O moderno Partido Sabe-nada da América
Quando a posição do seu partido é de que as mudanças climáticas são uma farsa, e que a evolução nunca aconteceu, você não vai conseguir muito apoio de quem leva evidências a sério
Da Redação
Publicado em 23 de janeiro de 2018 às 10h20.
Hoje em dia, chamar alguém de “sabe-nada” poderia significar uma de duas coisas.
Se você for um estudante de história, você pode estar comparando aquela pessoa a um integrante do Partido Sabe-Nada da década de 1850, um grupo intolerante, xenofóbico e anti-imigração que em seu auge contava com mais de 100 integrantes do Congresso, além de oito governadores. Muito provavelmente, contudo, você está sugerindo que a referida pessoa é intencionalmente ignorante; alguém que rejeita fatos que possam entrar em conflito com os preconceitos dele ou dela.
O que é triste é que a América atualmente é governada por pessoas que se encaixam nas duas definições. Além disso, os sabe-nadas no poder estão fazendo tudo o que podem para minar os próprios fundamentos da grandeza americana.
Os paralelos entre a agitação anti-imigrante de meados do século 19 com o trumpismo são óbvios. Só as identidades da nacionalidades difamadas é que mudaram.
Afinal, Irlanda e Alemanha, as principais fontes da onda imigratória daquela era, eram os países de merda de então. Metade da população da Irlanda emigrou diante da situação de fome, enquanto os alemães estavam fugindo tanto de turbulências econômicas quanto políticas. Imigrantes dos dois países, mas os irlandeses em particular, eram retratados como criminosos beberrões, quando não subumanos.
Eles também eram considerados subversivos e como católicos cuja lealdade em primeiro lugar era ao papa. Algumas poucas décadas depois, a próxima grande onda imigratória – de italianos, judeus e de muitas outras pessoas – inspirou preconceito semelhante.
E aqui estamos nós de novo. O preconceito anti-irlandês, o preconceito anti-alemão e o preconceito anti-italiano são em grande parte coisas do passado (ainda que o antissemitismo seja eterno), mas sempre há novos grupos para odiar.
Mas os republicanos de hoje – pois isso não tem a ver só com Donald Trump, é sobre um partido inteiro – não são apenas sabe-nadas, eles também não sabem de nada. A gama de tópicos a respeito dos quais os conservadores insistem em que os fatos têm um viés liberal conhecido só faz crescer.
Um resultado desta acolhida da ignorância é um notável distanciamento entre os conservadores modernos e os americanos altamente educados, especialmente, mas não exclusivamente, os integrantes do corpo docente de universidades. A direita insiste que a escassez de conservadores autodeclarados na academia é evidência de discriminação contra seus pontos de vista, sinal de uma correção política à solta.
No entanto, professores conservadores são raros até mesmo nas ciências mais duras como física e biologia, e não é difícil ver por quê. Quando a posição mais ou menos oficial do seu partido é de que as mudanças climáticas são uma farsa, e que a evolução nunca aconteceu, você não vai conseguir muito apoio das pessoas que levam evidências a sério.
Mas os conservadores não enxergam a rejeição das ortodoxias deles pelas pessoas que sabem do que estão falando como um sinal de que eles talvez precisem repensar. Em vez disso, eles perderam o interesse pelos eruditos e pela educação em geral.
Notavelmente, uma clara maioria dos republicanos agora diz que colégios e universidades têm um impacto negativo na América.
Ou seja, o partido que atualmente controla os três ramos do governo federal é cada vez mais a favor da intolerância e contra a educação. Isso deveria te perturbar por muitos motivos – um dos quais é que o Partido Republicano tem rejeitado os próprios valores que tornaram a América grande.
Pense em onde nós estaríamos como uma nação se não tivéssemos experimentado aquelas grandes ondas de imigrantes, movidos pelo sonho de uma vida melhor. Pense em onde nós estaríamos se não tivéssemos liderado o mundo, primeiro na educação universal básica, depois na criação de grandes instituições de ensino superior. Certamente nós seríamos uma sociedade encolhida, estagnada e de segunda classe.
E é isso em que nós vamos nos tornar se o sabe-nadismo moderno prevalecer.
Eu estou relendo um livro importante de 2012, “The New Geography of Jobs” (“A Nova Geografia dos Empregos”, em tradução livre do inglês), de Enrico Moretti, sobre a crescente divergência das fortunas regionais no interior dos Estados Unidos. Até por volta de 1980, a América parecia no caminho de uma prosperidade amplamente distribuída, com as regiões pobres como o extremo sul rapidamente alcançando as restantes.
Desde então, porém, as lacunas se ampliaram de novo, com a renda em algumas partes do país disparando enquanto em outras ela fica para trás.
Moretti argumenta, corretamente, na visão de muitos economistas, que essa nova divergência reflete a crescente importância de agrupamentos de trabalhadores altamente capacitados – muitos deles imigrantes – centrados ao redor de grandes universidades, o que criaria círculos virtuosos de crescimento e inovação.
E do jeito que aconteceu, a eleição de 2016 em grande medida colocou essas regiões em ascendência contra aquelas deixadas para trás, que é o motivo pelo qual os distritos em que Hillary Clinton levou a disputa – que venceram apenas uma maioria apertada do voto popular – representam notáveis 64% do PIB dos Estados Unidos, quase o dobro dos distritos de Trump.
Claramente, nós precisamos de políticas para distribuir os benefícios do crescimento e da inovação mais amplamente. Porém, uma maneira de pensar sobre o trumpismo é vê-lo como uma tentativa de ampliar as disparidades regionais, não trazendo as regiões retardatárias para a frente, mas cortando as regiões em crescimento. Pois é isso que fariam os ataques à educação e à imigração, fatores-chave das histórias de sucesso da nova economia.
E então, será que os nossos modernos sabe-nada vão prevalecer? Eu não faço ideia.
O que está claro, entretanto, é que, se eles forem bem-sucedidos, não vão tornar a América grande de novo – eles vão matar as próprias coisas que a tornaram grande.
Hoje em dia, chamar alguém de “sabe-nada” poderia significar uma de duas coisas.
Se você for um estudante de história, você pode estar comparando aquela pessoa a um integrante do Partido Sabe-Nada da década de 1850, um grupo intolerante, xenofóbico e anti-imigração que em seu auge contava com mais de 100 integrantes do Congresso, além de oito governadores. Muito provavelmente, contudo, você está sugerindo que a referida pessoa é intencionalmente ignorante; alguém que rejeita fatos que possam entrar em conflito com os preconceitos dele ou dela.
O que é triste é que a América atualmente é governada por pessoas que se encaixam nas duas definições. Além disso, os sabe-nadas no poder estão fazendo tudo o que podem para minar os próprios fundamentos da grandeza americana.
Os paralelos entre a agitação anti-imigrante de meados do século 19 com o trumpismo são óbvios. Só as identidades da nacionalidades difamadas é que mudaram.
Afinal, Irlanda e Alemanha, as principais fontes da onda imigratória daquela era, eram os países de merda de então. Metade da população da Irlanda emigrou diante da situação de fome, enquanto os alemães estavam fugindo tanto de turbulências econômicas quanto políticas. Imigrantes dos dois países, mas os irlandeses em particular, eram retratados como criminosos beberrões, quando não subumanos.
Eles também eram considerados subversivos e como católicos cuja lealdade em primeiro lugar era ao papa. Algumas poucas décadas depois, a próxima grande onda imigratória – de italianos, judeus e de muitas outras pessoas – inspirou preconceito semelhante.
E aqui estamos nós de novo. O preconceito anti-irlandês, o preconceito anti-alemão e o preconceito anti-italiano são em grande parte coisas do passado (ainda que o antissemitismo seja eterno), mas sempre há novos grupos para odiar.
Mas os republicanos de hoje – pois isso não tem a ver só com Donald Trump, é sobre um partido inteiro – não são apenas sabe-nadas, eles também não sabem de nada. A gama de tópicos a respeito dos quais os conservadores insistem em que os fatos têm um viés liberal conhecido só faz crescer.
Um resultado desta acolhida da ignorância é um notável distanciamento entre os conservadores modernos e os americanos altamente educados, especialmente, mas não exclusivamente, os integrantes do corpo docente de universidades. A direita insiste que a escassez de conservadores autodeclarados na academia é evidência de discriminação contra seus pontos de vista, sinal de uma correção política à solta.
No entanto, professores conservadores são raros até mesmo nas ciências mais duras como física e biologia, e não é difícil ver por quê. Quando a posição mais ou menos oficial do seu partido é de que as mudanças climáticas são uma farsa, e que a evolução nunca aconteceu, você não vai conseguir muito apoio das pessoas que levam evidências a sério.
Mas os conservadores não enxergam a rejeição das ortodoxias deles pelas pessoas que sabem do que estão falando como um sinal de que eles talvez precisem repensar. Em vez disso, eles perderam o interesse pelos eruditos e pela educação em geral.
Notavelmente, uma clara maioria dos republicanos agora diz que colégios e universidades têm um impacto negativo na América.
Ou seja, o partido que atualmente controla os três ramos do governo federal é cada vez mais a favor da intolerância e contra a educação. Isso deveria te perturbar por muitos motivos – um dos quais é que o Partido Republicano tem rejeitado os próprios valores que tornaram a América grande.
Pense em onde nós estaríamos como uma nação se não tivéssemos experimentado aquelas grandes ondas de imigrantes, movidos pelo sonho de uma vida melhor. Pense em onde nós estaríamos se não tivéssemos liderado o mundo, primeiro na educação universal básica, depois na criação de grandes instituições de ensino superior. Certamente nós seríamos uma sociedade encolhida, estagnada e de segunda classe.
E é isso em que nós vamos nos tornar se o sabe-nadismo moderno prevalecer.
Eu estou relendo um livro importante de 2012, “The New Geography of Jobs” (“A Nova Geografia dos Empregos”, em tradução livre do inglês), de Enrico Moretti, sobre a crescente divergência das fortunas regionais no interior dos Estados Unidos. Até por volta de 1980, a América parecia no caminho de uma prosperidade amplamente distribuída, com as regiões pobres como o extremo sul rapidamente alcançando as restantes.
Desde então, porém, as lacunas se ampliaram de novo, com a renda em algumas partes do país disparando enquanto em outras ela fica para trás.
Moretti argumenta, corretamente, na visão de muitos economistas, que essa nova divergência reflete a crescente importância de agrupamentos de trabalhadores altamente capacitados – muitos deles imigrantes – centrados ao redor de grandes universidades, o que criaria círculos virtuosos de crescimento e inovação.
E do jeito que aconteceu, a eleição de 2016 em grande medida colocou essas regiões em ascendência contra aquelas deixadas para trás, que é o motivo pelo qual os distritos em que Hillary Clinton levou a disputa – que venceram apenas uma maioria apertada do voto popular – representam notáveis 64% do PIB dos Estados Unidos, quase o dobro dos distritos de Trump.
Claramente, nós precisamos de políticas para distribuir os benefícios do crescimento e da inovação mais amplamente. Porém, uma maneira de pensar sobre o trumpismo é vê-lo como uma tentativa de ampliar as disparidades regionais, não trazendo as regiões retardatárias para a frente, mas cortando as regiões em crescimento. Pois é isso que fariam os ataques à educação e à imigração, fatores-chave das histórias de sucesso da nova economia.
E então, será que os nossos modernos sabe-nada vão prevalecer? Eu não faço ideia.
O que está claro, entretanto, é que, se eles forem bem-sucedidos, não vão tornar a América grande de novo – eles vão matar as próprias coisas que a tornaram grande.