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Recordando Uwe Reinhardt, um grande economista e um grande homem

O debate sobre políticas de saúde não é lugar de gente simplista

Reinhardt: economista foi uma figura importante na discussão sobre os gastos dos Estados Unidos com a saúde / Woodrow Wilson School
DR

Da Redação

Publicado em 3 de maio de 2018 às 12h56.

(No dia 21 de abril, a Universidade de Princeton realizou um evento em memória de Uwe Reinhardt, um dos nossos maiores economistas da área da saúde. Eu tive a imensa honra de ser um dos palestrantes, e pensei em dividir o texto que eu preparei.)

Como vocês devem imaginar, ao longo dos anos eu acabei conhecendo um número considerável de economistas. Alguns desses economistas eram muito espertos, tendo feito importantes contribuições intelectuais. Alguns deles têm sido pessoas adoráveis – amigáveis, inteligentes e envolventes. Para ser sincero, a coincidência destas categorias é, digamos, menor do que vocês poderiam imaginar. Sucesso profissional requer um ego consideravelmente grande – você precisa acreditar que você pode oferecer pontos de vista que outras pessoas podem ter deixado passar – e em geral parece exigir uma boa capacidade de distribuir cotoveladas, no mínimo para ser ouvido. Estas qualidades podem ser necessárias, mas não costumam harmonizar com ser alguém agradável.

Tudo isso para dizer que eu me considero incrivelmente sortudo por ter podido conhecer Uwe Reinhardt, que foi ao mesmo tempo um dos melhores economistas e uma das pessoas mais agradáveis que eu já encontrei. Eu só desejo agora que eu tivesse passado mais tempo com ele e com May quando tive a oportunidade.

Quem foi Uwe, o economista profissional? Eu não o conhecia como professor, ainda que, pelo que todo mundo diz, ele tenha sido um dos melhores e mais inspiradores professores que Princeton já conheceu. Em vez disso, eu o conheci por meio de sua pesquisa na área da saúde, que foi e continua a ser tremendamente importante e influente.

Caso vocês não saibam disso, economia da saúde é um assunto imensamente importante que até hoje não recebe tanta atenção quanto deveria. Nós falamos interminavelmente sobre globalização e tudo isso, e no entanto a América gasta mais com saúde do que com importações – e gasta muito pior: nosso sistema de saúde é extremamente disfuncional.

Embora Uwe e eu fôssemos colegas em Princeton, eu fui realmente conhecê-lo – em vez de ser só uma pessoa a quem eu dava oi nos corredores – como um subproduto do meu outro emprego. Por volta de 2005, eu era um de vários progressistas dos EUA com uma plataforma pública que decidiu que era hora de dar uma ajuda para a reforma da saúde, o empurrão que eventualmente levou à Lei da Saúde Acessível. Mas havia um problema: eu não sabia nada sobre o assunto. Eu não era um economista da saúde de verdade, ainda que eu fosse forçado a me apresentar como um na televisão.

Por sorte, um verdadeiro economista da saúde, indiscutivelmente o melhor economista da saúde da América, estava na sala ao lado. Assim, eu me escorei em Uwe para que ele me guiasse; ele era a pessoa a quem eu ia e perguntava se o que eu estava prestes a escrever era estúpido (e às vezes a resposta era “sim”).

Para entender o papel de Uwe nos debates sobre políticas, vocês precisam entender que a saúde não é lugar de gente simplista. Podem haver áreas da economia em que repetir slogans fáceis te leve a algum lugar; a economia da saúde, por uma série de motivos, não é uma dessas áreas. Os fatos a respeito do setor de saúde tendem a ser complexos, e eles também são teimosamente inconsistentes com ideologias rígidas, sejam elas quais forem.

E ninguém fez mais para ilustrar esses fatos do que Uwe.

O artigo mais famoso de Uwe tinha o título não exatamente diplomático de “São os Preços, Estúpido: Por que os Estados Unidos são tão Diferentes de Outros Países.” Na ocasião, era comum que políticos dos EUA atacassem os horrores imaginários dos serviços de saúde estrangeiros. Em 2008, um cara chamado Rudy Giuliani – o que terá acontecido com ele? – alertou que, se um democrata fosse eleito, “nós estaremos a caminho de um desastre. Nós rumamos para um sistema de saúde canadense, francês, britânico”.

Porém, o que Uwe mostrou foi que, enquanto a América gastava muito mais em saúde do que qualquer outro país, nós não estávamos tendo acesso a uma saúde melhor ou até mesmo mais ampla do que a de outras nações; nós só estávamos pagando preços maiores. Esta foi uma perspectiva extremamente importante, uma na qual Uwe mergulhou em uma série de artigos inovadores. Para dar a vocês uma ideia do tipo de coisas que ele explorou, outro de seus grandes artigos foi intitulado “O Preço dos Serviços Hospitalares dos EUA: Caos por Trás de um Véu de Sigilo”.

Vocês podem imaginar que todos tivessem interesse em fatos concretos sobre saúde pública; quer dizer, vocês podem pensar assim se vocês tiverem vivido em uma caverna por, não sei, mais ou menos durante os últimos 35 anos. A realidade é que os debates sobre políticas a respeito da saúde são, quando muito, ainda piores que a média para o padrão do debate econômico dos EUA, o que de verdade quer dizer muita coisa; o motivo, penso eu, é que os fatos – o tipo de fatos a que Uwe dedicou muito de sua vida profissional para descobrir – são muito inconsistentes com várias formas de ortodoxia política.

Ou seja, teria sido compreensível e perdoável se Uwe tivesse se transformado em um guerreiro belicoso e um tanto irritadiço. O milagre é ele não ter se tornado isso. No campo de batalha de ideias e ideologia que é a economia da saúde, Uwe sempre foi uma voz calma da razão, dizendo às pessoas coisas que elas não queriam ouvir, mas sem um traço de rancor pessoal. Eu me deparei com pessoas que discordavam de Uwe vigorosamente – e, invariavelmente, errada. Mas eu nunca encontrei ninguém que não gostasse dele.

E, ao mesmo tempo em que conseguiu navegar em meio a tempestades intelectuais, ele conseguiu ao mesmo tempo ser aquilo que você poderia deduzir pelos títulos dos artigos dele: consistente e turbulentamente engraçado. Todas as conferências dele a que eu assisti foram ao mesmo tempo sérias em seu propósito e uma sucessão de gargalhadas; todo mundo que eu conheço que já o ouviu falar diz a mesma coisa.

Este foi o economista Uwe Reinhard. Permitam que eu termine com algumas palavras sobre o homem Uwe Reinhardt. Eu conheci poucas pessoas que fossem tão charmosas, graciosas e divertidas de se estar por perto quanto Uwe; Eu conheci alguns poucos casais que parecessem completar um ao outro tão bem, para tornar o mundo um lugar melhor, quanto Uwe e May. Mas eu nunca conheci uma pessoa ou dupla que superasse eles dois. Uwe foi um grande homem, mas também um bom homem, um prazer de conhecer, e sua parceira de vida foi e é em cada pedaço idêntica a ele.

Nós o perdemos cedo demais, mas fomos abençoados simplesmente por tê-lo.

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(No dia 21 de abril, a Universidade de Princeton realizou um evento em memória de Uwe Reinhardt, um dos nossos maiores economistas da área da saúde. Eu tive a imensa honra de ser um dos palestrantes, e pensei em dividir o texto que eu preparei.)

Como vocês devem imaginar, ao longo dos anos eu acabei conhecendo um número considerável de economistas. Alguns desses economistas eram muito espertos, tendo feito importantes contribuições intelectuais. Alguns deles têm sido pessoas adoráveis – amigáveis, inteligentes e envolventes. Para ser sincero, a coincidência destas categorias é, digamos, menor do que vocês poderiam imaginar. Sucesso profissional requer um ego consideravelmente grande – você precisa acreditar que você pode oferecer pontos de vista que outras pessoas podem ter deixado passar – e em geral parece exigir uma boa capacidade de distribuir cotoveladas, no mínimo para ser ouvido. Estas qualidades podem ser necessárias, mas não costumam harmonizar com ser alguém agradável.

Tudo isso para dizer que eu me considero incrivelmente sortudo por ter podido conhecer Uwe Reinhardt, que foi ao mesmo tempo um dos melhores economistas e uma das pessoas mais agradáveis que eu já encontrei. Eu só desejo agora que eu tivesse passado mais tempo com ele e com May quando tive a oportunidade.

Quem foi Uwe, o economista profissional? Eu não o conhecia como professor, ainda que, pelo que todo mundo diz, ele tenha sido um dos melhores e mais inspiradores professores que Princeton já conheceu. Em vez disso, eu o conheci por meio de sua pesquisa na área da saúde, que foi e continua a ser tremendamente importante e influente.

Caso vocês não saibam disso, economia da saúde é um assunto imensamente importante que até hoje não recebe tanta atenção quanto deveria. Nós falamos interminavelmente sobre globalização e tudo isso, e no entanto a América gasta mais com saúde do que com importações – e gasta muito pior: nosso sistema de saúde é extremamente disfuncional.

Embora Uwe e eu fôssemos colegas em Princeton, eu fui realmente conhecê-lo – em vez de ser só uma pessoa a quem eu dava oi nos corredores – como um subproduto do meu outro emprego. Por volta de 2005, eu era um de vários progressistas dos EUA com uma plataforma pública que decidiu que era hora de dar uma ajuda para a reforma da saúde, o empurrão que eventualmente levou à Lei da Saúde Acessível. Mas havia um problema: eu não sabia nada sobre o assunto. Eu não era um economista da saúde de verdade, ainda que eu fosse forçado a me apresentar como um na televisão.

Por sorte, um verdadeiro economista da saúde, indiscutivelmente o melhor economista da saúde da América, estava na sala ao lado. Assim, eu me escorei em Uwe para que ele me guiasse; ele era a pessoa a quem eu ia e perguntava se o que eu estava prestes a escrever era estúpido (e às vezes a resposta era “sim”).

Para entender o papel de Uwe nos debates sobre políticas, vocês precisam entender que a saúde não é lugar de gente simplista. Podem haver áreas da economia em que repetir slogans fáceis te leve a algum lugar; a economia da saúde, por uma série de motivos, não é uma dessas áreas. Os fatos a respeito do setor de saúde tendem a ser complexos, e eles também são teimosamente inconsistentes com ideologias rígidas, sejam elas quais forem.

E ninguém fez mais para ilustrar esses fatos do que Uwe.

O artigo mais famoso de Uwe tinha o título não exatamente diplomático de “São os Preços, Estúpido: Por que os Estados Unidos são tão Diferentes de Outros Países.” Na ocasião, era comum que políticos dos EUA atacassem os horrores imaginários dos serviços de saúde estrangeiros. Em 2008, um cara chamado Rudy Giuliani – o que terá acontecido com ele? – alertou que, se um democrata fosse eleito, “nós estaremos a caminho de um desastre. Nós rumamos para um sistema de saúde canadense, francês, britânico”.

Porém, o que Uwe mostrou foi que, enquanto a América gastava muito mais em saúde do que qualquer outro país, nós não estávamos tendo acesso a uma saúde melhor ou até mesmo mais ampla do que a de outras nações; nós só estávamos pagando preços maiores. Esta foi uma perspectiva extremamente importante, uma na qual Uwe mergulhou em uma série de artigos inovadores. Para dar a vocês uma ideia do tipo de coisas que ele explorou, outro de seus grandes artigos foi intitulado “O Preço dos Serviços Hospitalares dos EUA: Caos por Trás de um Véu de Sigilo”.

Vocês podem imaginar que todos tivessem interesse em fatos concretos sobre saúde pública; quer dizer, vocês podem pensar assim se vocês tiverem vivido em uma caverna por, não sei, mais ou menos durante os últimos 35 anos. A realidade é que os debates sobre políticas a respeito da saúde são, quando muito, ainda piores que a média para o padrão do debate econômico dos EUA, o que de verdade quer dizer muita coisa; o motivo, penso eu, é que os fatos – o tipo de fatos a que Uwe dedicou muito de sua vida profissional para descobrir – são muito inconsistentes com várias formas de ortodoxia política.

Ou seja, teria sido compreensível e perdoável se Uwe tivesse se transformado em um guerreiro belicoso e um tanto irritadiço. O milagre é ele não ter se tornado isso. No campo de batalha de ideias e ideologia que é a economia da saúde, Uwe sempre foi uma voz calma da razão, dizendo às pessoas coisas que elas não queriam ouvir, mas sem um traço de rancor pessoal. Eu me deparei com pessoas que discordavam de Uwe vigorosamente – e, invariavelmente, errada. Mas eu nunca encontrei ninguém que não gostasse dele.

E, ao mesmo tempo em que conseguiu navegar em meio a tempestades intelectuais, ele conseguiu ao mesmo tempo ser aquilo que você poderia deduzir pelos títulos dos artigos dele: consistente e turbulentamente engraçado. Todas as conferências dele a que eu assisti foram ao mesmo tempo sérias em seu propósito e uma sucessão de gargalhadas; todo mundo que eu conheço que já o ouviu falar diz a mesma coisa.

Este foi o economista Uwe Reinhard. Permitam que eu termine com algumas palavras sobre o homem Uwe Reinhardt. Eu conheci poucas pessoas que fossem tão charmosas, graciosas e divertidas de se estar por perto quanto Uwe; Eu conheci alguns poucos casais que parecessem completar um ao outro tão bem, para tornar o mundo um lugar melhor, quanto Uwe e May. Mas eu nunca conheci uma pessoa ou dupla que superasse eles dois. Uwe foi um grande homem, mas também um bom homem, um prazer de conhecer, e sua parceira de vida foi e é em cada pedaço idêntica a ele.

Nós o perdemos cedo demais, mas fomos abençoados simplesmente por tê-lo.

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