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Indignação se tornou essencial na América

Você está irritado com a tomada do governo americano pelos nacionalistas brancos? Se sim, você definitivamente não está sozinho. As primeiras semanas do governo Trump têm sido marcadas por grandes protestos, multidões furiosas em debates públicos com legisladores e boicotes de consumidores a empresas vistas como aliadas de Trump. E os democratas, respondendo ao eleitorado […]

TRUMP E O POVO: indignação é necessária para pressionar governos / (Jim Lo Scalzo/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 7 de abril de 2017 às 19h46.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h39.

Você está irritado com a tomada do governo americano pelos nacionalistas brancos? Se sim, você definitivamente não está sozinho. As primeiras semanas do governo Trump têm sido marcadas por grandes protestos, multidões furiosas em debates públicos com legisladores e boicotes de consumidores a empresas vistas como aliadas de Trump. E os democratas, respondendo ao eleitorado deles, adotaram uma linha dura contrária à cooperação com o novo regime.

Mas é inteligente fazer isso tudo? Inevitavelmente, ouvem-se algumas vozes dizendo a todo mundo para esfriar a cabeça para esperar para ver, para tentar ser construtivo, para ir atrás dos apoiadores de Trump, para encontrar um ponto em comum de compromisso.

Diga apenas não.

Indignação com o que está acontecendo com os Estados Unidos não só é justificada, mas essencial. Na verdade, pode ser a nossa última chance de salvar a democracia.

Mesmo em termos estritamente partidários, os democratas fariam muito bem em continuar a prestar atenção à base deles. Qualquer um que diga que ser visto como um obstrucionista irá machucá-lo politicamente deve ter dormido durante as últimas décadas. Os democratas foram recompensados por cooperar com o presidente George W. Bush? Os republicanos foram punidos por sua oposição de terra arrasada ao presidente Barack Obama? Caiam na real.

É verdade que os eleitores da classe branca trabalhadora, o cerne do apoio a Donald Trump, não parecem se preocupar com a enxurrada de escândalos: eles não vão abandoná-lo até perceberem que as promessas dele de trazer empregos de volta e proteger a cobertura de saúde deles foram mentiras. Mas lembrem-se, Trump perdeu no voto popular, e seria derrotado no colégio eleitoral se um número significativo de eleitores com formação superior não tivesse sido enganado pela mídia e pelo FBI a ponto de acreditar que Hillary Clinton era de algum modo muito menos ética do que ele. Aqueles eleitores estão passando hoje por um despertar abrupto, e precisam continuar acordados.

A indignação pode ser especialmente significativa para as eleições de meio de mandato: os distritos que vão decidir se os democratas podem reconquistar a Câmara no próximo ano têm, ambos, eleitores relativamente bem-formados e grandes populações hispânicas, dois grupos que provavelmente se importarão com a desonestidade do Sr. Trump mesmo que a classe branca trabalhadora (por enquanto) não ligue.

Contudo, há um problema muito maior do que a política partidária, ainda que ela seja importante, dada a determinação evidente de um Congresso republicano em acobertar qualquer coisa que o Sr. Trump faça. Pois a própria democracia é que está em jogo, e uma população indignada pode ser nossa última proteção.

O Sr. Trump é claramente um aspirante a ditador, e os outros republicanos são seus solícitos facilitadores. Alguém duvida disso? E, dada essa realidade, é completamente razoável se preocupar com a ideia de os Estados Unidos seguirem o rumo de outros países, como a Hungria, que continuam a ser democracias no papel mas que na prática se tornaram estados autoritários.

Como isso acontece? Uma parte crucial da história é que a tirania emergente usa o poder do Estado para intimidar e cooptar a sociedade civil instituições exteriores ao governo propriamente dito.

A imprensa é constantemente provocada e subornada para se tornar de fato a agência de propaganda da panelinha dominante. Empresas são pressionadas a recompensar os amigos da trupe e punir os inimigos dela.

Personalidades públicas independentes são forçadas à colaboração ou ao silêncio. Soa familiar?

Mas um povo indignado pode e deve revidar, usando o poder da reprovação em contraposição à influência de um governo corrupto.

Isso significa apoiar empresas de mídia que fazem o trabalho delas e rejeitar aquelas que operam como agentes do regime. Significa fazer negócios com empresas que defendem nossos valores e não aquelas dispostas a ir em frente para acabar com eles. Significa permitir que figuras públicas, não importa quão apolíticas sejam suas profissões, saibam que as pessoas se importam com as posições que elas tomam, ou não. Pois esses não são tempos normais, e muitas coisas que seriam aceitáveis em uma situação menos tensa não são OK agora.

Por exemplo, não é OK que os jornais publiquem artigos diz-que-disse minimizando as mentiras do governo, muito menos que puxem o saco com artigos morde-e-assopra sobre aliados de Trump. Não é OK que empresas proporcionem oportunidades para fotos com o Sr. Trump dando a si mesmo crédito indevido pela criação de empregos ou que líderes de negócios sirvam de “conselheiros” em paineis que são apenas outra oportunidade de sair bem na foto.

Não é OK sequer ficar jogando golfe com o presidente, alegando que tem a ver com demonstrar respeito pelo cargo, não pela pessoa. Desculpe, mas quando o cargo é ocupado por alguém que tenta minar a Constituição, fazer qualquer coisa que o trate como normal e que dê respeitabilidade a ele é, sim, um ato político.

Tenho certeza de que muitos leitores prefeririam morar em um país onde a vida poderia estar mais separada da política. Eu também gostaria disso! Mas a sociedade civil é alvo de um ataque das forças políticas, de modo que defendê-la é, necessariamente, político. E uma indignação com motivo deve abastecer essa defesa. Quando nem o presidente e nem seus aliados no Congresso demonstram qualquer sinal de respeito pelos valores americanos básicos, um público acordado e disposto a saber quem é quem é tudo que nós temos.

ficha_krugmann

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Você está irritado com a tomada do governo americano pelos nacionalistas brancos? Se sim, você definitivamente não está sozinho. As primeiras semanas do governo Trump têm sido marcadas por grandes protestos, multidões furiosas em debates públicos com legisladores e boicotes de consumidores a empresas vistas como aliadas de Trump. E os democratas, respondendo ao eleitorado deles, adotaram uma linha dura contrária à cooperação com o novo regime.

Mas é inteligente fazer isso tudo? Inevitavelmente, ouvem-se algumas vozes dizendo a todo mundo para esfriar a cabeça para esperar para ver, para tentar ser construtivo, para ir atrás dos apoiadores de Trump, para encontrar um ponto em comum de compromisso.

Diga apenas não.

Indignação com o que está acontecendo com os Estados Unidos não só é justificada, mas essencial. Na verdade, pode ser a nossa última chance de salvar a democracia.

Mesmo em termos estritamente partidários, os democratas fariam muito bem em continuar a prestar atenção à base deles. Qualquer um que diga que ser visto como um obstrucionista irá machucá-lo politicamente deve ter dormido durante as últimas décadas. Os democratas foram recompensados por cooperar com o presidente George W. Bush? Os republicanos foram punidos por sua oposição de terra arrasada ao presidente Barack Obama? Caiam na real.

É verdade que os eleitores da classe branca trabalhadora, o cerne do apoio a Donald Trump, não parecem se preocupar com a enxurrada de escândalos: eles não vão abandoná-lo até perceberem que as promessas dele de trazer empregos de volta e proteger a cobertura de saúde deles foram mentiras. Mas lembrem-se, Trump perdeu no voto popular, e seria derrotado no colégio eleitoral se um número significativo de eleitores com formação superior não tivesse sido enganado pela mídia e pelo FBI a ponto de acreditar que Hillary Clinton era de algum modo muito menos ética do que ele. Aqueles eleitores estão passando hoje por um despertar abrupto, e precisam continuar acordados.

A indignação pode ser especialmente significativa para as eleições de meio de mandato: os distritos que vão decidir se os democratas podem reconquistar a Câmara no próximo ano têm, ambos, eleitores relativamente bem-formados e grandes populações hispânicas, dois grupos que provavelmente se importarão com a desonestidade do Sr. Trump mesmo que a classe branca trabalhadora (por enquanto) não ligue.

Contudo, há um problema muito maior do que a política partidária, ainda que ela seja importante, dada a determinação evidente de um Congresso republicano em acobertar qualquer coisa que o Sr. Trump faça. Pois a própria democracia é que está em jogo, e uma população indignada pode ser nossa última proteção.

O Sr. Trump é claramente um aspirante a ditador, e os outros republicanos são seus solícitos facilitadores. Alguém duvida disso? E, dada essa realidade, é completamente razoável se preocupar com a ideia de os Estados Unidos seguirem o rumo de outros países, como a Hungria, que continuam a ser democracias no papel mas que na prática se tornaram estados autoritários.

Como isso acontece? Uma parte crucial da história é que a tirania emergente usa o poder do Estado para intimidar e cooptar a sociedade civil instituições exteriores ao governo propriamente dito.

A imprensa é constantemente provocada e subornada para se tornar de fato a agência de propaganda da panelinha dominante. Empresas são pressionadas a recompensar os amigos da trupe e punir os inimigos dela.

Personalidades públicas independentes são forçadas à colaboração ou ao silêncio. Soa familiar?

Mas um povo indignado pode e deve revidar, usando o poder da reprovação em contraposição à influência de um governo corrupto.

Isso significa apoiar empresas de mídia que fazem o trabalho delas e rejeitar aquelas que operam como agentes do regime. Significa fazer negócios com empresas que defendem nossos valores e não aquelas dispostas a ir em frente para acabar com eles. Significa permitir que figuras públicas, não importa quão apolíticas sejam suas profissões, saibam que as pessoas se importam com as posições que elas tomam, ou não. Pois esses não são tempos normais, e muitas coisas que seriam aceitáveis em uma situação menos tensa não são OK agora.

Por exemplo, não é OK que os jornais publiquem artigos diz-que-disse minimizando as mentiras do governo, muito menos que puxem o saco com artigos morde-e-assopra sobre aliados de Trump. Não é OK que empresas proporcionem oportunidades para fotos com o Sr. Trump dando a si mesmo crédito indevido pela criação de empregos ou que líderes de negócios sirvam de “conselheiros” em paineis que são apenas outra oportunidade de sair bem na foto.

Não é OK sequer ficar jogando golfe com o presidente, alegando que tem a ver com demonstrar respeito pelo cargo, não pela pessoa. Desculpe, mas quando o cargo é ocupado por alguém que tenta minar a Constituição, fazer qualquer coisa que o trate como normal e que dê respeitabilidade a ele é, sim, um ato político.

Tenho certeza de que muitos leitores prefeririam morar em um país onde a vida poderia estar mais separada da política. Eu também gostaria disso! Mas a sociedade civil é alvo de um ataque das forças políticas, de modo que defendê-la é, necessariamente, político. E uma indignação com motivo deve abastecer essa defesa. Quando nem o presidente e nem seus aliados no Congresso demonstram qualquer sinal de respeito pelos valores americanos básicos, um público acordado e disposto a saber quem é quem é tudo que nós temos.

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