Democracia e negócios: uma relação às vezes confusa
Em setembro, o New York Times sediou um painel de discussões sobre democracia e negócios no Fórum de Democracia de Atenas 2016. O debate foi mediado por Paul Krugman. Os participantes do evento foram: Yasheng Huang, professor de economia global e administração no MIT; Ross LaJeunesse, chefe global de liberdade de expressão e relações internacionais […]
Da Redação
Publicado em 28 de outubro de 2016 às 14h57.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h53.
Em setembro, o New York Times sediou um painel de discussões sobre democracia e negócios no Fórum de Democracia de Atenas 2016. O debate foi mediado por Paul Krugman. Os participantes do evento foram: Yasheng Huang, professor de economia global e administração no MIT; Ross LaJeunesse, chefe global de liberdade de expressão e relações internacionais do Google; e Yanis Varoufakis, ex-ministro da Fazenda da Grécia. A seguir, a primeira das duas partes da conversa editada.
Paul Krugman: Vivemos num mundo que, de muitas maneiras, a atividade de nossos países são os negócios. Há muitas corporações fortes, muita concentração de riqueza privada e, ao mesmo tempo, a sociedade dos países é, em sua maioria, democrática — pelo menos em teoria (e, esperemos, até certo ponto, em funcionalidade). [Isso] levanta uma série de questões sobre relacionamento — dos dois lados. A democracia é boa para os negócios, e os negócios são bons para a democracia? Quero começar com Yasheng. A pergunta é: quão compatíveis são os interesses dos negócios com os processos democráticos? Houve episódios na história em que muitos empresários pareciam acreditar que a autocracia resolveria parte da confusão. Você quer comentar como vê essa questão hoje?
Yasheng Huang: Antes de discutirmos negócios e democracia, precisamos falar sobre negócios e autocracia. Vamos lá: [Donald] Trump, você sabe, é um exemplo claro de adoração a [Vladimir] Putin. Ele ainda não declarou seu culto ao presidente [da China] Xi Jinping — talvez ele não saiba pronunciar o nome. Mas, historicamente, já ocorreu de empresários proeminentes elogiarem regimes autocráticos, isso nos anos 1920-30. E empresários contemporâneos também elogiam a China. Então há uma evidência forte de que existe afinidade entre alguns empresários e a autocracia. Creio que a pergunta mais apropriada seja “por quê?”.
Podem ser duas as razões. Uma é pragmática: autocracias gostam de controlar coisas tangíveis — energia e terra. Assim, talvez por uma necessidade empresarial, você tem de louvar os méritos dos autocratas, porque esses são os ativos que eles controlam. É interessante notar que, tanto nos Estados Unidos quanto na China, os obstáculos às reformas tendem a vir do setor energético. Na década de 70, as lideranças reformistas desmontaram a gangue do petróleo para dar início às reformas. A outra razão pode ser ideológica, o que significa que há muitos empresários importantes enxergando uma réplica da autocracia em suas próprias organizações. Então talvez isso tenha a ver também.
Krugman: Demonstrar obediência a um autocrata estabelecido é uma coisa numa empresa — você pode facilmente notar as pessoas fazendo isso. Mas existe hoje um anseio pela autocracia nas sociedades que não a têm. E você está dizendo que isso tem a ver, em parte, com o fato de os CEOs enxergarem num autocrata uma imagem deles mesmos ou uma versão glorificada de si mesmos.
Huang: Bem, eu acredito que muitos CEOs desprezam a política. Em 1972, a revista Fortune publicou um artigo elogiando o Brasil — aliás, o Brasil naquela ocasião era considerado um milagre econômico. O Brasil era governado por militares. E o artigo elogiava o Brasil pela ausência de política. Ou seja, os CEOs comandam suas empresas como todo-poderosos, sem política. O que eles não entenderam direito ainda é que a política vai aparecer em algum lugar. Então, se você não tem esse tipo de política, outra pessoa está arcando com os custos disso. O que acontece nas autocracias é que essa pessoa é o cidadão comum, a população no campo, que paga o preço elevado da autocracia.
Krugman: Você está dizendo que autocracias controlam coisas tangíveis. Ross, você está numa empresa intangível por excelência. Quer falar sobre isso, sobre como o setor de informação enxerga tudo isso?
Ross LaJeunesse: Claro. Creio que a primeira coisa que devo dizer, contudo, é que, embora eu esteja em um painel com três economistas bastante renomados, sou a única pessoa representando uma empresa. Mas me parece um pouco superficial falar de democracia e negócios — não existe algo assim. Há muitas empresas diferentes e muitas maneiras diferentes de ter um negócio. E mesmo numa indústria como a nossa, como o Google, que lida com informação, tecnologia e internet, há muitos modelos de negócios diferentes, muitas filosofias, muitas maneiras de administrar um negócio.
Então eu só posso falar pelo Google e dizer que, para nosso negócio — quando falamos de internet, de inovação, de tecnologia —, é bastante claro que isso tem sido um impulsionador fantástico da democracia. Permitiu vozes que nunca foram ouvidas antes. Expandiu a comunicação e conexões entre as pessoas. E permitiu acesso à informação e a um nível de transparência que nós não tínhamos visto antes.
Agora, é confuso. Não quer dizer que seja algo fácil, e que o mundo de repente se tornou muito mais fácil de entender. Em muitas maneiras, ele pode ser mais complicado de entender neste dilúvio de informação e conexão. Mas é uma boa coisa, ainda que seja confusa. Na verdade, é algo maravilhoso. E acho que o que eu acabo de descrever, quando falo dessa bagunça e dilúvio de informação e conexão, soa muito parecido com a própria democracia, na verdade.
Krugman: Democracia não tem a ver só com ouvir vozes. Também diz respeito a algumas proteções, e respeitar coisas como privacidade. E há no mínimo algum conflito em potencial que esse fluxo amplo e aberto de informações pode… por exemplo, há questões de justiça, de difamação. Nós temos na Europa o direito de ser esquecidos, e o Facebook está tendo esses problemas terríveis com seus algoritmos, tentando proporcionar um feed de notícias que no fim acaba impulsionando teorias conspiratórias para o topo da lista. Qual sua visão disso tudo, e onde esse equilíbrio é atingido?
LaJeunesse: Você está totalmente certo, com certeza há muitas questões difíceis e desafios que nós estamos enfrentando. Mas eu quero lembrar a todos que ainda estamos nos primórdios da internet. Eu me lembro de uma época não muito distante em que não havia os dispositivos que temos hoje — não tínhamos as conexões nem os benefícios da tecnologia que temos hoje. Alguns de nós podem desejar que esse tempo volte, mas acho que a prova do valor dessa tecnologia é: tudo de que eu preciso é olhar para a plateia agora e ver centenas de aparelhos ligados neste instante, centenas de rostos iluminados por dispositivos. Creio que isso seja uma prova em si mesma do poder dessa tecnologia e de seu poder para o bem.
Krugman: Há a singular experiência de tentar dar aula enquanto todo mundo está olhando para um dispositivo, e você tem esperança de que eles estejam tomando nota da aula, mas eles podem muito bem estar olhando…
LaJeunesse: Posso abordar esse ponto? Como disse, ainda estamos nos primórdios — mas acredito que nós, como sociedade, temos um desafio muito mais urgente, que é ensinar a nossos filhos como ser cidadãos digitais. Tenho duas sobrinhas pequenas. Ensinamos elas a olhar para os dois lados antes de atravessar a rua. Algumas coisas básicas que se ensina a qualquer criança. No entanto, quando notamos quão poderosa e determinante a internet é na nossa vida hoje e quão incrivelmente poderosa ela será no futuro, vemos que não estamos fazendo o bastante. Não só na questão de ensinar nossas crianças a usar esse negócio mas também em como lidar com alguns desses assuntos que você mencionou, Paul, que são: não acreditar em tudo que vê online, proteger a si mesmo e sua privacidade online e [aprender] a ser cidadãos digitais. É uma responsabilidade incrível estar online e ser um cidadão digital. E nós realmente precisamos ser muito proativos para lidar com esse desafio.
Em setembro, o New York Times sediou um painel de discussões sobre democracia e negócios no Fórum de Democracia de Atenas 2016. O debate foi mediado por Paul Krugman. Os participantes do evento foram: Yasheng Huang, professor de economia global e administração no MIT; Ross LaJeunesse, chefe global de liberdade de expressão e relações internacionais do Google; e Yanis Varoufakis, ex-ministro da Fazenda da Grécia. A seguir, a primeira das duas partes da conversa editada.
Paul Krugman: Vivemos num mundo que, de muitas maneiras, a atividade de nossos países são os negócios. Há muitas corporações fortes, muita concentração de riqueza privada e, ao mesmo tempo, a sociedade dos países é, em sua maioria, democrática — pelo menos em teoria (e, esperemos, até certo ponto, em funcionalidade). [Isso] levanta uma série de questões sobre relacionamento — dos dois lados. A democracia é boa para os negócios, e os negócios são bons para a democracia? Quero começar com Yasheng. A pergunta é: quão compatíveis são os interesses dos negócios com os processos democráticos? Houve episódios na história em que muitos empresários pareciam acreditar que a autocracia resolveria parte da confusão. Você quer comentar como vê essa questão hoje?
Yasheng Huang: Antes de discutirmos negócios e democracia, precisamos falar sobre negócios e autocracia. Vamos lá: [Donald] Trump, você sabe, é um exemplo claro de adoração a [Vladimir] Putin. Ele ainda não declarou seu culto ao presidente [da China] Xi Jinping — talvez ele não saiba pronunciar o nome. Mas, historicamente, já ocorreu de empresários proeminentes elogiarem regimes autocráticos, isso nos anos 1920-30. E empresários contemporâneos também elogiam a China. Então há uma evidência forte de que existe afinidade entre alguns empresários e a autocracia. Creio que a pergunta mais apropriada seja “por quê?”.
Podem ser duas as razões. Uma é pragmática: autocracias gostam de controlar coisas tangíveis — energia e terra. Assim, talvez por uma necessidade empresarial, você tem de louvar os méritos dos autocratas, porque esses são os ativos que eles controlam. É interessante notar que, tanto nos Estados Unidos quanto na China, os obstáculos às reformas tendem a vir do setor energético. Na década de 70, as lideranças reformistas desmontaram a gangue do petróleo para dar início às reformas. A outra razão pode ser ideológica, o que significa que há muitos empresários importantes enxergando uma réplica da autocracia em suas próprias organizações. Então talvez isso tenha a ver também.
Krugman: Demonstrar obediência a um autocrata estabelecido é uma coisa numa empresa — você pode facilmente notar as pessoas fazendo isso. Mas existe hoje um anseio pela autocracia nas sociedades que não a têm. E você está dizendo que isso tem a ver, em parte, com o fato de os CEOs enxergarem num autocrata uma imagem deles mesmos ou uma versão glorificada de si mesmos.
Huang: Bem, eu acredito que muitos CEOs desprezam a política. Em 1972, a revista Fortune publicou um artigo elogiando o Brasil — aliás, o Brasil naquela ocasião era considerado um milagre econômico. O Brasil era governado por militares. E o artigo elogiava o Brasil pela ausência de política. Ou seja, os CEOs comandam suas empresas como todo-poderosos, sem política. O que eles não entenderam direito ainda é que a política vai aparecer em algum lugar. Então, se você não tem esse tipo de política, outra pessoa está arcando com os custos disso. O que acontece nas autocracias é que essa pessoa é o cidadão comum, a população no campo, que paga o preço elevado da autocracia.
Krugman: Você está dizendo que autocracias controlam coisas tangíveis. Ross, você está numa empresa intangível por excelência. Quer falar sobre isso, sobre como o setor de informação enxerga tudo isso?
Ross LaJeunesse: Claro. Creio que a primeira coisa que devo dizer, contudo, é que, embora eu esteja em um painel com três economistas bastante renomados, sou a única pessoa representando uma empresa. Mas me parece um pouco superficial falar de democracia e negócios — não existe algo assim. Há muitas empresas diferentes e muitas maneiras diferentes de ter um negócio. E mesmo numa indústria como a nossa, como o Google, que lida com informação, tecnologia e internet, há muitos modelos de negócios diferentes, muitas filosofias, muitas maneiras de administrar um negócio.
Então eu só posso falar pelo Google e dizer que, para nosso negócio — quando falamos de internet, de inovação, de tecnologia —, é bastante claro que isso tem sido um impulsionador fantástico da democracia. Permitiu vozes que nunca foram ouvidas antes. Expandiu a comunicação e conexões entre as pessoas. E permitiu acesso à informação e a um nível de transparência que nós não tínhamos visto antes.
Agora, é confuso. Não quer dizer que seja algo fácil, e que o mundo de repente se tornou muito mais fácil de entender. Em muitas maneiras, ele pode ser mais complicado de entender neste dilúvio de informação e conexão. Mas é uma boa coisa, ainda que seja confusa. Na verdade, é algo maravilhoso. E acho que o que eu acabo de descrever, quando falo dessa bagunça e dilúvio de informação e conexão, soa muito parecido com a própria democracia, na verdade.
Krugman: Democracia não tem a ver só com ouvir vozes. Também diz respeito a algumas proteções, e respeitar coisas como privacidade. E há no mínimo algum conflito em potencial que esse fluxo amplo e aberto de informações pode… por exemplo, há questões de justiça, de difamação. Nós temos na Europa o direito de ser esquecidos, e o Facebook está tendo esses problemas terríveis com seus algoritmos, tentando proporcionar um feed de notícias que no fim acaba impulsionando teorias conspiratórias para o topo da lista. Qual sua visão disso tudo, e onde esse equilíbrio é atingido?
LaJeunesse: Você está totalmente certo, com certeza há muitas questões difíceis e desafios que nós estamos enfrentando. Mas eu quero lembrar a todos que ainda estamos nos primórdios da internet. Eu me lembro de uma época não muito distante em que não havia os dispositivos que temos hoje — não tínhamos as conexões nem os benefícios da tecnologia que temos hoje. Alguns de nós podem desejar que esse tempo volte, mas acho que a prova do valor dessa tecnologia é: tudo de que eu preciso é olhar para a plateia agora e ver centenas de aparelhos ligados neste instante, centenas de rostos iluminados por dispositivos. Creio que isso seja uma prova em si mesma do poder dessa tecnologia e de seu poder para o bem.
Krugman: Há a singular experiência de tentar dar aula enquanto todo mundo está olhando para um dispositivo, e você tem esperança de que eles estejam tomando nota da aula, mas eles podem muito bem estar olhando…
LaJeunesse: Posso abordar esse ponto? Como disse, ainda estamos nos primórdios — mas acredito que nós, como sociedade, temos um desafio muito mais urgente, que é ensinar a nossos filhos como ser cidadãos digitais. Tenho duas sobrinhas pequenas. Ensinamos elas a olhar para os dois lados antes de atravessar a rua. Algumas coisas básicas que se ensina a qualquer criança. No entanto, quando notamos quão poderosa e determinante a internet é na nossa vida hoje e quão incrivelmente poderosa ela será no futuro, vemos que não estamos fazendo o bastante. Não só na questão de ensinar nossas crianças a usar esse negócio mas também em como lidar com alguns desses assuntos que você mencionou, Paul, que são: não acreditar em tudo que vê online, proteger a si mesmo e sua privacidade online e [aprender] a ser cidadãos digitais. É uma responsabilidade incrível estar online e ser um cidadão digital. E nós realmente precisamos ser muito proativos para lidar com esse desafio.