As tarifas de Trump: Perguntas e respostas
As mais frequentes dúvidas sobre a decisão tarifáriado presidente Trump tentam ser sanadas
Da Redação
Publicado em 28 de março de 2018 às 11h20.
Paul Krugman recebeu perguntas dos leitores sobre o comércio após o anúncio do presidente Trump de novas tarifas sobre importações de aço e de alumínio. Aqui estão as respostas dele a algumas das centenas de perguntas que ele recebeu.
+++
1.Literalmente todo pequeno item de consumo que eu compro é feito na China. Por favor, explique como isso aconteceu (e se você acha que nós podemos ou devíamos tomar medidas para mudar isso).
2.Será que todos os empregos no setor industrial deveriam migrar para os ambientes de menor custo e menores salários, independentemente das condições de trabalho ou impacto ambiental? Caso negativo, como um sistema de livre comércio pode prevenir isso?
3.O governo da China está subsidiando o crescimento da sua indústria de carros elétricos ao fornecer subsídios bastante significativos (de aproximadamente um terço do custo) aos consumidores. Esse subsídio vai permitir à indústria ganhar escala muito mais depressa e fabricar carros elétricos muito mais baratos que qualquer outro país. Em um mundo de livre comércio, isso é bom planejamento ou trapaça?
— NICK VAN KLEECK, TUCSON, ARIZONA.
Paul Krugman: 1.É em parte um tipo de ilusão de ótica. A China domina a montagem de muitos bens graças à combinação de salários ainda baixos e de uma ampla “ecologia” industrial de empresas que a apoiam. Mas muito do valor de um bem vem, na prática, de outros lugares. Por exemplo, os iPhones são “feitos” na China, mas a China responde por apenas 4% do preço deles.
2.Não totalmente – ainda há espaço para insistir em condições básicas de trabalho e em regulamentação ambiental. Mas não muito. Considere Bangladesh: Tudo que o país possui é uma ampla força de trabalho, com uma produtividade consideravelmente baixa. Salários baixos são a única maneira pela qual eles podem se vender em mercados mundiais. Se nós insistirmos que eles sigam as regras do primeiro mundo, nós basicamente estamos dizendo a eles que morram de fome.
3.É complicado. Subsidiar consumidores é ok pelas regras, mas subsidiar produtores não. Se os Estados Unidos oferecessem isenções fiscais para carros elétricos, seria perfeitamente legal pelas normas da Organização Mundial do Comércio. O problema é que, dada a realidade chinesa, você não vai ver muitos carros elétricos estrangeiros à venda por lá. Mas, pelo jeito que coisas assim costumam ser, este não é um exemplo particularmente gritante.
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Eu me lembro de, na minha graduação (1964), estudar a Lei de Expansão Comercial de 1962 do presidente Kennedy. Foi em uma aula de economia política. Qual foi o significado desta lei, e ela foi bipartidária? Além disso, indique algumas leituras sobre economia política.
— MORGAN RAUCH, HOUSTON, TEX.
P.K.: Foi bipartidária, e na verdade era uma continuação do processo de liberalização comercial recíproca que começou em 1934, no governo de Franklin D. Roosevelt. O que mudou na “Rodada Kennedy” foi que, à medida em que se esgotaram os alvos fáceis para acordos comerciais, nós nos voltamos para fórmulas internacionalmente estabelecidas: Cortar todas as taxas em X%, e depois negociar as isenções. Mas a carga mais pesada da redução de tarifas já havia acontecido.
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Minha dúvida: Como os trabalhadores da indústria americana do aço vão se sair como consequência desta tarifa? Eu ouvi o diretor de um sindicato de trabalhadores na indústria siderúrgica elogiar essa taxa na NPR ( rádio pública americana ), e o tom usado por ele foi de que as preces dele foram atendidas!
— JAMES C., BROOKLYN
P.K.: Nós vamos gerar uns poucos empregos na indústria do aço. Mas vamos perder empregos em outras indústrias, mais “para baixo da cadeia alimentar”, como a de automóveis. A maioria dos estudos sobre as tarifas do aço de 2002 diz que eles custaram empregos em volume líquido. Ou seja, sim, os empregados na siderurgia vão ganhar um pouco, mas a que custo para os outros trabalhadores?
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Eu vivo muito perto de uma indústria siderúrgica grande e enferrujada, a Bethlehem Steel, em Steelton, em Pennsylvania. Cheguei aqui há 44 anos e ela já estava encaminhada em seu triste trajeto rumo à obsolescência atual. O Sr. Trump descreveu o desenrolar deste fenômeno. Depois, ele fez os trabalhadores do sindicato falarem sobre a redução da produção a 20% do que foi no auge da produção doméstica de aço. Que fonte de financiamento poderia surgir para repaginar este trambolho enferrujado de 5,5km? Seriam necessários bilhões de dólares em investimentos. A ideia de “Tornar a América grande de novo” parece baseada em recriar a economia das décadas de 50, 60 e 70. Isto e mais a volta do carvão às grandes cordilheiras da Pennsylvania parecem uma memória distante. Será que a revitalização destas antigas indústrias sequer é possível? Não custaria demais recuperar os empregos do Cinturão da Ferrugem? Ou, ainda, será que isso arruinaria a paisagem de outra comunidade?
— C.C., NEW CUMBERLAND, PA.
P.K.: Não há como trazer de volta todos aqueles empregos no setor do aço e as fábricas, mesmo que nós cessássemos todas as importações. Isso acontece em parte porque uma economia moderna não usa tanto aço assim, e em parte porque nós podemos produzir aço usando muito menos mão de obra, e em outra parte porque as tradicionais fábricas com fornalhas foram substituídas por miniusinas, que usam sucata metálica e não ficam nos mesmos lugares. Então, tudo isso é fantasia.
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Que crítica você faz ao argumento anticomércio feito pela ala Warren-Sanders do Partido Democrático: que o livre comércio tem sido ruim para o (dito) trabalhador americano e tem contribuído significativamente para a crescente desigualdade de salário e renda da América? Será que a resposta é simplesmente que os benefícios do livre comércio – em geral, preços menores – são difusos e, portanto, subvalorizados, ao passo que os custos – o deslocamento dos trabalhadores em setores específicos – são concentrados e, consequentemente, mais fáceis de se destacar?
Quanto do aumento na desigualdade de renda da América no último meio século você atribui ao livre comércio?
Obrigado por falar sobre isso.
— JG IN CT, GREENWICH, CONN.
Como nós deveríamos lidar com a desindustrialização e perda de comunidades que o livre comércio tem causado? Se tarifas não são a resposta, que políticas você recomendaria?
— L MARCUS, NOVA YORK.
P.K.: Há algo de verdadeiro no argumento de que o comércio crescente tem contribuído para a desigualdade crescente; se as importações de produtos dos países desenvolvidos estivessem tão baixas quanto estavam em, digamos, 1970, os salários reais dos operários provavelmente estariam alguns pontos percentuais acima de onde eles estão.
Porém, o nível de protecionismo que seria preciso para recuperar estes poucos por cento teria diversos efeitos colaterais feios. Se nós queremos ajudar os trabalhadores – e nós queremos -, existem jeitos melhores. Vocês devem se lembrar de Bernie Sanders usando a Dinamarca como exemplo. É um bom exemplo: salários muito melhores, uma rede de proteção social muito mais robusta, uma força de trabalho em sua maioria sindicalizada. Mas a Dinamarca é tão aberta ao comércio mundial quanto nós somos. São as políticas internas – desde a tributação até as decisões sobre gastos, passando pelas políticas pró-trabalho no setor de serviços – que fazem a diferença.
Cobertura de saúde universal e o direito à organização fazem uma diferença muito maior para os trabalhadores que políticas comerciais.
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Por que o presidente dos Estados Unidos tem a autoridade para tomar decisões (como impor tarifas) que têm impactos significativos na economia, no comércio, nas relações com os aliados etc – com impunidade, e sem a participação do Congresso? Que caminho o Congresso deveria tomar para restringir os poderes dele?
— RICKY, SAINT PAUL, MINN.
P.K.: Na verdade, o Congresso limitou seu próprio papel voluntariamente, para proteger a si próprio de políticas de interesses particulares: Eles volta e meia aprovam grandes acordos comerciais de uma vez só, e depois ficam fora disso. Contudo, dadas as realidades das tensões comerciais, o sistema precisa de algumas “válvulas de escape” – jeitos de proporcionar alívio temporário em casos mais difíceis. É por isso que o presidente tem certas maneiras de impor tarifas: caso seja descoberto que uma indústria foi prejudicada por uma onda de importações, se a segurança nacional estiver em perigo, ou se estrangeiros implementarem práticas injustas.
Porém, o que se supõe é que tais poderes não sejam usados arbitrariamente: é esperado que haja um estudo independente do tema, e que a presidência atue com base nisto.
O que está acontecendo com o Sr. Trump é um abuso do processo: O Departamento de Comércio apareceu com uma lógica de segurança nacional obviamente mentirosa para as taxas que o Sr. Trump queria impor por outros motivos.
Ou seja, nós temos um processo que dá ao presidente algum arbítrio, por razões bastante boas – mas ele também presume que os ditos presidentes atuarão com honestidade e responsabilidade. O processo vem abaixo quando você está lidando com alguém como o Sr. Trump.
+
Nós vamos conseguir desfazer isto depois que este governo for tirado do poder pelo voto? Ou isso tem efeitos demais no longo prazo?
— STEPHANIE MINISTER, HINGHAM, MASS.
P.K.: A presidente Oprah Winfrey, ou quem quer que seja, pode revogar estas tarifas com uma canetada. No entanto, nós podemos entrar em uma guerra comercial de grande escala antes que isso aconteça, e neste caso os Estados Unidos já terão perdido sua reputação como um parceiro de negócios confiável.
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Minha pergunta é: Que papel o livre comércio tem na desigualdade de renda, e na concentração da renda em uma economia global?
Tenho poucas dúvidas de que o comércio cria valor. Na média, todo mundo acaba mais rico com o livre comércio – é uma alocação melhor dos recursos.
Raramente eu vejo alguém abordar o tema da distribuição desigual do valor criado pelo comércio.
Sem dúvida, todos os operários desfrutam de preços menores em roupas em uma Walmart feita com tecido de baixo custo da China, mas algum trabalhador perdeu um emprego de US$ 25 a hora em uma tecelagem dos Estados Unidos. O incoveniente do livre comércio fica concentrado em um grupo relativamente pequeno de pessoas.
Eu também acredito que financistas e a classe de capitalistas mantenham uma grande parte das economias quando empregos americanos são enviados para o exterior, e trabalhadores individuais com alcance geográfico limitado pagam um preço.
Para mim a questão não é SE o comércio cria riqueza, mas para quem a riqueza é criada.
— TOM STOLTZ, DETROIT
P.K.: Tem havido um bocado de trabalhos em cima desta questão ao longo dos anos. Em 1995, eu estimei que o comércio ampliou a distância entre trabalhadores com e sem ensino superior em 3%, e este número seguramente aumentou desde então, ainda que talvez tenha subido apenas alguns pontos. Por sinal, esta limitação afeta bastante gente, e não apenas um grupo restrito.
Nós também achamos que a disparada nas importações entre 2000 e 2007 desempregou algo em torno de um milhão de trabalhadores.
A maioria deles eventualmente arrumou outras ocupações, mas muitos tiveram cortes de salário, além de algumas comunidades terem sido fortemente prejudicadas.
Ou seja, este não é um tema que os economistas têm ignorado. Você quer apenas saber qual o melhor jeito de ajudar os trabalhadores, e tarifas raramente são a solução.
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Será que um déficit comercial perpétuo (e crescente) é desejável ou até mesmo sustentável no prazo muito longo? Muito da nossa dívida hoje está nas mãos de outros países (veja China e Japão, por exemplo). Nós não estamos abrindo mão da nossa riqueza nacional para nossos parceiros comerciais? Eu sou a favor do livre comércio, mas sempre fiquei intrigado com o déficit comercial que vem aumentando há décadas.
Por exemplo, a Alemanha, uma democracia ocidental, consegue gerar um superávit comercial (com a ajuda do euro, é claro, mas eles ainda produzem bens que as pessoas querem mesmo fora da eurozona).
Eu tenho lido explicações de que o privilégio de ter uma reserva monetária tem um preço, que é bancar superávits comerciais, e isto por sua vez possibilitaria taxas de juros menores e crescimento maior.
Parece interessante, mas nós ainda podemos dizer que a dívida crescente é sustentável no longo prazo? Qual a sua visão?
— COSTA GLARETAS
P.K.: Basicamente, nós temos déficits comerciais persistentes porque nós temos poupanças baixas e continuamos a ser um local atraente para os estrangeiros investirem. Como resultado, os Estados Unidos, que eram um país credor antes mesmo de nós começarmos a gerar déficits persistentes, em 1980, são hoje um devedor líquido. Mas você precisa colocar as coisas em uma certa perspectiva. Nossa “posição internacional de investimento líquida” – ativos no exterior menos passivos – é de cerca de -45% do produto interno bruto, o que não é um número tão grande assim, considerando-se todo o restante.
Por exemplo, é menos de 10% da nossa riqueza nacional.
E a ideia de que isto dá aos estrangeiros bastante poder sobre a América está invertida. Pelo contrário, de certo modo isso faz deles nossos reféns: A China tem bastante dinheiro amarrado na América. Suponhamos que eles tentem tirá-lo: o pior que poderia acontecer seria uma queda do dólar, o que seria bom para a manufatura dos EUA e causaria um prejuízo capital em nossos credores.
Muitas coisas me preocupam; nossa dívida externa, nem tanto.
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Talvez alguma outra coisa esteja acontecendo aqui. Por exemplo, o aço e o alumínio são indústrias-chave em Pittsburgh (terra da Alcoa). Por acaso a necessidade de interromper a série de vitórias democratas nas eleições de meio de mandato poderia ter um papel no timing e na escolha dos alvos destas tarifas?
— PETER, SAN MATEO, CALIF.
P.K.: É bem possível. Nós sabemos que foi por isso que o presidente George W. Bush impôs tarifas sobre o aço em 2002. Mas eu creio que isso seja basicamente o Sr. Trump tentando parecer durão. A título de palpite, Stormy Daniels (atriz de filmes pornográficos que diz ter tido um caso com Trump) teve um impacto maior que a eleição de meio de mandato na Pennsylvania.
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Claramente, o comércio global é complicado demais para o Sr. Trump concebê-lo. Mas Paul Krugman? Não. Não é tão complicado. Vamos lá: Faça de conta que você está no lugar de Trump, mas com o seu conhecimento e perspicácia. O que você faria em relação ao comércio? Seu top três de lances/passes.
— JACK, NASHVILLE
P.K.: Basicamente, a política comercial dos Estados Unidos é ok. Os velhos tempos de milhares de empregos no setor de produção não vão voltar não importa o que façamos, e tentar salvar alguns deles rasgando acordos comerciais poderia causar diversos efeitos colaterais indesejados.
Eu fui contra a Parceria Transpacífico, mas não porque eu deseje uma volta ao protecionismo: O problema com a TPP foi que ela não tinha nada a ver com comércio, e sim com propriedade intelectual (por exemplo, patentes farmacêuticas) e resolução de conflitos (dando mais poder às empresas).
O que nós precisamos é de um compromisso renovado com o acesso universal aos serviços de saúde, muito mais investimentos em infraestrutura, políticas para ajudar famílias e um retorno às políticas que fortaleçam sindicatos, principalmente no setor de serviços. Definir o comércio como problema é só um artifício para desviarmos de soluções reais.
+
Quais são as piores repercussões possíveis destas taxas quando nossos parceiros comerciais retaliarem?
— DONALD FERRUZZI, CENTEREACH, N.Y.
P.K.: No curto prazo, há um grande aumento da turbulência: Nós eventualmente ganharíamos empregos em indústrias que competem no setor de importação, mas imediatamente perderíamos diversos empregos tanto nos setores de exportação (inclusive agrícola) quanto em indústrias que são hoje parte de cadeias de suprimento globais, como automóveis e eletrônicos. Ou seja, estaríamos falando de milhões de perdedores imediatos, ainda que alguns eventualmente saiam ganhando.
No longúissimo prazo, a economia seria muito menos eficiente: Em vez de nos concentrarmos nas coisas em que somos particularmente bons, nós estaríamos fazendo muitas das coisas mais trabalhosas para nós mesmos. Eu não tenho visto nenhuma estimativa boa de quão mais pobres ficaríamos, mas certamente seria muito pior que o Brexit, cujas estimativas típicas dizem que vai tornar a Inglaterra aproximadamente 2% mais pobre.
Não estamos falando no fim do mundo ou mesmo de uma depressão grande aqui. Apenas de uma bagunça no curto prazo e de um crescimento fortemente arrastado no longo prazo.
Paul Krugman recebeu perguntas dos leitores sobre o comércio após o anúncio do presidente Trump de novas tarifas sobre importações de aço e de alumínio. Aqui estão as respostas dele a algumas das centenas de perguntas que ele recebeu.
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1.Literalmente todo pequeno item de consumo que eu compro é feito na China. Por favor, explique como isso aconteceu (e se você acha que nós podemos ou devíamos tomar medidas para mudar isso).
2.Será que todos os empregos no setor industrial deveriam migrar para os ambientes de menor custo e menores salários, independentemente das condições de trabalho ou impacto ambiental? Caso negativo, como um sistema de livre comércio pode prevenir isso?
3.O governo da China está subsidiando o crescimento da sua indústria de carros elétricos ao fornecer subsídios bastante significativos (de aproximadamente um terço do custo) aos consumidores. Esse subsídio vai permitir à indústria ganhar escala muito mais depressa e fabricar carros elétricos muito mais baratos que qualquer outro país. Em um mundo de livre comércio, isso é bom planejamento ou trapaça?
— NICK VAN KLEECK, TUCSON, ARIZONA.
Paul Krugman: 1.É em parte um tipo de ilusão de ótica. A China domina a montagem de muitos bens graças à combinação de salários ainda baixos e de uma ampla “ecologia” industrial de empresas que a apoiam. Mas muito do valor de um bem vem, na prática, de outros lugares. Por exemplo, os iPhones são “feitos” na China, mas a China responde por apenas 4% do preço deles.
2.Não totalmente – ainda há espaço para insistir em condições básicas de trabalho e em regulamentação ambiental. Mas não muito. Considere Bangladesh: Tudo que o país possui é uma ampla força de trabalho, com uma produtividade consideravelmente baixa. Salários baixos são a única maneira pela qual eles podem se vender em mercados mundiais. Se nós insistirmos que eles sigam as regras do primeiro mundo, nós basicamente estamos dizendo a eles que morram de fome.
3.É complicado. Subsidiar consumidores é ok pelas regras, mas subsidiar produtores não. Se os Estados Unidos oferecessem isenções fiscais para carros elétricos, seria perfeitamente legal pelas normas da Organização Mundial do Comércio. O problema é que, dada a realidade chinesa, você não vai ver muitos carros elétricos estrangeiros à venda por lá. Mas, pelo jeito que coisas assim costumam ser, este não é um exemplo particularmente gritante.
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Eu me lembro de, na minha graduação (1964), estudar a Lei de Expansão Comercial de 1962 do presidente Kennedy. Foi em uma aula de economia política. Qual foi o significado desta lei, e ela foi bipartidária? Além disso, indique algumas leituras sobre economia política.
— MORGAN RAUCH, HOUSTON, TEX.
P.K.: Foi bipartidária, e na verdade era uma continuação do processo de liberalização comercial recíproca que começou em 1934, no governo de Franklin D. Roosevelt. O que mudou na “Rodada Kennedy” foi que, à medida em que se esgotaram os alvos fáceis para acordos comerciais, nós nos voltamos para fórmulas internacionalmente estabelecidas: Cortar todas as taxas em X%, e depois negociar as isenções. Mas a carga mais pesada da redução de tarifas já havia acontecido.
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Minha dúvida: Como os trabalhadores da indústria americana do aço vão se sair como consequência desta tarifa? Eu ouvi o diretor de um sindicato de trabalhadores na indústria siderúrgica elogiar essa taxa na NPR ( rádio pública americana ), e o tom usado por ele foi de que as preces dele foram atendidas!
— JAMES C., BROOKLYN
P.K.: Nós vamos gerar uns poucos empregos na indústria do aço. Mas vamos perder empregos em outras indústrias, mais “para baixo da cadeia alimentar”, como a de automóveis. A maioria dos estudos sobre as tarifas do aço de 2002 diz que eles custaram empregos em volume líquido. Ou seja, sim, os empregados na siderurgia vão ganhar um pouco, mas a que custo para os outros trabalhadores?
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Eu vivo muito perto de uma indústria siderúrgica grande e enferrujada, a Bethlehem Steel, em Steelton, em Pennsylvania. Cheguei aqui há 44 anos e ela já estava encaminhada em seu triste trajeto rumo à obsolescência atual. O Sr. Trump descreveu o desenrolar deste fenômeno. Depois, ele fez os trabalhadores do sindicato falarem sobre a redução da produção a 20% do que foi no auge da produção doméstica de aço. Que fonte de financiamento poderia surgir para repaginar este trambolho enferrujado de 5,5km? Seriam necessários bilhões de dólares em investimentos. A ideia de “Tornar a América grande de novo” parece baseada em recriar a economia das décadas de 50, 60 e 70. Isto e mais a volta do carvão às grandes cordilheiras da Pennsylvania parecem uma memória distante. Será que a revitalização destas antigas indústrias sequer é possível? Não custaria demais recuperar os empregos do Cinturão da Ferrugem? Ou, ainda, será que isso arruinaria a paisagem de outra comunidade?
— C.C., NEW CUMBERLAND, PA.
P.K.: Não há como trazer de volta todos aqueles empregos no setor do aço e as fábricas, mesmo que nós cessássemos todas as importações. Isso acontece em parte porque uma economia moderna não usa tanto aço assim, e em parte porque nós podemos produzir aço usando muito menos mão de obra, e em outra parte porque as tradicionais fábricas com fornalhas foram substituídas por miniusinas, que usam sucata metálica e não ficam nos mesmos lugares. Então, tudo isso é fantasia.
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Que crítica você faz ao argumento anticomércio feito pela ala Warren-Sanders do Partido Democrático: que o livre comércio tem sido ruim para o (dito) trabalhador americano e tem contribuído significativamente para a crescente desigualdade de salário e renda da América? Será que a resposta é simplesmente que os benefícios do livre comércio – em geral, preços menores – são difusos e, portanto, subvalorizados, ao passo que os custos – o deslocamento dos trabalhadores em setores específicos – são concentrados e, consequentemente, mais fáceis de se destacar?
Quanto do aumento na desigualdade de renda da América no último meio século você atribui ao livre comércio?
Obrigado por falar sobre isso.
— JG IN CT, GREENWICH, CONN.
Como nós deveríamos lidar com a desindustrialização e perda de comunidades que o livre comércio tem causado? Se tarifas não são a resposta, que políticas você recomendaria?
— L MARCUS, NOVA YORK.
P.K.: Há algo de verdadeiro no argumento de que o comércio crescente tem contribuído para a desigualdade crescente; se as importações de produtos dos países desenvolvidos estivessem tão baixas quanto estavam em, digamos, 1970, os salários reais dos operários provavelmente estariam alguns pontos percentuais acima de onde eles estão.
Porém, o nível de protecionismo que seria preciso para recuperar estes poucos por cento teria diversos efeitos colaterais feios. Se nós queremos ajudar os trabalhadores – e nós queremos -, existem jeitos melhores. Vocês devem se lembrar de Bernie Sanders usando a Dinamarca como exemplo. É um bom exemplo: salários muito melhores, uma rede de proteção social muito mais robusta, uma força de trabalho em sua maioria sindicalizada. Mas a Dinamarca é tão aberta ao comércio mundial quanto nós somos. São as políticas internas – desde a tributação até as decisões sobre gastos, passando pelas políticas pró-trabalho no setor de serviços – que fazem a diferença.
Cobertura de saúde universal e o direito à organização fazem uma diferença muito maior para os trabalhadores que políticas comerciais.
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Por que o presidente dos Estados Unidos tem a autoridade para tomar decisões (como impor tarifas) que têm impactos significativos na economia, no comércio, nas relações com os aliados etc – com impunidade, e sem a participação do Congresso? Que caminho o Congresso deveria tomar para restringir os poderes dele?
— RICKY, SAINT PAUL, MINN.
P.K.: Na verdade, o Congresso limitou seu próprio papel voluntariamente, para proteger a si próprio de políticas de interesses particulares: Eles volta e meia aprovam grandes acordos comerciais de uma vez só, e depois ficam fora disso. Contudo, dadas as realidades das tensões comerciais, o sistema precisa de algumas “válvulas de escape” – jeitos de proporcionar alívio temporário em casos mais difíceis. É por isso que o presidente tem certas maneiras de impor tarifas: caso seja descoberto que uma indústria foi prejudicada por uma onda de importações, se a segurança nacional estiver em perigo, ou se estrangeiros implementarem práticas injustas.
Porém, o que se supõe é que tais poderes não sejam usados arbitrariamente: é esperado que haja um estudo independente do tema, e que a presidência atue com base nisto.
O que está acontecendo com o Sr. Trump é um abuso do processo: O Departamento de Comércio apareceu com uma lógica de segurança nacional obviamente mentirosa para as taxas que o Sr. Trump queria impor por outros motivos.
Ou seja, nós temos um processo que dá ao presidente algum arbítrio, por razões bastante boas – mas ele também presume que os ditos presidentes atuarão com honestidade e responsabilidade. O processo vem abaixo quando você está lidando com alguém como o Sr. Trump.
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Nós vamos conseguir desfazer isto depois que este governo for tirado do poder pelo voto? Ou isso tem efeitos demais no longo prazo?
— STEPHANIE MINISTER, HINGHAM, MASS.
P.K.: A presidente Oprah Winfrey, ou quem quer que seja, pode revogar estas tarifas com uma canetada. No entanto, nós podemos entrar em uma guerra comercial de grande escala antes que isso aconteça, e neste caso os Estados Unidos já terão perdido sua reputação como um parceiro de negócios confiável.
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Minha pergunta é: Que papel o livre comércio tem na desigualdade de renda, e na concentração da renda em uma economia global?
Tenho poucas dúvidas de que o comércio cria valor. Na média, todo mundo acaba mais rico com o livre comércio – é uma alocação melhor dos recursos.
Raramente eu vejo alguém abordar o tema da distribuição desigual do valor criado pelo comércio.
Sem dúvida, todos os operários desfrutam de preços menores em roupas em uma Walmart feita com tecido de baixo custo da China, mas algum trabalhador perdeu um emprego de US$ 25 a hora em uma tecelagem dos Estados Unidos. O incoveniente do livre comércio fica concentrado em um grupo relativamente pequeno de pessoas.
Eu também acredito que financistas e a classe de capitalistas mantenham uma grande parte das economias quando empregos americanos são enviados para o exterior, e trabalhadores individuais com alcance geográfico limitado pagam um preço.
Para mim a questão não é SE o comércio cria riqueza, mas para quem a riqueza é criada.
— TOM STOLTZ, DETROIT
P.K.: Tem havido um bocado de trabalhos em cima desta questão ao longo dos anos. Em 1995, eu estimei que o comércio ampliou a distância entre trabalhadores com e sem ensino superior em 3%, e este número seguramente aumentou desde então, ainda que talvez tenha subido apenas alguns pontos. Por sinal, esta limitação afeta bastante gente, e não apenas um grupo restrito.
Nós também achamos que a disparada nas importações entre 2000 e 2007 desempregou algo em torno de um milhão de trabalhadores.
A maioria deles eventualmente arrumou outras ocupações, mas muitos tiveram cortes de salário, além de algumas comunidades terem sido fortemente prejudicadas.
Ou seja, este não é um tema que os economistas têm ignorado. Você quer apenas saber qual o melhor jeito de ajudar os trabalhadores, e tarifas raramente são a solução.
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Será que um déficit comercial perpétuo (e crescente) é desejável ou até mesmo sustentável no prazo muito longo? Muito da nossa dívida hoje está nas mãos de outros países (veja China e Japão, por exemplo). Nós não estamos abrindo mão da nossa riqueza nacional para nossos parceiros comerciais? Eu sou a favor do livre comércio, mas sempre fiquei intrigado com o déficit comercial que vem aumentando há décadas.
Por exemplo, a Alemanha, uma democracia ocidental, consegue gerar um superávit comercial (com a ajuda do euro, é claro, mas eles ainda produzem bens que as pessoas querem mesmo fora da eurozona).
Eu tenho lido explicações de que o privilégio de ter uma reserva monetária tem um preço, que é bancar superávits comerciais, e isto por sua vez possibilitaria taxas de juros menores e crescimento maior.
Parece interessante, mas nós ainda podemos dizer que a dívida crescente é sustentável no longo prazo? Qual a sua visão?
— COSTA GLARETAS
P.K.: Basicamente, nós temos déficits comerciais persistentes porque nós temos poupanças baixas e continuamos a ser um local atraente para os estrangeiros investirem. Como resultado, os Estados Unidos, que eram um país credor antes mesmo de nós começarmos a gerar déficits persistentes, em 1980, são hoje um devedor líquido. Mas você precisa colocar as coisas em uma certa perspectiva. Nossa “posição internacional de investimento líquida” – ativos no exterior menos passivos – é de cerca de -45% do produto interno bruto, o que não é um número tão grande assim, considerando-se todo o restante.
Por exemplo, é menos de 10% da nossa riqueza nacional.
E a ideia de que isto dá aos estrangeiros bastante poder sobre a América está invertida. Pelo contrário, de certo modo isso faz deles nossos reféns: A China tem bastante dinheiro amarrado na América. Suponhamos que eles tentem tirá-lo: o pior que poderia acontecer seria uma queda do dólar, o que seria bom para a manufatura dos EUA e causaria um prejuízo capital em nossos credores.
Muitas coisas me preocupam; nossa dívida externa, nem tanto.
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Talvez alguma outra coisa esteja acontecendo aqui. Por exemplo, o aço e o alumínio são indústrias-chave em Pittsburgh (terra da Alcoa). Por acaso a necessidade de interromper a série de vitórias democratas nas eleições de meio de mandato poderia ter um papel no timing e na escolha dos alvos destas tarifas?
— PETER, SAN MATEO, CALIF.
P.K.: É bem possível. Nós sabemos que foi por isso que o presidente George W. Bush impôs tarifas sobre o aço em 2002. Mas eu creio que isso seja basicamente o Sr. Trump tentando parecer durão. A título de palpite, Stormy Daniels (atriz de filmes pornográficos que diz ter tido um caso com Trump) teve um impacto maior que a eleição de meio de mandato na Pennsylvania.
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Claramente, o comércio global é complicado demais para o Sr. Trump concebê-lo. Mas Paul Krugman? Não. Não é tão complicado. Vamos lá: Faça de conta que você está no lugar de Trump, mas com o seu conhecimento e perspicácia. O que você faria em relação ao comércio? Seu top três de lances/passes.
— JACK, NASHVILLE
P.K.: Basicamente, a política comercial dos Estados Unidos é ok. Os velhos tempos de milhares de empregos no setor de produção não vão voltar não importa o que façamos, e tentar salvar alguns deles rasgando acordos comerciais poderia causar diversos efeitos colaterais indesejados.
Eu fui contra a Parceria Transpacífico, mas não porque eu deseje uma volta ao protecionismo: O problema com a TPP foi que ela não tinha nada a ver com comércio, e sim com propriedade intelectual (por exemplo, patentes farmacêuticas) e resolução de conflitos (dando mais poder às empresas).
O que nós precisamos é de um compromisso renovado com o acesso universal aos serviços de saúde, muito mais investimentos em infraestrutura, políticas para ajudar famílias e um retorno às políticas que fortaleçam sindicatos, principalmente no setor de serviços. Definir o comércio como problema é só um artifício para desviarmos de soluções reais.
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Quais são as piores repercussões possíveis destas taxas quando nossos parceiros comerciais retaliarem?
— DONALD FERRUZZI, CENTEREACH, N.Y.
P.K.: No curto prazo, há um grande aumento da turbulência: Nós eventualmente ganharíamos empregos em indústrias que competem no setor de importação, mas imediatamente perderíamos diversos empregos tanto nos setores de exportação (inclusive agrícola) quanto em indústrias que são hoje parte de cadeias de suprimento globais, como automóveis e eletrônicos. Ou seja, estaríamos falando de milhões de perdedores imediatos, ainda que alguns eventualmente saiam ganhando.
No longúissimo prazo, a economia seria muito menos eficiente: Em vez de nos concentrarmos nas coisas em que somos particularmente bons, nós estaríamos fazendo muitas das coisas mais trabalhosas para nós mesmos. Eu não tenho visto nenhuma estimativa boa de quão mais pobres ficaríamos, mas certamente seria muito pior que o Brexit, cujas estimativas típicas dizem que vai tornar a Inglaterra aproximadamente 2% mais pobre.
Não estamos falando no fim do mundo ou mesmo de uma depressão grande aqui. Apenas de uma bagunça no curto prazo e de um crescimento fortemente arrastado no longo prazo.