Análise: Campos Neto mostra apetite pelo jogo político e deixa Planalto em alerta
Faro político do presidente Lula sempre foi aguçado para identificar potenciais adversários. Campos Neto desponta o novo "malvado favorito"
Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos
Publicado em 4 de agosto de 2023 às 11h45.
Última atualização em 4 de agosto de 2023 às 14h27.
- Manobra do presidente do BC para expor voto decisivo pró-corte maior nos juros eclipsa indicado pelo governo na reunião do Copom;
- Nos bastidores, núcleo-duro de Lula acredita em ambições eleitorais e teme mudança de papéis na agenda econômica a partir de agora;
O faro político do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre foi aguçado quando o assunto é a identificação de detratores e potenciais adversários. Trata-se de um ativo do petista desde os tempos em que emergiu como liderança sindical no bélico ambiente da indústria metalúrgica no ABC paulista.
Os 580 dias de detenção na sede da Polícia Federal de Curitiba, contudo, potencializaram a acurácia do radar lulista para mapear e escolher antagonistas.
Na esteira da derrocada da Operação Lava-Jato, quando Sérgio Moro e Deltan Dallagnol gradativamente deixam de catalisar a energia vingativa do chefe do Executivo, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, desponta o novo "malvado favorito" de Lula.
O executivo, neto do economista mais influente da ditadura militar e apoiador inconteste de Jair Bolsonaro, foi classificado pelo QG do Planalto logo após a posse como inimigo a ser combatido.
Desde meados de janeiro, Lula vem sendo porta-voz de uma guerra travada em público com o dirigente da autoridade monetária, cuja administração tornou-se independente na gestão bolsonarista.
O questionamento à taxa básica de juros, arbitrada pelo BC tendo em vista a política de metas de inflação a que a instituição está submetida, virou um poderoso instrumento de luta política operacionalizado pelo presidente, vencedor da mais equilibrada eleição pós-democratização.
Tão logo Lula se lançou na batalha contra os juros altos, o governo recebia relatórios que indicavam a alta popularidade do discurso presidencial.
Nas palavras de um assessor palaciano, a retórica beligerante de Lula contra Campos Neto se constituiu no primeiro elemento do novo governo capaz de "romper a bolha".
Ou seja, o ataque à Selic de 13,75% colocou o governante do PT, envolto numa grave crise institucional logo na largada da sua terceira gestão, em sintonia com o desejo de uma parcela do eleitorado que ultrapassava as fronteiras da base social que lhe conferiu 51% dos votos nas urnas em 2022.
E mais: o debate público com o BC permitia a Lula a reabertura de canais diretos com setores graúdos do empresariado, formando uma aliança com segmentos econômicos que se distanciaram do petista e atuaram na linha de frente da campanha de seu principal oponente.
A voz da direita liberal
O instinto político de Lula, já naquele prelúdio de batalha, apontava para Campos Neto como um possível rival eleitoral, com o condão sedutor para uma parcela substantiva da direita: o liberalismo econômico como contraposição ao radicalismo ideológico centrado nos valores e costumes.
O que se viu a partir desse diagnóstico foi a mobilização de toda a estrutura governamental, amparada por empresários de grosso calibre, para cobrar uma política monetária menos contracionista, sob o pretexto de que as taxas praticadas no país estariam retraindo a atividade econômica e colaborando para um crescimento anualizado modesto.
No meio do tiroteio do Executivo com o BC estava o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que atuou com esmero para reduzir o risco fiscal, aprovando, com aval do centro político, uma regra para dar previsibilidade às contas públicas em substituição ao Teto de Gastos.
Medindo as palavras críticas a Campos Neto e alimentando a tese de que mantinha uma interlocução construtiva com ele, Haddad percorreu uma via paralela à de Lula.
Indicou seu braço-direito na pasta, Gabriel Galípolo, para a diretoria de Política Monetária do BC, num gesto considerado ousado e intervencionista pelo mercado.
Quando a pressão política subiu à estratosfera e os índices de inflação começaram a ceder crescentemente, coube a Campos Neto uma cartada política que deixou auxiliares de Lula atentos: nesta semana, o presidente do banco deu incomum publicidade ao placar do Copom, colocando em evidência que foi dele o voto de minerva que acabou com o ciclo de alta nos juros e decretou inesperado corte de 0,50% na Selic durante uma das mais tensas reuniões do colegiado desde sua criação.
Com o gesto, Campos Neto evitou que Galípolo, nome mais alinhado a Lula na diretoria e principal novidade na reunião, fosse o protagonista da agenda positiva dos juros mais baixos. O presidente do BC assumiu ainda as rédeas do processo de gradativa e progressiva redução da taxa básica e mandou um recado assertivo ao Planalto sobre o timing da sua leitura do quadro de Brasília no exato momento em que se negocia o embarque definitivo do centrão à base governista.
De vilão a mocinho
No governo, o entendimento foi consensual: o de que a intuição de Lula estava correta. Com Bolsonaro inelegível e governadores de oposição temendo o confronto direto com o presidente em 2026, Campos Neto estaria hoje acenando para o eleitorado de direita e, com o verniz técnico do avô e os louros pela missão de deter o açodamento do desenvolvimentismo petista, credenciando-se como alternativa para a sucessão.
No meio político-partidário, não é segredo que o PP, de Arthur Lira e Ciro Nogueira, acalenta o sonho de filiar o dirigente do BC. Os dois expoentes do centrão têm estreita relação com o executivo.
Mesmo que rejeite abraçar eventual candidatura, ele seria convidado a atuar como guru econômico do virtual nome do bloco político que cobiça o espólio bolsonarista.
Embora Campos Neto negue peremptoriamente qualquer pretensão na vida pública, os próximos meses de mandato à frente da autoridade monetária tendem a ser marcados por uma inversão de papéis: de vilão, o executivo passará à condição de espectador vigilante da laboriosa tarefa governamental de cumprir as premissas do ajuste fiscal e vitaminar a economia nos padrões esperados por Lula.
Leia mais do Pulso Político:
- Avanço da aliança com centrão faz governo resgatar 'luta de classes' mirando 2026
- Dobradinha Lira-Haddad divide oposição e sedimenta governabilidade
*Fábio Zambeli, 50 anos, é jornalista com pós-graduação em comunicação pública. Atualmente é vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos. Especialista em monitoramento de risco institucional, tem 31 anos de experiência em cobertura política em veículos e agências de São Paulo e Brasília. Atuou como repórter, chefe de reportagem, colunista e editor da Folha de S. Paulo, repórter especial e coordenador editorial da Associação Paulista de Jornais. Foi diretor da FSB Comunicação, com especialização em estratégia, análise de conjuntura, gestão de contas públicas e relações governamentais. Liderou, durante as eleições, a equipe de análise da plataforma JOTA, especializada no acompanhamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para C-Level de empresas e executivos do mercado financeiro.
- Manobra do presidente do BC para expor voto decisivo pró-corte maior nos juros eclipsa indicado pelo governo na reunião do Copom;
- Nos bastidores, núcleo-duro de Lula acredita em ambições eleitorais e teme mudança de papéis na agenda econômica a partir de agora;
O faro político do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre foi aguçado quando o assunto é a identificação de detratores e potenciais adversários. Trata-se de um ativo do petista desde os tempos em que emergiu como liderança sindical no bélico ambiente da indústria metalúrgica no ABC paulista.
Os 580 dias de detenção na sede da Polícia Federal de Curitiba, contudo, potencializaram a acurácia do radar lulista para mapear e escolher antagonistas.
Na esteira da derrocada da Operação Lava-Jato, quando Sérgio Moro e Deltan Dallagnol gradativamente deixam de catalisar a energia vingativa do chefe do Executivo, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, desponta o novo "malvado favorito" de Lula.
O executivo, neto do economista mais influente da ditadura militar e apoiador inconteste de Jair Bolsonaro, foi classificado pelo QG do Planalto logo após a posse como inimigo a ser combatido.
Desde meados de janeiro, Lula vem sendo porta-voz de uma guerra travada em público com o dirigente da autoridade monetária, cuja administração tornou-se independente na gestão bolsonarista.
O questionamento à taxa básica de juros, arbitrada pelo BC tendo em vista a política de metas de inflação a que a instituição está submetida, virou um poderoso instrumento de luta política operacionalizado pelo presidente, vencedor da mais equilibrada eleição pós-democratização.
Tão logo Lula se lançou na batalha contra os juros altos, o governo recebia relatórios que indicavam a alta popularidade do discurso presidencial.
Nas palavras de um assessor palaciano, a retórica beligerante de Lula contra Campos Neto se constituiu no primeiro elemento do novo governo capaz de "romper a bolha".
Ou seja, o ataque à Selic de 13,75% colocou o governante do PT, envolto numa grave crise institucional logo na largada da sua terceira gestão, em sintonia com o desejo de uma parcela do eleitorado que ultrapassava as fronteiras da base social que lhe conferiu 51% dos votos nas urnas em 2022.
E mais: o debate público com o BC permitia a Lula a reabertura de canais diretos com setores graúdos do empresariado, formando uma aliança com segmentos econômicos que se distanciaram do petista e atuaram na linha de frente da campanha de seu principal oponente.
A voz da direita liberal
O instinto político de Lula, já naquele prelúdio de batalha, apontava para Campos Neto como um possível rival eleitoral, com o condão sedutor para uma parcela substantiva da direita: o liberalismo econômico como contraposição ao radicalismo ideológico centrado nos valores e costumes.
O que se viu a partir desse diagnóstico foi a mobilização de toda a estrutura governamental, amparada por empresários de grosso calibre, para cobrar uma política monetária menos contracionista, sob o pretexto de que as taxas praticadas no país estariam retraindo a atividade econômica e colaborando para um crescimento anualizado modesto.
No meio do tiroteio do Executivo com o BC estava o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que atuou com esmero para reduzir o risco fiscal, aprovando, com aval do centro político, uma regra para dar previsibilidade às contas públicas em substituição ao Teto de Gastos.
Medindo as palavras críticas a Campos Neto e alimentando a tese de que mantinha uma interlocução construtiva com ele, Haddad percorreu uma via paralela à de Lula.
Indicou seu braço-direito na pasta, Gabriel Galípolo, para a diretoria de Política Monetária do BC, num gesto considerado ousado e intervencionista pelo mercado.
Quando a pressão política subiu à estratosfera e os índices de inflação começaram a ceder crescentemente, coube a Campos Neto uma cartada política que deixou auxiliares de Lula atentos: nesta semana, o presidente do banco deu incomum publicidade ao placar do Copom, colocando em evidência que foi dele o voto de minerva que acabou com o ciclo de alta nos juros e decretou inesperado corte de 0,50% na Selic durante uma das mais tensas reuniões do colegiado desde sua criação.
Com o gesto, Campos Neto evitou que Galípolo, nome mais alinhado a Lula na diretoria e principal novidade na reunião, fosse o protagonista da agenda positiva dos juros mais baixos. O presidente do BC assumiu ainda as rédeas do processo de gradativa e progressiva redução da taxa básica e mandou um recado assertivo ao Planalto sobre o timing da sua leitura do quadro de Brasília no exato momento em que se negocia o embarque definitivo do centrão à base governista.
De vilão a mocinho
No governo, o entendimento foi consensual: o de que a intuição de Lula estava correta. Com Bolsonaro inelegível e governadores de oposição temendo o confronto direto com o presidente em 2026, Campos Neto estaria hoje acenando para o eleitorado de direita e, com o verniz técnico do avô e os louros pela missão de deter o açodamento do desenvolvimentismo petista, credenciando-se como alternativa para a sucessão.
No meio político-partidário, não é segredo que o PP, de Arthur Lira e Ciro Nogueira, acalenta o sonho de filiar o dirigente do BC. Os dois expoentes do centrão têm estreita relação com o executivo.
Mesmo que rejeite abraçar eventual candidatura, ele seria convidado a atuar como guru econômico do virtual nome do bloco político que cobiça o espólio bolsonarista.
Embora Campos Neto negue peremptoriamente qualquer pretensão na vida pública, os próximos meses de mandato à frente da autoridade monetária tendem a ser marcados por uma inversão de papéis: de vilão, o executivo passará à condição de espectador vigilante da laboriosa tarefa governamental de cumprir as premissas do ajuste fiscal e vitaminar a economia nos padrões esperados por Lula.
Leia mais do Pulso Político:
- Avanço da aliança com centrão faz governo resgatar 'luta de classes' mirando 2026
- Dobradinha Lira-Haddad divide oposição e sedimenta governabilidade
*Fábio Zambeli, 50 anos, é jornalista com pós-graduação em comunicação pública. Atualmente é vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos. Especialista em monitoramento de risco institucional, tem 31 anos de experiência em cobertura política em veículos e agências de São Paulo e Brasília. Atuou como repórter, chefe de reportagem, colunista e editor da Folha de S. Paulo, repórter especial e coordenador editorial da Associação Paulista de Jornais. Foi diretor da FSB Comunicação, com especialização em estratégia, análise de conjuntura, gestão de contas públicas e relações governamentais. Liderou, durante as eleições, a equipe de análise da plataforma JOTA, especializada no acompanhamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para C-Level de empresas e executivos do mercado financeiro.