dados e o viés algorítmico, precisam ser cuidadosamente abordadas. Aqui, vale menção à tese de doutorado de Rodrigo Brandão, pesquisador do Centro de Inteligência Artificial da USP, sobre os riscos de discriminação algorítmica.

Onde estão os desafios

Seu estudo sobre como municípios brasileiros usam reconhecimento facial para impedir fraudes em gratuidades explica que o erro começa nos bancos de dados, desbalanceados no quesito diversidade.

A IA reconhece homens brancos e não reconhece mulheres negras, que acabam passando por constrangimento e têm seu direito negado por causa da ferramenta. É um tema que tem despertado debates e inspirado críticas incisivas dos movimentos negros e antirracistas.

A falta de regulamentação e governança adequadas dificulta a adoção segura e ética da IA. No Brasil, o Projeto de Lei 21/2020 foi proposto para criar um marco legal para o desenvolvimento e uso da IA visando regulamentar sua aplicação e garantir a adequação aos princípios éticos e de direitos fundamentais.

Capacitar funcionários públicos também é fundamental para garantir o bom uso da ferramenta. É necessário investir em treinamento e desenvolvimento de habilidades para que eles possam compreender, implementar e gerenciar adequadamente as soluções.

A colaboração e a cooperação entre diferentes partes interessadas, como governos, academia, setor privado e sociedade civil, também são essenciais para enfrentar os desafios comuns e maximizar os benefícios da IA para toda a sociedade.

Regina Esteves é diretora-presidente da Comunitas e Gustavo Maia é Gustavo Maia é fundador e diretor-executivo do Colab