Não culpem os robôs pelos salários baixos
Avanços tecnológicos sempre existiram, a novidade é a incapacidade dos trabalhadores de partilharem dos frutos dessa mudança
Da Redação
Publicado em 27 de março de 2019 às 16h48.
Outro dia eu me vi, como costuma acontecer frequentemente, em uma conferência para discutir salários defasados e a disparada na desigualdade de renda. Houve vários debates interessantes. Porém, uma coisa que ficou na minha cabeça foi como muitos dos participantes simplesmente presumiram que robôs são uma grande parte do problema – que os robôs estão levando embora muitos empregos bons, ou até mesmo os empregos como um todo. Na maioria dos casos, isso não foi nem apresentado como uma hipótese, e sim como parte de alguma coisa que todo mundo sabe.
E esse pressuposto tem consequências reais para a discussão de políticas econômicas. Por exemplo, muito da agitação em torno da renda básica universal vem da crença de que os empregos vão se tornar ainda mais escassos à medida que o apocalipse robô tome de assalto a economia.
Logo, me parece uma boa ideia destacar que, neste caso, o que todo mundo sabe simplesmente não é verdade. Previsões são difíceis, principalmente quanto ao futuro econômico, e talvez os robôs realmente venham atrás de todos os nossos empregos um dia desses. Mas a automatização simplesmente não é um grande pedaço da história do que vem acontecendo com os trabalhadores americanos nos últimos 40 anos.
Nós temos um grande problema. Mas ele tem pouquíssimo a ver com tecnologia, e muito a ver com política e poder.
Vamos recuar um minuto e perguntar: O que é um robô, afinal? Claramente, não precisa ser algo parecido com o C-3PO dos filmes Guerra nas Estrelas, ou algo que role por aí dizendo “Exterminar! Exterminar!”. De uma perspectiva econômica, um robô é qualquer coisa que use a tecnologia para fazer o trabalho anteriormente realizado por seres humanos.
Nesse sentido, os robôs vêm transformando nossa economia há séculos, literalmente. David Ricardo, um dos pais fundadores da economia, escreveu sobre os efeitos destrutivos da “maquinaria” em 1821!
Hoje em dia, quando as pessoas falam no apocalipse robô, elas em geral não pensam em coisas como a remoção dos cumes de montanha ou na extração de minérios a céu aberto. No entanto, essas tecnologias promoveram uma transformação completa na indústria do carvão: a produção quase dobrou entre 1950 e 2000 (faz poucos anos que ela começou a cair), enquanto o número de carvoeiros diminuiu de 470 mil para menos de 80 mil.
Ou então, pense na conteinerização de cargas. Estivadores costumavam ser um componente essencial das principais cidades portuárias. Porém, enquanto o comércio global vem subindo desde a década de 70, a parcela de trabalhadores dos EUA envolvidos no “manejo de carga naval” caiu em dois terços.
A turbulência tecnológica, portanto, não é um fenômeno novo. Ainda assim, será que ela está acelerando? De acordo com os dados, não. Se os robôs estivessem de fato substituindo em massa os trabalhadores, seria de se esperar que nós víssemos um aumento nas coisas produzidas por cada trabalhador restante (a produtividade da mão de obra). Na verdade, a produtividade cresceu muito mais depressa entre meados da década de 90 até os anos 2000 do que desde aquele período.
Ou seja, a mudança tecnológica é uma história antiga. O que é novidade é a incapacidade dos trabalhadores de partilhar dos frutos dessa mudança tecnológica.
Não que eu esteja dizendo que lidar com mudanças sempre foi fácil. O declínio dos empregos no setor carvoeiro está tendo um efeito devastador em muitas famílias, e muito do que costumava ser o país do carvão nunca se recuperou. Sem dúvida, a perda de trabalhos braçais nas cidades portuárias contribuiu para a crise urbana social das décadas de 70 e 80.
Porém, ainda que vítimas dos avanços tecnológicos sempre tenham existido, até a década de 70 a produtividade em alta significava salários em ascensão para a grande maioria dos trabalhadores. Depois disso, a conexão se perdeu. E não foram os robôs que fizeram isso.
E o que foi? Existe um consenso crescente, ainda que incompleto, entre economistas de que um fator-chave na estagnação salarial tem sido o poder de barganha cada vez menor dos trabalhadores, declínio cujas raízes são, no fim das contas, políticas.
De maneira mais óbvia, o salário mínimo nacional, corrigido pela inflação, vem caindo até um terço ao longo do último meio século, mesmo que a produtividade dos trabalhadores tenha crescido 150%. Essa divergência vem da política, pura e simples.
A decadência dos sindicatos, que abrangiam um terço dos trabalhadores do setor privado em 1973 e hoje representam apenas 6%, pode não ser tão obviamente política. Porém, outros países não viram o mesmo tipo de redução. O Canadá é tão sindicalizado hoje quanto os EUA eram em 1973; nos países nórdicos, os sindicatos estendem-se a dois terços da força de trabalho. O que tornou a América excepcional foi um clima político profundamente hostil à organização trabalhista e amigável aos empregadores contrários a sindicatos.
E o declínio dos sindicatos vem fazendo uma diferença enorme. Considere o exemplo dos caminhoneiros, que costumavam ter um bom emprego, e que hoje em dia paga menos de um terço do valor da década de 70, com condições de trabalho terríveis. O que fez a diferença? A dessindicalização foi um grande pedaço da história.
E estes fatores facilmente quantificáveis são apenas indicativos de um viés antitrabalhista contínuo e generalizado da nossa política.
O que me traz de volta à pergunta de por que estamos falando tanto em robôs. A resposta, eu argumentaria, é que é uma tática para desviar o assunto – um jeito de evitar encarar o modo como nosso sistema está manipulado de modo desfavorável aos trabalhadores, do mesmo modo que o papo sobre o “vão de capacitação” desviou a atenção das más políticas econômicas que mantiveram o desemprego alto.
Fora isso, os progressistas, mais do que os outros, não deveriam cair nesse fatalismo superficial. Os trabalhadores americanos podem e devem conseguir coisa muito melhor do que vêm obtendo atualmente. E, uma vez que não estão, a culpa não está nos nossos robôs, mas sim nas nossas lideranças políticas.
Uma versão deste artigo apareceu impressa no The New York Times do dia 15 de março de 2019, na página A31 da edição de Nova York.
Outro dia eu me vi, como costuma acontecer frequentemente, em uma conferência para discutir salários defasados e a disparada na desigualdade de renda. Houve vários debates interessantes. Porém, uma coisa que ficou na minha cabeça foi como muitos dos participantes simplesmente presumiram que robôs são uma grande parte do problema – que os robôs estão levando embora muitos empregos bons, ou até mesmo os empregos como um todo. Na maioria dos casos, isso não foi nem apresentado como uma hipótese, e sim como parte de alguma coisa que todo mundo sabe.
E esse pressuposto tem consequências reais para a discussão de políticas econômicas. Por exemplo, muito da agitação em torno da renda básica universal vem da crença de que os empregos vão se tornar ainda mais escassos à medida que o apocalipse robô tome de assalto a economia.
Logo, me parece uma boa ideia destacar que, neste caso, o que todo mundo sabe simplesmente não é verdade. Previsões são difíceis, principalmente quanto ao futuro econômico, e talvez os robôs realmente venham atrás de todos os nossos empregos um dia desses. Mas a automatização simplesmente não é um grande pedaço da história do que vem acontecendo com os trabalhadores americanos nos últimos 40 anos.
Nós temos um grande problema. Mas ele tem pouquíssimo a ver com tecnologia, e muito a ver com política e poder.
Vamos recuar um minuto e perguntar: O que é um robô, afinal? Claramente, não precisa ser algo parecido com o C-3PO dos filmes Guerra nas Estrelas, ou algo que role por aí dizendo “Exterminar! Exterminar!”. De uma perspectiva econômica, um robô é qualquer coisa que use a tecnologia para fazer o trabalho anteriormente realizado por seres humanos.
Nesse sentido, os robôs vêm transformando nossa economia há séculos, literalmente. David Ricardo, um dos pais fundadores da economia, escreveu sobre os efeitos destrutivos da “maquinaria” em 1821!
Hoje em dia, quando as pessoas falam no apocalipse robô, elas em geral não pensam em coisas como a remoção dos cumes de montanha ou na extração de minérios a céu aberto. No entanto, essas tecnologias promoveram uma transformação completa na indústria do carvão: a produção quase dobrou entre 1950 e 2000 (faz poucos anos que ela começou a cair), enquanto o número de carvoeiros diminuiu de 470 mil para menos de 80 mil.
Ou então, pense na conteinerização de cargas. Estivadores costumavam ser um componente essencial das principais cidades portuárias. Porém, enquanto o comércio global vem subindo desde a década de 70, a parcela de trabalhadores dos EUA envolvidos no “manejo de carga naval” caiu em dois terços.
A turbulência tecnológica, portanto, não é um fenômeno novo. Ainda assim, será que ela está acelerando? De acordo com os dados, não. Se os robôs estivessem de fato substituindo em massa os trabalhadores, seria de se esperar que nós víssemos um aumento nas coisas produzidas por cada trabalhador restante (a produtividade da mão de obra). Na verdade, a produtividade cresceu muito mais depressa entre meados da década de 90 até os anos 2000 do que desde aquele período.
Ou seja, a mudança tecnológica é uma história antiga. O que é novidade é a incapacidade dos trabalhadores de partilhar dos frutos dessa mudança tecnológica.
Não que eu esteja dizendo que lidar com mudanças sempre foi fácil. O declínio dos empregos no setor carvoeiro está tendo um efeito devastador em muitas famílias, e muito do que costumava ser o país do carvão nunca se recuperou. Sem dúvida, a perda de trabalhos braçais nas cidades portuárias contribuiu para a crise urbana social das décadas de 70 e 80.
Porém, ainda que vítimas dos avanços tecnológicos sempre tenham existido, até a década de 70 a produtividade em alta significava salários em ascensão para a grande maioria dos trabalhadores. Depois disso, a conexão se perdeu. E não foram os robôs que fizeram isso.
E o que foi? Existe um consenso crescente, ainda que incompleto, entre economistas de que um fator-chave na estagnação salarial tem sido o poder de barganha cada vez menor dos trabalhadores, declínio cujas raízes são, no fim das contas, políticas.
De maneira mais óbvia, o salário mínimo nacional, corrigido pela inflação, vem caindo até um terço ao longo do último meio século, mesmo que a produtividade dos trabalhadores tenha crescido 150%. Essa divergência vem da política, pura e simples.
A decadência dos sindicatos, que abrangiam um terço dos trabalhadores do setor privado em 1973 e hoje representam apenas 6%, pode não ser tão obviamente política. Porém, outros países não viram o mesmo tipo de redução. O Canadá é tão sindicalizado hoje quanto os EUA eram em 1973; nos países nórdicos, os sindicatos estendem-se a dois terços da força de trabalho. O que tornou a América excepcional foi um clima político profundamente hostil à organização trabalhista e amigável aos empregadores contrários a sindicatos.
E o declínio dos sindicatos vem fazendo uma diferença enorme. Considere o exemplo dos caminhoneiros, que costumavam ter um bom emprego, e que hoje em dia paga menos de um terço do valor da década de 70, com condições de trabalho terríveis. O que fez a diferença? A dessindicalização foi um grande pedaço da história.
E estes fatores facilmente quantificáveis são apenas indicativos de um viés antitrabalhista contínuo e generalizado da nossa política.
O que me traz de volta à pergunta de por que estamos falando tanto em robôs. A resposta, eu argumentaria, é que é uma tática para desviar o assunto – um jeito de evitar encarar o modo como nosso sistema está manipulado de modo desfavorável aos trabalhadores, do mesmo modo que o papo sobre o “vão de capacitação” desviou a atenção das más políticas econômicas que mantiveram o desemprego alto.
Fora isso, os progressistas, mais do que os outros, não deveriam cair nesse fatalismo superficial. Os trabalhadores americanos podem e devem conseguir coisa muito melhor do que vêm obtendo atualmente. E, uma vez que não estão, a culpa não está nos nossos robôs, mas sim nas nossas lideranças políticas.
Uma versão deste artigo apareceu impressa no The New York Times do dia 15 de março de 2019, na página A31 da edição de Nova York.