Análise: Haddad arrisca capital político ao confrontar agenda do Congresso
Depois de embate na articulação do Planalto com Lira, ministro da Fazenda sobe tom com Pacheco e obriga Lula a agir para negociar trégua
Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos
Publicado em 3 de maio de 2024 às 11h06.
Pressionado por uma série de iniciativas em discussão no Congresso Nacional com impacto nas contas públicas, o ministro Fernando Haddad ( Fazenda) abandonou o tom cordato que vinha adotando até agora com os parlamentares para cobrar “responsabilidade fiscal” do Senado e da Câmara.
A declaração, dada alguns dias depois de Lula exortar o chefe da equipe econômica a gastar mais tempo trabalhando pelo diálogo com deputados e senadores, demonstra o esgotamento dos instrumentos do Executivo para construção de uma agenda de convergência com as duas Casas Legislativas.
Dado o estresse na relação, fica cada vez mais comum ouvir dos integrantes do time da Fazenda a expressão “pauta-bomba” a qualquer movimento de dirigentes do centrão que não tenha guarida na cartilha arrecadatória advogada pelo Planalto.
É sabido que Haddad, talvez o único ministro com peso político hoje interessado em cumprir minimamente as regras de equilíbrio fiscal, apostou todas as suas fichas num ambicioso programa de aumento de arrecadação e combate a subsídios setoriais de eficiência duvidosa.
Ocorre que, em ano eleitoral e com a sucessão de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco dominando a pauta dos congressistas, o ministro se viu premido a buscar receitas extras nos dois plenários sem a menor indicação de solidez da base de sustentação ao governo.
Soma-se a esse quadro o fato de os articuladores naturais do Planalto estarem publicamente desautorizados pelos dois presidentes das Casas.
Alegando entraves inegociáveis, Haddad optou pelo caminho do embate. Fez a leitura política que poderia contestar impunemente decisões recentes e amplamente majoritárias do Legislativo, como a desoneração da folha de 17 setores e a extensão do programa que estimula o setor de eventos, muito caro aos redutos eleitorais dos parlamentares. Na iminência de derrotas, apelou ao Judiciário.
Para a classe política, foi dado o recado: todo revés no plenário que tiver efeito negativo sobre o Tesouro será judicializado. Em outras palavras, o governo, sem apoio legislativo, tentará ganhar no “tapetão”, aguardando respaldo dos aliados no Supremo Tribunal Federal.
O percurso da judicialização faz sentido se levarmos em conta que o time composto por Haddad para a Fazenda tem origem predominantemente nas carreiras do direito e repete aos quatro cantos de Brasília que nutre o objetivo de realizar um histórico ajuste de “compliance” nas contas federais.
A estratégia, contudo, esbarra nos protocolos da capital federal. Quem morde nos bastidores e assopra em público tende a perder credibilidade nos corredores do Congresso. E é esse esmorecimento de confiança que a equipe econômic a, bem avaliada por parlamentares pelo trabalho executado em 2023, está colhendo agora.
Pior: a inabilidade na articulação do governo pode unir, no contra-ataque, Lira e Pacheco, que estão em rota de colisão há algum tempo na disputa pela paternidade e dominância na tramitação de projetos e MPs.
Os dois reagiram às cobranças de Haddad e o retorno ao trabalho do Congresso após a semana de feriado prolongado trará à tona a dimensão do estrago. Tanto Lira como Pacheco estão fortemente sugestionados por seus pares a demonstrarem independência em relação ao Executivo, que experimenta perda de popularidade em todas as regiões do país.
O momento é de reafirmação da autonomia orçamentária conquistada pelo Legislativo após o advento das emendas impositivas e preparação do ambiente para a troca de comando nas mesas diretoras, prevista para o início de 2025.
Responsabilizar os parlamentares pelo descumprimento das metas fiscais e, indiretamente, cobrar do STF que o ônus seja compartilhado com o Congresso poderia ser um movimento bem-sucedido num contexto de governo com base estruturada e bem aprovado pelo eleitorado.
Como esse cenário está longe de ser realidade, o tiro de Haddad pode sair pela culatra. Nas palavras de dirigentes partidários consultados pela coluna, a equipe econômica, que vinha se apresentando como “ponte” para a governabilidade, agora prefere implodi-la para evitar desgastes com o gabinete presidencial e com os avalistas do mercado financeiro.
O desgaste de Lula
Novamente, os atritos do governo com os caciques do Congresso obrigaram Lula a entrar em campo, o que é sempre muito oneroso, especialmente para quem ainda nem chegou à metade do mandato.
A exemplo do que fez com Lira, com quem teve que negociar trégua após desentendimento com Alexandre Padilha, o presidente foi impelido a acertar pessoalmente os ponteiros com Pacheco.
A diferença é que o Senado até aqui vem sendo bastante aderente à pauta governista e o Planalto sabe que não pode desequilibrar a balança em favor da Câmara, com maioria oposicionista. Não obstante, Lula não tem margem segura para colocar seu cacife à mesa frequentemente, sem intermediários e com menor poder de fogo (leia-se orçamento) para negociar.
O chefe do Executivo não esperava ter de agir com Pacheco, visto como aliado e potencial nome da coalizão governista para a eleição para governador em Minas Gerais em 2026.
Com isso, quem sai perdendo é a equipe econômica, que vinha se diferenciando do núcleo político do governo exatamente pela fluidez com que transitava na pauta legislativa. A partir de agora, mesmo que exista um acordo de paz, a desconfiança será mútua.
Pressionado por uma série de iniciativas em discussão no Congresso Nacional com impacto nas contas públicas, o ministro Fernando Haddad ( Fazenda) abandonou o tom cordato que vinha adotando até agora com os parlamentares para cobrar “responsabilidade fiscal” do Senado e da Câmara.
A declaração, dada alguns dias depois de Lula exortar o chefe da equipe econômica a gastar mais tempo trabalhando pelo diálogo com deputados e senadores, demonstra o esgotamento dos instrumentos do Executivo para construção de uma agenda de convergência com as duas Casas Legislativas.
Dado o estresse na relação, fica cada vez mais comum ouvir dos integrantes do time da Fazenda a expressão “pauta-bomba” a qualquer movimento de dirigentes do centrão que não tenha guarida na cartilha arrecadatória advogada pelo Planalto.
É sabido que Haddad, talvez o único ministro com peso político hoje interessado em cumprir minimamente as regras de equilíbrio fiscal, apostou todas as suas fichas num ambicioso programa de aumento de arrecadação e combate a subsídios setoriais de eficiência duvidosa.
Ocorre que, em ano eleitoral e com a sucessão de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco dominando a pauta dos congressistas, o ministro se viu premido a buscar receitas extras nos dois plenários sem a menor indicação de solidez da base de sustentação ao governo.
Soma-se a esse quadro o fato de os articuladores naturais do Planalto estarem publicamente desautorizados pelos dois presidentes das Casas.
Alegando entraves inegociáveis, Haddad optou pelo caminho do embate. Fez a leitura política que poderia contestar impunemente decisões recentes e amplamente majoritárias do Legislativo, como a desoneração da folha de 17 setores e a extensão do programa que estimula o setor de eventos, muito caro aos redutos eleitorais dos parlamentares. Na iminência de derrotas, apelou ao Judiciário.
Para a classe política, foi dado o recado: todo revés no plenário que tiver efeito negativo sobre o Tesouro será judicializado. Em outras palavras, o governo, sem apoio legislativo, tentará ganhar no “tapetão”, aguardando respaldo dos aliados no Supremo Tribunal Federal.
O percurso da judicialização faz sentido se levarmos em conta que o time composto por Haddad para a Fazenda tem origem predominantemente nas carreiras do direito e repete aos quatro cantos de Brasília que nutre o objetivo de realizar um histórico ajuste de “compliance” nas contas federais.
A estratégia, contudo, esbarra nos protocolos da capital federal. Quem morde nos bastidores e assopra em público tende a perder credibilidade nos corredores do Congresso. E é esse esmorecimento de confiança que a equipe econômic a, bem avaliada por parlamentares pelo trabalho executado em 2023, está colhendo agora.
Pior: a inabilidade na articulação do governo pode unir, no contra-ataque, Lira e Pacheco, que estão em rota de colisão há algum tempo na disputa pela paternidade e dominância na tramitação de projetos e MPs.
Os dois reagiram às cobranças de Haddad e o retorno ao trabalho do Congresso após a semana de feriado prolongado trará à tona a dimensão do estrago. Tanto Lira como Pacheco estão fortemente sugestionados por seus pares a demonstrarem independência em relação ao Executivo, que experimenta perda de popularidade em todas as regiões do país.
O momento é de reafirmação da autonomia orçamentária conquistada pelo Legislativo após o advento das emendas impositivas e preparação do ambiente para a troca de comando nas mesas diretoras, prevista para o início de 2025.
Responsabilizar os parlamentares pelo descumprimento das metas fiscais e, indiretamente, cobrar do STF que o ônus seja compartilhado com o Congresso poderia ser um movimento bem-sucedido num contexto de governo com base estruturada e bem aprovado pelo eleitorado.
Como esse cenário está longe de ser realidade, o tiro de Haddad pode sair pela culatra. Nas palavras de dirigentes partidários consultados pela coluna, a equipe econômica, que vinha se apresentando como “ponte” para a governabilidade, agora prefere implodi-la para evitar desgastes com o gabinete presidencial e com os avalistas do mercado financeiro.
O desgaste de Lula
Novamente, os atritos do governo com os caciques do Congresso obrigaram Lula a entrar em campo, o que é sempre muito oneroso, especialmente para quem ainda nem chegou à metade do mandato.
A exemplo do que fez com Lira, com quem teve que negociar trégua após desentendimento com Alexandre Padilha, o presidente foi impelido a acertar pessoalmente os ponteiros com Pacheco.
A diferença é que o Senado até aqui vem sendo bastante aderente à pauta governista e o Planalto sabe que não pode desequilibrar a balança em favor da Câmara, com maioria oposicionista. Não obstante, Lula não tem margem segura para colocar seu cacife à mesa frequentemente, sem intermediários e com menor poder de fogo (leia-se orçamento) para negociar.
O chefe do Executivo não esperava ter de agir com Pacheco, visto como aliado e potencial nome da coalizão governista para a eleição para governador em Minas Gerais em 2026.
Com isso, quem sai perdendo é a equipe econômica, que vinha se diferenciando do núcleo político do governo exatamente pela fluidez com que transitava na pauta legislativa. A partir de agora, mesmo que exista um acordo de paz, a desconfiança será mútua.