A China está ficando mais autoritária?
No dia 15 de setembro, o The New York Times sediou um painel de debate sobre democracia e negócios no Fórum da Democracia de Atenas de 2016. A conversa foi moderada por Paul Krugman. Quem participou do evento foram: Yasheng Huang, professor de economia global e administração da M.I.T.; Ross LaJeunesse, chefe mundial de liberdade […]
Da Redação
Publicado em 2 de novembro de 2016 às 10h14.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h47.
No dia 15 de setembro, o The New York Times sediou um painel de debate sobre democracia e negócios no Fórum da Democracia de Atenas de 2016. A conversa foi moderada por Paul Krugman. Quem participou do evento foram: Yasheng Huang, professor de economia global e administração da M.I.T.; Ross LaJeunesse, chefe mundial de liberdade de expressão e relações internacionais do Google; e Yanis Varoufakis, ex-ministro da Fazenda da Grécia. Abaixo segue a segunda das duas partes da conversa editada.
Paul Krugman: Eu me recordo de 20 anos atrás ou algo assim, quando eu falava com pessoas de relações internacionais, elas tendiam a ser muito, muito otimistas quanto ao futuro das instituições democráticas no mundo porque a avaliação era de que, à medida em que os países ficassem mais ricos, eles inevitavelmente se tornariam mais propensos a ser democráticos – de que os negócios exigiriam um regime mais liberal. Agora, isso não parece tão garantido. O que está acontecendo? A China claramente está no cerne da questão aí.
Yasheng Huang: Então, isso é conhecido como teoria da modernização, proposta por Martin Lipsett em Stanford na década de 60. Acredito que haja uma série de nuances nessa questão. A China se manteve um país autocrático, autoritário. Mas me parece que esta discussão é um pouco binária demais para mim. O verdadeiro problema aqui não é a democracia em relação à autocracia, é algo que diz mais respeito a se o país se torna ou não menos autoritário com o tempo. Eu sou chinesa, então eu não sirvo muito como parâmetro. Para mim, a questão relevante é se a China hoje está ou não menos autoritária do que era 20 ou 30 anos atrás. Acredito que nós podemos discutir um pouco sobre isso, mas a resposta tem de ser: Sim, ela é menos autoritária.
O crescimento econômico e a expansão de mercado, além da ascensão do setor privado e a tecnologia da informação, todos contribuíram para uma diminuição da natureza autoritária do sistema político. Ou seja, essencialmente há uma distinção entre avançar na curva versus uma mudança da curva. A China não chegou lá, mas está avançando na curva.
Krugman: Não faço ideia sobre a China – sou totalmente ignorante. Mas a (questão), se você quer saber a minha opinião, (foi se) a China está menos autoritária do que há 20 anos? Eu diria que com certeza sim. Se você me perguntar, ela está menos autoritária do que era há três anos…
Huang: Claro.
Krugman: O que está acontecendo ali? Se trata de uma economia tremendamente bem-sucedida. Como pode ela estar recuando?
Huang: A economia não é tudo, certo? Antes da liderança atual, a China teve gerações de líderes que não eram democratas mas (que estavam) tendendo rumo a uma direção liberal. E este foi um dos grandes problemas com um sistema autoritário, porque a escolha dos líderes é um processo bastante imprevisível. Ninguém fazia ideia das características do líder atual antes dele ser escolhido. Ninguém sabia. Assim, ele teve bastante margem de manobra. E ele decidiu ir para trás.
Para mim, isso é extremamente preocupante. Eu não me preocupo se a China está rumando para uma direção mais liberal. Eu me preocupo que ela esteja indo para trás.
Krugman: Então você acha que é mais ou menos um acidente, uma coisa pessoal, que o monarca se revele este tipo de pessoa?
Huang: Acho que nós temos, como cientistas sociais, que reconhecer que as histórias aconteceram com base nas contingências. Há uma série de coisas que nós podemos incluir em nosso modelo, e esta é uma delas. Você tem este choque político exógeno que levou a isso – que empurrou o país nessa direção.
Mas eu avalio que não há incompatibilidade entre política e economia. Como resultado de uma inversão política, a economia chinesa será afetada. A confiança do setor privado está diminuindo. Você e eu falamos em uma fuga de capital da ordem de US$ 1 trilhão. Isso é boicote.
Krugman: Ross, você basicamente apresentou um futuro otimista. A informação quer ser livre. A liberdade se espalha. O que poderia dar errado?
LaJeunesse: Creio que, quando nós olhamos o mundo e os negócios hoje, há na verdade uma descentralização um tanto significativa de poder. A história é repleta destes conglomerados que trabalharam lado a lado com governos, nos Estados Unidos e em outros lugares pelo mundo.
Quando você observa o setor de tecnologia da informação, nós saímos apavorados do Google todo dia, porque, por mais bem-sucedidos que tenhamos sido, nós sabemos que a barreira de entrada – (ela) não é nada mais do que alguém que tenha uma ideia brilhante. A história do setor de tecnologia da informação está repleta das carcaças de empresas um dia consideradas invulneráveis. Ou seja, (houve) uma grande descentralização, me parece, do poder dos negócios e do poder como um todo.
Antes da internet, os publishers de jornais, produtores de televisão, autoridades de governos, barões da mídia, determinavam o que cada um de nós consumia em termos de informação, e como nós podíamos nos comunicar uns com os outros. E isso mudou completamente. Está bagunçado, como eu disse. (Mas) eu sou um otimista, e vou te dizer por quê. Porque eu acredito que os sistemas abertos se fecharam todas as vezes.
Eu encaro isso em termos daqueles países que estão tentando arduamente colocar a internet de volta na caixa. Eles estão contratando os melhores engenheiros que conseguem encontrar, às vezes milhares deles, e alguns deles, até onde sabemos, estão em Xangai tentando fechar a internet, censurá-la, controlá-la.
Não me importa quantos engenheiros ou pessoas superdotadas um governo contrate. Eles nunca vão ser tão espertos ou poderosos quanto todo mundo do lado de fora do prédio. É por isso que eu sou fundamentalmente um otimista.
No dia 15 de setembro, o The New York Times sediou um painel de debate sobre democracia e negócios no Fórum da Democracia de Atenas de 2016. A conversa foi moderada por Paul Krugman. Quem participou do evento foram: Yasheng Huang, professor de economia global e administração da M.I.T.; Ross LaJeunesse, chefe mundial de liberdade de expressão e relações internacionais do Google; e Yanis Varoufakis, ex-ministro da Fazenda da Grécia. Abaixo segue a segunda das duas partes da conversa editada.
Paul Krugman: Eu me recordo de 20 anos atrás ou algo assim, quando eu falava com pessoas de relações internacionais, elas tendiam a ser muito, muito otimistas quanto ao futuro das instituições democráticas no mundo porque a avaliação era de que, à medida em que os países ficassem mais ricos, eles inevitavelmente se tornariam mais propensos a ser democráticos – de que os negócios exigiriam um regime mais liberal. Agora, isso não parece tão garantido. O que está acontecendo? A China claramente está no cerne da questão aí.
Yasheng Huang: Então, isso é conhecido como teoria da modernização, proposta por Martin Lipsett em Stanford na década de 60. Acredito que haja uma série de nuances nessa questão. A China se manteve um país autocrático, autoritário. Mas me parece que esta discussão é um pouco binária demais para mim. O verdadeiro problema aqui não é a democracia em relação à autocracia, é algo que diz mais respeito a se o país se torna ou não menos autoritário com o tempo. Eu sou chinesa, então eu não sirvo muito como parâmetro. Para mim, a questão relevante é se a China hoje está ou não menos autoritária do que era 20 ou 30 anos atrás. Acredito que nós podemos discutir um pouco sobre isso, mas a resposta tem de ser: Sim, ela é menos autoritária.
O crescimento econômico e a expansão de mercado, além da ascensão do setor privado e a tecnologia da informação, todos contribuíram para uma diminuição da natureza autoritária do sistema político. Ou seja, essencialmente há uma distinção entre avançar na curva versus uma mudança da curva. A China não chegou lá, mas está avançando na curva.
Krugman: Não faço ideia sobre a China – sou totalmente ignorante. Mas a (questão), se você quer saber a minha opinião, (foi se) a China está menos autoritária do que há 20 anos? Eu diria que com certeza sim. Se você me perguntar, ela está menos autoritária do que era há três anos…
Huang: Claro.
Krugman: O que está acontecendo ali? Se trata de uma economia tremendamente bem-sucedida. Como pode ela estar recuando?
Huang: A economia não é tudo, certo? Antes da liderança atual, a China teve gerações de líderes que não eram democratas mas (que estavam) tendendo rumo a uma direção liberal. E este foi um dos grandes problemas com um sistema autoritário, porque a escolha dos líderes é um processo bastante imprevisível. Ninguém fazia ideia das características do líder atual antes dele ser escolhido. Ninguém sabia. Assim, ele teve bastante margem de manobra. E ele decidiu ir para trás.
Para mim, isso é extremamente preocupante. Eu não me preocupo se a China está rumando para uma direção mais liberal. Eu me preocupo que ela esteja indo para trás.
Krugman: Então você acha que é mais ou menos um acidente, uma coisa pessoal, que o monarca se revele este tipo de pessoa?
Huang: Acho que nós temos, como cientistas sociais, que reconhecer que as histórias aconteceram com base nas contingências. Há uma série de coisas que nós podemos incluir em nosso modelo, e esta é uma delas. Você tem este choque político exógeno que levou a isso – que empurrou o país nessa direção.
Mas eu avalio que não há incompatibilidade entre política e economia. Como resultado de uma inversão política, a economia chinesa será afetada. A confiança do setor privado está diminuindo. Você e eu falamos em uma fuga de capital da ordem de US$ 1 trilhão. Isso é boicote.
Krugman: Ross, você basicamente apresentou um futuro otimista. A informação quer ser livre. A liberdade se espalha. O que poderia dar errado?
LaJeunesse: Creio que, quando nós olhamos o mundo e os negócios hoje, há na verdade uma descentralização um tanto significativa de poder. A história é repleta destes conglomerados que trabalharam lado a lado com governos, nos Estados Unidos e em outros lugares pelo mundo.
Quando você observa o setor de tecnologia da informação, nós saímos apavorados do Google todo dia, porque, por mais bem-sucedidos que tenhamos sido, nós sabemos que a barreira de entrada – (ela) não é nada mais do que alguém que tenha uma ideia brilhante. A história do setor de tecnologia da informação está repleta das carcaças de empresas um dia consideradas invulneráveis. Ou seja, (houve) uma grande descentralização, me parece, do poder dos negócios e do poder como um todo.
Antes da internet, os publishers de jornais, produtores de televisão, autoridades de governos, barões da mídia, determinavam o que cada um de nós consumia em termos de informação, e como nós podíamos nos comunicar uns com os outros. E isso mudou completamente. Está bagunçado, como eu disse. (Mas) eu sou um otimista, e vou te dizer por quê. Porque eu acredito que os sistemas abertos se fecharam todas as vezes.
Eu encaro isso em termos daqueles países que estão tentando arduamente colocar a internet de volta na caixa. Eles estão contratando os melhores engenheiros que conseguem encontrar, às vezes milhares deles, e alguns deles, até onde sabemos, estão em Xangai tentando fechar a internet, censurá-la, controlá-la.
Não me importa quantos engenheiros ou pessoas superdotadas um governo contrate. Eles nunca vão ser tão espertos ou poderosos quanto todo mundo do lado de fora do prédio. É por isso que eu sou fundamentalmente um otimista.