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A Espanha se manteve no rumo, mas a que preço?

Retomada da economia europeia merece e não merece ser reconsiderada

ESPANHA: economia retoma bons resultados / Javier Barbancho/Reuters
ESPANHA: economia retoma bons resultados / Javier Barbancho/Reuters
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Paul Krugman

Publicado em 6 de março de 2018 às, 08h42.

Última atualização em 6 de março de 2018 às, 18h41.

Recentemente eu fui o palestrante principal no Fórum de Política Monetária dos EUA – na verdade, foram uma palestra e um debate com o economista Anil Kashyap —, o que foi tanto interessante quanto uma espécie de feriado emocional. O que eu quero dizer é que eu consegui ter uma discussão extensa sobre política sem mencionar uma vez sequer o nome T****.

Um dos temas que apareceu foi a recuperação na Europa, que é real e, em alguns sentidos, uma história maior para a economia mundial do que a continuação da expansão de Obama nos Estados Unidos. Uma pergunta óbvia, que Anil fez, foi se esta retomada não merece uma reconsideração dos eurocéticos como eu. E a minha resposta foi não, e sim. Não, a economia do euro parece tão mal quanto nós esperávamos. E sim, nós subestimamos a coesão política do câmbio único e a disposição das elites políticas em sofrer enormes dores econômicas em nome de manter a união monetária.

Creio que eu consigo ilustrar todos estes pontos com o caso da Espanha, que de algumas maneiras está no coração da história do euro. Nos anos bons, dinheiro jorrou na Espanha, alimentando uma grande bolha imobiliária. Esta alimentou a inflação que tornou a indústria espanhola pouco competitiva, levando a um grande déficit comercial. Quando a música parou de tocar, a Espanha viu o desemprego disparar; o país então passou por um processo doloroso de “desvalorização interna”, lentamente encolhendo os custos de mão de obra individuais ao mesmo tempo em que os custos no norte europeu gradualmente aumentaram. E eventualmente isso deu certo: A Espanha retomou um crescimento razoavelmente acelerado, estimulado pelas crescentes exportações de seus automóveis e de outros bens manufaturados.

Mas e aí, esta história justifica o euro? Dificilmente. Vejam o gráfico aqui, que usa dados das Perspectivas para a Economia Mundial, do Fundo Monetário Internacional. A linha azul mostra o produto interno bruto real da Espanha (coluna da esquerda). Houve uma queda terrível de 2008 a 2013, mas desde então a Espanha tem crescido de forma consistente. No longo prazo, portanto, a economia espanhola não morreu. Mas o custo pago durante o trajeto foi imenso. A linha vermelha mostra a estimativa do FMI de “vão de produtividade” da Espanha – a diferença, em pontos percentuais, entre o que ela poderia estar produzindo em consistência com uma inflação estável e o que ela efetivamente produziu.

Meu palpite é que esse vão de produtividade está subestimado: Os métodos que organizações como o FMI usam para estimar o PIB potencial tendem a interpretar qualquer declínio continuado como um declínio em potencial, mesmo que seja somente o resultado de uma demanda inadequada.

Mas mesmo se nós tomarmos a estimativa do FMI pelo valor de face, ela diz que, entre 2008 e 2018, a Espanha sofreu uma enorme perda cumulativa de produtividade: 33% do PIB potencial. É como se os Estados Unidos fossem obrigados a pagar um custo de mais de US$ 6 trilhões, digamos, para continuar no padrão de excelência. Essa perda não pode ser inteiramente atribuída à necessidade de obter competitividade por meio de uma deflação relativa em lugar de uma desvalorização simples, mas certamente muito dela pode.

Ou seja, a economia do euro tem sido tão ruim quanto os críticos alertaram que seria. A Espanha, por consequência, passou anos como uma prisioneira econômica do câmbio único, e o fato de que ela eventualmente foi absolvida não muda o fato.

Notavelmente, entretanto, a Espanha se manteve no rumo, pagou o preço e hoje está mais ou menos de volta aonde precisa estar. Portanto, as políticas do euro têm sido mais robustas do que nós anglo-americanos poderíamos imaginar.