A hipocrisia fiscal pode dar a reeleição a Trump
O maior fator que beneficia o presidente é uma economia forte – não tão forte quanto ele diz que é, mas boa o bastante para dar a ele apoio político significativo
Da Redação
Publicado em 5 de março de 2020 às 10h43.
Talvez isso tenha passado batido, mas recentemente o presidente Trump sugeriu que talvez ele esteja prestes a conceder aos agricultores americanos – que ainda não viram benefício algum do bastante alardeado acordo comercial feito por ele com a China – uma nova rodada de auxílio do governo. Isso se somaria aos bilhões em subsídios agrícolas que Trump já deu, e que vêm custando aos contribuintes várias vezes mais do que o socorro do presidente Obama à indústria automobilística – um resgate que na ocasião os republicanos denunciaram de modo feroz como “assistência social” e “capitalismo de compadres”.
Se para você isso parece coisa de política de dois pesos e duas medidas – resgates democratas são maus, ajudas republicanas são boas -, é porque é mesmo. Mas é algo que deveria ser encarado como parte de um padrão mais amplo de espantosa hipocrisia fiscal, durante o qual o Partido Republicano foi de a) insistir que a dívida federal representava uma ameaça existencial no governo de Obama a b) ser totalmente indiferente aos déficits orçamentários no governo Trump. Esta virada de 180 graus é, até onde eu posso ver, a mudança na política econômica americana mais cínica dos tempos atuais.
E este cinismo talvez dê a Trump a eleição presidencial de 2020. Caso Trump ganhe, haverá muitas acusações entre os democratas, em especial entre os candidatos egocêntricos que continuam a fragmentar o campo mesmo sem ter chances realistas de conseguir a indicação para a disputa. Porém, ainda que essas acusações tenham um fundo de verdade, o maior fator que beneficia Trump é uma economia forte – não tão forte quanto ele diz que é, mas boa o bastante para dar a ele apoio político significativo (a menos que o crescimento econômico seja interrompido pelo coronavírus).
E o que está conduzindo a economia da América no momento é o próprio gasto deficitário com o qual os republicanos fingiam estar horrorizados durante os governos Obama.
Trump gosta de falar mal da economia de Obama. Na realidade, de 2010 em diante, a América passou por um crescimento contínuo tanto do produto interno bruto quanto do emprego – e não houve interrupção na tendência de alta após a eleição de 2016. Contudo, a recuperação da recessão de 2007 a 2009 poderia e deveria ter sido muito mais rápida.
O que desacelerou a retomada? Uma austeridade fiscal sem precedentes. Em particular, o gasto do governo cresceu de modo muito mais lento durante a recuperação de Obama do que nos governos dos presidentes George W. Bush ou Ronald Reagan.
A austeridade fiscal atrapalha o crescimento? Sim. Nós vimos isso na prática várias e várias vezes durante a última década, e mais recentemente no Japão, onde um esforço imprudente do primeiro-ministro Shinzo Abe para diminuir o déficit orçamentário fez a economia despencar a um índice de 6% ao ano. Fora isso, a austeridade do período Obama definitivamente atrasou a recuperação; sem os cortes de gasto promovidos pelo governo dele, o desemprego poderia muito bem ter caído para 4% já em 2014, no mais tardar.
Assim, quem foi o responsável por toda essa austeridade? A resposta, em grande parte, é: os republicanos no Congresso. Lembrem-se, eles ameaçaram criar uma crise fiscal ao se recusar a aumentar o limite da dívida a menos que Obama cortasse gastos.
Repetindo: eles insistiram que austeridade era fundamental porque a dívida pública era uma enorme ameaça à América. Mas perderam qualquer interesse em déficits assim que um republicano passou a ocupar a Casa Branca. Trump herdou um déficit de US$ 600 bilhões; ele já explodiu essa dívida para US$ 1 trilhão – e não há sinal de qualquer parlamentar republicano que tenha expressado descontentamento.
E quanto os déficits de Trump têm incentivado a economia? Bem, eles são mal concebidos do ponto de vista dos estímulos; o maior item foram os cortes de impostos para empresas, que as corporações têm usado para recomprar ações em vez de para ampliar seus negócios ou aumentar salários. Porém, embora o estímulo de Trump não tenha tido muito retorno, ele envolveu um bocado de incentivo financeiro.
E a economia de Trump também pega uma carona no simples fato de que os republicanos puseram fim à sabotagem econômica de fato que prevaleceu durante a gestão Obama.
Por sinal, a experiência dos últimos três anos também refuta dois dos principais argumentos usados para justificar a guinada desastrosa na direção da austeridade após a crise financeira – declarações de que os déficits prejudicariam a confiança e levariam a uma alta drástica nas taxas de juros. Nada disso está acontecendo.
Ou seja, como os democratas podem concorrer contra a hipocrisia fiscal republicana? Não é alertando sobre os riscos de déficits – isso é tanto errado na substância quanto politicamente ineficiente, porque ninguém liga.
O melhor para eles seria apontar que, embora Trump tenha corrido para cortar impostos para as empresas e para os ricos, ele está prejudicando o futuro. Ignorando suas próprias promessas de campanha, ele não fez nada para aumentar o tão necessário investimento na infraestrutura americana. E, apesar da óbvia indiferença de Trump quanto aos déficits orçamentários, o governo dele parece determinado a privar as crianças de um serviço de saúde público e nutrição adequadas de que elas vão precisar para se tornar adultos produtivos.
Há uma lição importante para os democratas não só para esta eleição – a saber, como lidar com o que eu venho chamando de Gente Bastante Séria, centristas que passaram anos insistindo que a dívida pública era o tema mais importante dos nossos tempos (além de acreditarem, ou de fingirem acreditar, que os republicanos eram sinceros em sua suposta preocupação com a dívida).
A G.B.S. vem mantendo um silêncio estranho no governo Trump – engraçado isso acontecer -, mas certamente vai estar de volta se os democratas reconquistarem a Casa Branca. Ainda assim, eles não fazem ideia do que estão falando, e nunca fizeram. Se e quando eles reemergirem, os democratas deviam ignorar essa gente.
Talvez isso tenha passado batido, mas recentemente o presidente Trump sugeriu que talvez ele esteja prestes a conceder aos agricultores americanos – que ainda não viram benefício algum do bastante alardeado acordo comercial feito por ele com a China – uma nova rodada de auxílio do governo. Isso se somaria aos bilhões em subsídios agrícolas que Trump já deu, e que vêm custando aos contribuintes várias vezes mais do que o socorro do presidente Obama à indústria automobilística – um resgate que na ocasião os republicanos denunciaram de modo feroz como “assistência social” e “capitalismo de compadres”.
Se para você isso parece coisa de política de dois pesos e duas medidas – resgates democratas são maus, ajudas republicanas são boas -, é porque é mesmo. Mas é algo que deveria ser encarado como parte de um padrão mais amplo de espantosa hipocrisia fiscal, durante o qual o Partido Republicano foi de a) insistir que a dívida federal representava uma ameaça existencial no governo de Obama a b) ser totalmente indiferente aos déficits orçamentários no governo Trump. Esta virada de 180 graus é, até onde eu posso ver, a mudança na política econômica americana mais cínica dos tempos atuais.
E este cinismo talvez dê a Trump a eleição presidencial de 2020. Caso Trump ganhe, haverá muitas acusações entre os democratas, em especial entre os candidatos egocêntricos que continuam a fragmentar o campo mesmo sem ter chances realistas de conseguir a indicação para a disputa. Porém, ainda que essas acusações tenham um fundo de verdade, o maior fator que beneficia Trump é uma economia forte – não tão forte quanto ele diz que é, mas boa o bastante para dar a ele apoio político significativo (a menos que o crescimento econômico seja interrompido pelo coronavírus).
E o que está conduzindo a economia da América no momento é o próprio gasto deficitário com o qual os republicanos fingiam estar horrorizados durante os governos Obama.
Trump gosta de falar mal da economia de Obama. Na realidade, de 2010 em diante, a América passou por um crescimento contínuo tanto do produto interno bruto quanto do emprego – e não houve interrupção na tendência de alta após a eleição de 2016. Contudo, a recuperação da recessão de 2007 a 2009 poderia e deveria ter sido muito mais rápida.
O que desacelerou a retomada? Uma austeridade fiscal sem precedentes. Em particular, o gasto do governo cresceu de modo muito mais lento durante a recuperação de Obama do que nos governos dos presidentes George W. Bush ou Ronald Reagan.
A austeridade fiscal atrapalha o crescimento? Sim. Nós vimos isso na prática várias e várias vezes durante a última década, e mais recentemente no Japão, onde um esforço imprudente do primeiro-ministro Shinzo Abe para diminuir o déficit orçamentário fez a economia despencar a um índice de 6% ao ano. Fora isso, a austeridade do período Obama definitivamente atrasou a recuperação; sem os cortes de gasto promovidos pelo governo dele, o desemprego poderia muito bem ter caído para 4% já em 2014, no mais tardar.
Assim, quem foi o responsável por toda essa austeridade? A resposta, em grande parte, é: os republicanos no Congresso. Lembrem-se, eles ameaçaram criar uma crise fiscal ao se recusar a aumentar o limite da dívida a menos que Obama cortasse gastos.
Repetindo: eles insistiram que austeridade era fundamental porque a dívida pública era uma enorme ameaça à América. Mas perderam qualquer interesse em déficits assim que um republicano passou a ocupar a Casa Branca. Trump herdou um déficit de US$ 600 bilhões; ele já explodiu essa dívida para US$ 1 trilhão – e não há sinal de qualquer parlamentar republicano que tenha expressado descontentamento.
E quanto os déficits de Trump têm incentivado a economia? Bem, eles são mal concebidos do ponto de vista dos estímulos; o maior item foram os cortes de impostos para empresas, que as corporações têm usado para recomprar ações em vez de para ampliar seus negócios ou aumentar salários. Porém, embora o estímulo de Trump não tenha tido muito retorno, ele envolveu um bocado de incentivo financeiro.
E a economia de Trump também pega uma carona no simples fato de que os republicanos puseram fim à sabotagem econômica de fato que prevaleceu durante a gestão Obama.
Por sinal, a experiência dos últimos três anos também refuta dois dos principais argumentos usados para justificar a guinada desastrosa na direção da austeridade após a crise financeira – declarações de que os déficits prejudicariam a confiança e levariam a uma alta drástica nas taxas de juros. Nada disso está acontecendo.
Ou seja, como os democratas podem concorrer contra a hipocrisia fiscal republicana? Não é alertando sobre os riscos de déficits – isso é tanto errado na substância quanto politicamente ineficiente, porque ninguém liga.
O melhor para eles seria apontar que, embora Trump tenha corrido para cortar impostos para as empresas e para os ricos, ele está prejudicando o futuro. Ignorando suas próprias promessas de campanha, ele não fez nada para aumentar o tão necessário investimento na infraestrutura americana. E, apesar da óbvia indiferença de Trump quanto aos déficits orçamentários, o governo dele parece determinado a privar as crianças de um serviço de saúde público e nutrição adequadas de que elas vão precisar para se tornar adultos produtivos.
Há uma lição importante para os democratas não só para esta eleição – a saber, como lidar com o que eu venho chamando de Gente Bastante Séria, centristas que passaram anos insistindo que a dívida pública era o tema mais importante dos nossos tempos (além de acreditarem, ou de fingirem acreditar, que os republicanos eram sinceros em sua suposta preocupação com a dívida).
A G.B.S. vem mantendo um silêncio estranho no governo Trump – engraçado isso acontecer -, mas certamente vai estar de volta se os democratas reconquistarem a Casa Branca. Ainda assim, eles não fazem ideia do que estão falando, e nunca fizeram. Se e quando eles reemergirem, os democratas deviam ignorar essa gente.