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Aos 3 anos, Trump ganhava US$ 200 mil por mês

A história que o Sr. Trump conta sobre sua vida – sua descrição de si mesmo como um homem de negócios que se fez sozinho e ganhou bilhões tendo saído de raízes humildes – sempre foi uma mentira

TRUMP EM SEU CASSINO TAJ MAHAL EM 1990: “vampiro financeiro” que tapeia contribuintes e todos que fizeram negócio com ele / Angel Franco/The New York Times
DR

Da Redação

Publicado em 16 de outubro de 2018 às 11h56.

Ao que parece, eu posso ter cometido uma injustiça com Donald Trump.

Vejam, eu sempre fui cético sobre as afirmações dele de que era um grande negociador. Mas o que nós acabamos de descobrir é que sua proeza nos negócios se desenvolveu cedo. De fato, ela foi tão impressionante que ele já estava ganhando US$ 200 mil por ano em dólares de hoje ainda muito jovem.

Mais especificamente, isso é o que ele estava fazendo quando tinha 3 anos de idade. Aos 8, ele era um milionário. Claro, o dinheiro veio do pai dele – que passou décadas sonegando os impostos que era legalmente obrigado a pagar sobre o dinheiro que deu aos filhos.

A arrasadora reportagem recente do New York Times sobre a história de fraude na família Trump é realmente sobre dois tipos de fraudulência distintos, ainda que relacionados.

De um lado, a família imersa em fraude tributária em grande escala, usando uma série de técnicas de lavagem de dinheiro para evitar pagar o que devia. Do outro, a história que o Sr. Trump conta sobre sua vida – sua descrição de si mesmo como um homem de negócios que se fez sozinho e ganhou bilhões tendo saído de raízes humildes – sempre foi uma mentira; não só ele herdou sua fortuna, recebendo o equivalente a mais de US$ 400 milhões de seu pai, mas Fred Trump socorreu o filho quando os negócios dele deram errado.

Uma consequência destas revelações é que os apoiadores de Trump, que imaginam que acharam um defensor de fala direta para drenar o esgoto ao mesmo tempo em que usa sua astúcia nos negócios para Tornar a América Grande de Novo, foram feitos de trouxas.

Porém, a história do dinheiro de Trump é parte de outra maior. Mesmo entre aqueles insatisfeitos com a extensão em que vivemos em uma era de desigualdade crescente, além da crescente concentração de riqueza no topo, tem havido uma tendência a acreditar que grandes fortunas são, na maioria das vezes, conquistadas de modo mais ou menos honesto. Só agora é que a escala da pura corrupção e infração da lei por trás da nossa marcha rumo à oligarquia começou a entrar em foco.

Até recentemente, minha opinião é que a maioria dos economistas, mesmo os especialistas tributários, teria concordado que evasão fiscal das empresas e dos ricos, que é legal, fosse um problema grande, mas que sonegação fiscal – efetivamente esconder dinheiro do cobrador de impostos – era algo menor. Era óbvio que algumas pessoas ricas exploravam as brechas legais, ainda que moralmente dúbias, no código tributário, mas a visão predominante era de que simplesmente fraudar as autoridades tributárias, e portanto o público, não era tão comum assim nos países desenvolvidos.

Mas esta visão sempre se baseou em fundamentos precários. Afinal, evasão fiscal, quase que por definição, não aparece nas estatísticas oficiais, e os super-ricos não têm o hábito de contar vantagem sobre que grandes trapaceiros de impostos eles são. Para se ter uma ideia real de quanta fraude está acontecendo, ou você tem de fazer o que o Times fez – investigar exaustivamente as finanças de uma família particular – ou contar com golpes de sorte que revelam o que antes estava escondido.

Dois anos atrás, um imenso golpe de sorte apareceu na forma dos Panamá Papers, uma arca de dados vazada de um escritório de advocacia panamenho que se especializou em ajudar pessoas a esconder suas riquezas em refúgios offshore, além de um pequeno vazamento do HSBC, o banco e empresa de serviços financeiros.

Embora os detalhes desagradáveis revelados por estes vazamentos tenham ganhado as manchetes imediatamente, seu verdadeiro significado só se tornou claro pelo trabalho feito por Gabriel Zucman de Berkeley, universidade da Califórnia, e seus sócios, em parceria com as autoridades fiscais escandinavas.

Combinando informações dos Panamá Papers e de outros vazamentos com dados tributários nacionais, estes pesquisadores descobriram que sonegação é na verdade algo grande no topo. Os verdadeiramente ricos acabam pagando uma taxa de juros real muito menor que os meramente ricos, não por causa de brechas nas leis tributárias, mas sim porque eles infringem as leis. Os contribuintes mais ricos, descobriram os pesquisadores, em média pagam 25% menos dos que devem. E, sem dúvida, muitos indivíduos pagam ainda menos.

Este é um número grande. Se os ricos da América sonegarem impostos no mesmo volume (o que eles quase que certamente fazem), eles provavelmente custam ao governo quase tanto quanto o programa de cupons de alimentação. Além disso, eles estão usando a sonegação fiscal para consolidar os privilégios deles e os transmitirem aos seus herdeiros, o que é a verdadeira história de Trump.

A pergunta óbvia é: o que nossos representantes eleitos estão fazendo sobre esta epidemia de trapaças? Bem, os republicanos do Congresso têm estado em cima do caso há anos: eles têm deixado de financiar a Receita Federal Doméstica, paralisando sua capacidade de investigar fraude tributária. Nós não temos um governo com um problema de fraudes fiscais; nós temos um governo de e para fraudes fiscais.

O que nós estamos descobrindo, portanto, é que a história sobre o que está acontecendo com a nossa sociedade é ainda pior do que nós pensávamos. Não se trata apenas de o presidente dos Estados Unidos ser, como disse o veterano repórter da área tributária David Cay Johnston, um “vampiro financeiro”, que tapeia contribuintes do mesmo modo que enganou praticamente todo mundo que faz negócios com ele.

É também o fato de que, além disso, nossa tendência à oligarquia – o governo por uma minoria – está se parecendo mais e mais com uma caquistocracia – o governo pelos piores, ou, no mínimo, pelos mais inescrupulosos. A corrupção não é sutil; pelo contrário, ela é mais grosseira do que quase todo mundo imaginava. Ela também é profunda, e contaminou nossa política, literalmente nos níveis mais altos.

(Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times do dia 5 de outubro de 2018.)

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Ao que parece, eu posso ter cometido uma injustiça com Donald Trump.

Vejam, eu sempre fui cético sobre as afirmações dele de que era um grande negociador. Mas o que nós acabamos de descobrir é que sua proeza nos negócios se desenvolveu cedo. De fato, ela foi tão impressionante que ele já estava ganhando US$ 200 mil por ano em dólares de hoje ainda muito jovem.

Mais especificamente, isso é o que ele estava fazendo quando tinha 3 anos de idade. Aos 8, ele era um milionário. Claro, o dinheiro veio do pai dele – que passou décadas sonegando os impostos que era legalmente obrigado a pagar sobre o dinheiro que deu aos filhos.

A arrasadora reportagem recente do New York Times sobre a história de fraude na família Trump é realmente sobre dois tipos de fraudulência distintos, ainda que relacionados.

De um lado, a família imersa em fraude tributária em grande escala, usando uma série de técnicas de lavagem de dinheiro para evitar pagar o que devia. Do outro, a história que o Sr. Trump conta sobre sua vida – sua descrição de si mesmo como um homem de negócios que se fez sozinho e ganhou bilhões tendo saído de raízes humildes – sempre foi uma mentira; não só ele herdou sua fortuna, recebendo o equivalente a mais de US$ 400 milhões de seu pai, mas Fred Trump socorreu o filho quando os negócios dele deram errado.

Uma consequência destas revelações é que os apoiadores de Trump, que imaginam que acharam um defensor de fala direta para drenar o esgoto ao mesmo tempo em que usa sua astúcia nos negócios para Tornar a América Grande de Novo, foram feitos de trouxas.

Porém, a história do dinheiro de Trump é parte de outra maior. Mesmo entre aqueles insatisfeitos com a extensão em que vivemos em uma era de desigualdade crescente, além da crescente concentração de riqueza no topo, tem havido uma tendência a acreditar que grandes fortunas são, na maioria das vezes, conquistadas de modo mais ou menos honesto. Só agora é que a escala da pura corrupção e infração da lei por trás da nossa marcha rumo à oligarquia começou a entrar em foco.

Até recentemente, minha opinião é que a maioria dos economistas, mesmo os especialistas tributários, teria concordado que evasão fiscal das empresas e dos ricos, que é legal, fosse um problema grande, mas que sonegação fiscal – efetivamente esconder dinheiro do cobrador de impostos – era algo menor. Era óbvio que algumas pessoas ricas exploravam as brechas legais, ainda que moralmente dúbias, no código tributário, mas a visão predominante era de que simplesmente fraudar as autoridades tributárias, e portanto o público, não era tão comum assim nos países desenvolvidos.

Mas esta visão sempre se baseou em fundamentos precários. Afinal, evasão fiscal, quase que por definição, não aparece nas estatísticas oficiais, e os super-ricos não têm o hábito de contar vantagem sobre que grandes trapaceiros de impostos eles são. Para se ter uma ideia real de quanta fraude está acontecendo, ou você tem de fazer o que o Times fez – investigar exaustivamente as finanças de uma família particular – ou contar com golpes de sorte que revelam o que antes estava escondido.

Dois anos atrás, um imenso golpe de sorte apareceu na forma dos Panamá Papers, uma arca de dados vazada de um escritório de advocacia panamenho que se especializou em ajudar pessoas a esconder suas riquezas em refúgios offshore, além de um pequeno vazamento do HSBC, o banco e empresa de serviços financeiros.

Embora os detalhes desagradáveis revelados por estes vazamentos tenham ganhado as manchetes imediatamente, seu verdadeiro significado só se tornou claro pelo trabalho feito por Gabriel Zucman de Berkeley, universidade da Califórnia, e seus sócios, em parceria com as autoridades fiscais escandinavas.

Combinando informações dos Panamá Papers e de outros vazamentos com dados tributários nacionais, estes pesquisadores descobriram que sonegação é na verdade algo grande no topo. Os verdadeiramente ricos acabam pagando uma taxa de juros real muito menor que os meramente ricos, não por causa de brechas nas leis tributárias, mas sim porque eles infringem as leis. Os contribuintes mais ricos, descobriram os pesquisadores, em média pagam 25% menos dos que devem. E, sem dúvida, muitos indivíduos pagam ainda menos.

Este é um número grande. Se os ricos da América sonegarem impostos no mesmo volume (o que eles quase que certamente fazem), eles provavelmente custam ao governo quase tanto quanto o programa de cupons de alimentação. Além disso, eles estão usando a sonegação fiscal para consolidar os privilégios deles e os transmitirem aos seus herdeiros, o que é a verdadeira história de Trump.

A pergunta óbvia é: o que nossos representantes eleitos estão fazendo sobre esta epidemia de trapaças? Bem, os republicanos do Congresso têm estado em cima do caso há anos: eles têm deixado de financiar a Receita Federal Doméstica, paralisando sua capacidade de investigar fraude tributária. Nós não temos um governo com um problema de fraudes fiscais; nós temos um governo de e para fraudes fiscais.

O que nós estamos descobrindo, portanto, é que a história sobre o que está acontecendo com a nossa sociedade é ainda pior do que nós pensávamos. Não se trata apenas de o presidente dos Estados Unidos ser, como disse o veterano repórter da área tributária David Cay Johnston, um “vampiro financeiro”, que tapeia contribuintes do mesmo modo que enganou praticamente todo mundo que faz negócios com ele.

É também o fato de que, além disso, nossa tendência à oligarquia – o governo por uma minoria – está se parecendo mais e mais com uma caquistocracia – o governo pelos piores, ou, no mínimo, pelos mais inescrupulosos. A corrupção não é sutil; pelo contrário, ela é mais grosseira do que quase todo mundo imaginava. Ela também é profunda, e contaminou nossa política, literalmente nos níveis mais altos.

(Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times do dia 5 de outubro de 2018.)

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