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O grande delírio dos especialistas de centro-direita

Autores mostram é que os assessores parlamentares interpretam muito mal os pontos de vista dos eleitores dos chefes deles; isso é verdade para os dois partidos, mas mais entre os republicanos

EUA: os republicanos parecem ter sido totalmente cegados pela retaliação pública contra as tentativas deles de acabar com as proteções para doenças preexistentes /
DR

Da Redação

Publicado em 6 de novembro de 2018 às 09h37.

O que está atirando a política americana no abismo? O ódio racial e o cinismo dos políticos dispostos a explorar isso tem um papel central. Mas há outros fatores. E um artigo de opinião recente de Alexander Hertel-Fernandez, Matto Mildenberger e Leah C. Stokes no The New York Times (o texto na verdade não e de opinião, mas de ciências sociais!) parece confirmar algo que eu já suspeitava: uma incompreensão do que querem os eleitores está distorcendo tanto o posicionamento político quanto as políticas públicas (leia o artigo deles aqui )

O que os autores mostram é que os assessores parlamentares interpretam muito mal os pontos de vista dos eleitores dos chefes deles; isso é verdade para os dois partidos, mas mais entre os republicanos. O que eles não indicam explicitamente é que, com exceção da revogação da Lei dos Serviços de Saúde Acessíveis, os democratas se perdem na mesma direção que os republicanos, mas só um pouco menos. Para ser mais específico, os dois partidos acreditam que o público esteja à direita política de onde ele de fato está.

Um parênteses sobre a revogação da LSSA: me pergunto o que está realmente havendo aqui. Muitas pesquisas sugerem que os eleitores em sua maioria querem cobertura para doenças preexistentes e subsídios para ajudar os americanos de menor renda a pagarem convênios médicos; ou seja, eles querem o conteúdo da LSSA, mesmo que digam que são contra a lei. Assim, eu interpretaria com cuidado este resultado: Os democratas podem não estar tão enganados aqui quanto parece.

De todo modo, o que eu gostaria mesmo de ver são pesquisas comparáveis com outros grupos, digamos, de analistas políticos para as grandes empresas de mídia. Por quê? Porque eu suspeito que nos veríamos um resultado parecido: Pessoas que opinam sobre política também imaginam que os eleitores estejam muito mais à direita do que eles realmente estão. O que eu estou sugerindo, em outras palavras, é que existe uma desilusão daqueles No-interior-do-Circulo-Político: de que a América é conservadora ou, no máximo, um país de centro-direita, uma perspectiva que não está fundamentada na realidade.

É verdade que os republicanos, que são cada vez mais um partido de direita, têm sido mais que competitivos em termos políticos, controlando a Casa Branca, a Câmara dos Deputados ou as duas por pelo menos 20 dos últimos 24 anos. Mas isso também tem muito a ver com um jogo de regras viciadas: eles venceram no voto popular para presidente só uma vez neste período, e conseguem manter a Câmara mesmo quando os democratas têm muito mais votos.

Além disso, isso também reflete uma estratégia política na qual os republicanos disputam com base em qualquer coisa, menos políticas de verdade. A tentativa frenética do presidente Trump de transformar o tema da eleição da semana que vem em pessoas marrons ameaçadoras, em vez de cobertura publica de saúde ou cortes de impostos, é mais tosca e feia do que qualquer outra coisa que nós já tenhamos vistos em muito tempo, mas não é essencialmente algo que destoa de outros períodos. Bush Sênior disputou contra Willie Horton. Bush Junior disputou a favor da Segurança Nacional. Essas eram de fato as políticas deles? Não muito.

Na verdade, nós tivemos uma aula objetiva sobre a dissonância entre o eleitorado do Partido Republicano e as preferências públicas entre 2004 e 2005. George W. Bush transformou aquilo em uma eleição sobre segurança nacional, com uma pincelada de guerras culturais; como eu costumava brincar, ele concorreu como inimigo dos terroristas gays casados. Depois, com a vitória no papo, proclamou que tinha uma autorização para privatizar a Previdência Social.

Não tinha.

Mas muitos especialistas acharam que ele tivesse. Por vários meses depois da eleição de 2004, o consenso entre o comentariado era de que sem dúvida o Sr. Bush conseguiria o que queria na Previdência Social, e que gente como Nancy Pelosi, que estava tentando frear a movimentação dele, estava do lado errado da história. A reação esmagadora dos eleitores, que gostam muito, mas muito mesmo da Previdência (e do Medicare e do Medicaid), surpreendeu completamente muitos autodeclarados especialistas políticos.

Portanto, quais os efeitos deste delírio de que a América é um país de centro-direita?

Claramente ela inibiu os democratas de tomar posições políticas corajosas, por medo de que eles se coloquem muito à esquerda para os eleitores, um medo alimentado por jornalistas que continuam a insistir que o público quer centristas que se posicionem em algum ponto entre os dois partidos. Se lembram da onda Michael Bloomberg para presidente, que consistia em vários especialistas de renome e talvez três eleitores não-jornalistas?

Já os republicanos têm ainda menos noção. O Sr. Hertel-Fernandez e seus colegas notam corretamente que o corte de impostos de Trump se provou consistentemente impopular; eles não notam que, no início, os republicanos tinham certeza de que isso seria uma grande vitória política: “Se o público americano não comprar essa, nos deveríamos ir trabalhar com outra coisa”, declarou Mitch McConnell, líder da maioria no Senado. Mas eles não conseguiram vender essa, e o corte de impostos virtualmente desapareceu das comunicações atuais do Partido Republicano.

Fora que os republicanos parecem ter sido totalmente cegados pela retaliação pública contra as tentativas deles de acabar com as proteções para doenças preexistentes, o que é surpreendente quando você para pra pensar. Como eles não poderiam prever que isso seria um ponto de inflamação?

O que me recorda uma coisa que David Roberts, da Vox, tuitou recentemente, que complementa algo que eu venho pensando há algum tempo. Ele notou, a respeito de uma tentativa recente de enquadrar Robert Muller, que nós estamos lidando com “a segunda geração de conservadores da Fox News”, que cresceu totalmente dentro da bolha de direita e que não entende como as pessoas do lado de fora dessa bolha falam, pensam e se comportam.

Eu diria que isso vai ainda mais além no caso de políticos republicanos profissionais, que são todos apparatchiks. Isto é, eles cresceram dentro do aparato do movimento conservador, e de fato imaginam que todo mundo (salvo alguns fracassados de esquerda) compartilha da ideologia deles. Eles sequer entendem que os sucessos do partido deles têm se baseado no antagonismo racial, e que a maioria da população quer aumentar impostos para os ricos e manter benefícios sociais.

E aqui, por sinal, é onde o Sr. Trump tem uma vantagem. Ele não cresceu na estufa conservadora; sua própria tosquice significa que ele entende que suas chances eleitorais dependem não de repetir ladainhas conservadoras, mas do máximo de coisas feias.

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O que está atirando a política americana no abismo? O ódio racial e o cinismo dos políticos dispostos a explorar isso tem um papel central. Mas há outros fatores. E um artigo de opinião recente de Alexander Hertel-Fernandez, Matto Mildenberger e Leah C. Stokes no The New York Times (o texto na verdade não e de opinião, mas de ciências sociais!) parece confirmar algo que eu já suspeitava: uma incompreensão do que querem os eleitores está distorcendo tanto o posicionamento político quanto as políticas públicas (leia o artigo deles aqui )

O que os autores mostram é que os assessores parlamentares interpretam muito mal os pontos de vista dos eleitores dos chefes deles; isso é verdade para os dois partidos, mas mais entre os republicanos. O que eles não indicam explicitamente é que, com exceção da revogação da Lei dos Serviços de Saúde Acessíveis, os democratas se perdem na mesma direção que os republicanos, mas só um pouco menos. Para ser mais específico, os dois partidos acreditam que o público esteja à direita política de onde ele de fato está.

Um parênteses sobre a revogação da LSSA: me pergunto o que está realmente havendo aqui. Muitas pesquisas sugerem que os eleitores em sua maioria querem cobertura para doenças preexistentes e subsídios para ajudar os americanos de menor renda a pagarem convênios médicos; ou seja, eles querem o conteúdo da LSSA, mesmo que digam que são contra a lei. Assim, eu interpretaria com cuidado este resultado: Os democratas podem não estar tão enganados aqui quanto parece.

De todo modo, o que eu gostaria mesmo de ver são pesquisas comparáveis com outros grupos, digamos, de analistas políticos para as grandes empresas de mídia. Por quê? Porque eu suspeito que nos veríamos um resultado parecido: Pessoas que opinam sobre política também imaginam que os eleitores estejam muito mais à direita do que eles realmente estão. O que eu estou sugerindo, em outras palavras, é que existe uma desilusão daqueles No-interior-do-Circulo-Político: de que a América é conservadora ou, no máximo, um país de centro-direita, uma perspectiva que não está fundamentada na realidade.

É verdade que os republicanos, que são cada vez mais um partido de direita, têm sido mais que competitivos em termos políticos, controlando a Casa Branca, a Câmara dos Deputados ou as duas por pelo menos 20 dos últimos 24 anos. Mas isso também tem muito a ver com um jogo de regras viciadas: eles venceram no voto popular para presidente só uma vez neste período, e conseguem manter a Câmara mesmo quando os democratas têm muito mais votos.

Além disso, isso também reflete uma estratégia política na qual os republicanos disputam com base em qualquer coisa, menos políticas de verdade. A tentativa frenética do presidente Trump de transformar o tema da eleição da semana que vem em pessoas marrons ameaçadoras, em vez de cobertura publica de saúde ou cortes de impostos, é mais tosca e feia do que qualquer outra coisa que nós já tenhamos vistos em muito tempo, mas não é essencialmente algo que destoa de outros períodos. Bush Sênior disputou contra Willie Horton. Bush Junior disputou a favor da Segurança Nacional. Essas eram de fato as políticas deles? Não muito.

Na verdade, nós tivemos uma aula objetiva sobre a dissonância entre o eleitorado do Partido Republicano e as preferências públicas entre 2004 e 2005. George W. Bush transformou aquilo em uma eleição sobre segurança nacional, com uma pincelada de guerras culturais; como eu costumava brincar, ele concorreu como inimigo dos terroristas gays casados. Depois, com a vitória no papo, proclamou que tinha uma autorização para privatizar a Previdência Social.

Não tinha.

Mas muitos especialistas acharam que ele tivesse. Por vários meses depois da eleição de 2004, o consenso entre o comentariado era de que sem dúvida o Sr. Bush conseguiria o que queria na Previdência Social, e que gente como Nancy Pelosi, que estava tentando frear a movimentação dele, estava do lado errado da história. A reação esmagadora dos eleitores, que gostam muito, mas muito mesmo da Previdência (e do Medicare e do Medicaid), surpreendeu completamente muitos autodeclarados especialistas políticos.

Portanto, quais os efeitos deste delírio de que a América é um país de centro-direita?

Claramente ela inibiu os democratas de tomar posições políticas corajosas, por medo de que eles se coloquem muito à esquerda para os eleitores, um medo alimentado por jornalistas que continuam a insistir que o público quer centristas que se posicionem em algum ponto entre os dois partidos. Se lembram da onda Michael Bloomberg para presidente, que consistia em vários especialistas de renome e talvez três eleitores não-jornalistas?

Já os republicanos têm ainda menos noção. O Sr. Hertel-Fernandez e seus colegas notam corretamente que o corte de impostos de Trump se provou consistentemente impopular; eles não notam que, no início, os republicanos tinham certeza de que isso seria uma grande vitória política: “Se o público americano não comprar essa, nos deveríamos ir trabalhar com outra coisa”, declarou Mitch McConnell, líder da maioria no Senado. Mas eles não conseguiram vender essa, e o corte de impostos virtualmente desapareceu das comunicações atuais do Partido Republicano.

Fora que os republicanos parecem ter sido totalmente cegados pela retaliação pública contra as tentativas deles de acabar com as proteções para doenças preexistentes, o que é surpreendente quando você para pra pensar. Como eles não poderiam prever que isso seria um ponto de inflamação?

O que me recorda uma coisa que David Roberts, da Vox, tuitou recentemente, que complementa algo que eu venho pensando há algum tempo. Ele notou, a respeito de uma tentativa recente de enquadrar Robert Muller, que nós estamos lidando com “a segunda geração de conservadores da Fox News”, que cresceu totalmente dentro da bolha de direita e que não entende como as pessoas do lado de fora dessa bolha falam, pensam e se comportam.

Eu diria que isso vai ainda mais além no caso de políticos republicanos profissionais, que são todos apparatchiks. Isto é, eles cresceram dentro do aparato do movimento conservador, e de fato imaginam que todo mundo (salvo alguns fracassados de esquerda) compartilha da ideologia deles. Eles sequer entendem que os sucessos do partido deles têm se baseado no antagonismo racial, e que a maioria da população quer aumentar impostos para os ricos e manter benefícios sociais.

E aqui, por sinal, é onde o Sr. Trump tem uma vantagem. Ele não cresceu na estufa conservadora; sua própria tosquice significa que ele entende que suas chances eleitorais dependem não de repetir ladainhas conservadoras, mas do máximo de coisas feias.

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