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Onde está o Brasil na Curva de Laffer? 

Imprevisibilidade dificulta análise precisa da economia nacional

Curva em parábola representa, de forma gráfica, três conceitos (Andriy Onufriyenko/Getty Images)
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Panorama Econômico

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Publicado em 14 de agosto de 2023 às 13h18.

Por Roberta Paulinetti Franco Neves*

A curva de Laffer foi popularizada nos Estados Unidos após uma reunião entre dois dos funcionários da administração do então presidente Gerald Ford em 1974, na qual Arthur Laffer, economista já consolidado no meio acadêmico, esboçou a curva em um guardanapo de bar para ilustrar seu argumento. O guardanapo se perdeu; porém, a teoria por trás de seu desenho passou a influenciar a política fiscal fortemente depois desse dia.

A curva de Laffer é uma teoria econômica que sugere uma relação não linear entre as taxas de imposto e a arrecadação fiscal. Ela postula que, em determinado ponto, aumentar as alíquotas de imposto pode levar a uma redução na receita total arrecadada pelo governo, enquanto diminuir as alíquotas pode levar a um aumento da arrecadação devido ao estímulo econômico resultante.

A curva em parábola representa, de forma gráfica, três conceitos:

1. A redução das taxas de imposto pode levar a um aumento na atividade econômica e, consequentemente, a uma maior arrecadação tributária. Isso ocorre porque os indivíduos são incentivados a trabalhar mais devido à uma menor carga tributária, o que estimula o empreendedorismo e os investimentos, uma vez que as pessoas passam a dispor de uma parcela maior dos seus rendimentos. Dessa forma, embora a taxa a ser cobrada diminua, a base a ser tributada cresce a ponto de tornar-se a receita fiscal maior do que antes.

2. Uma taxa de imposto excessivamente alta desencoraja a atividade econômica, diminuindo a base a ser tributada e, desta forma, a arrecadação em si. Se, em um exemplo radical e simplista, o tributo cobrado fosse de 100% dos rendimentos, não haveria incentivo para o as pessoas investirem ou trabalharem, o que diminuiria drasticamente a base tributável a zero e, assim, zeraria também a receita fiscal. Esse mesmo racional pode ser aplicado para cargas menores, porém ainda altas.

3. Existe um ponto ótimo no qual a taxa de imposto é maximizada sem diminuir a atividade econômica (i.e., sem comprometer o volume a ser taxado). Esse ponto é representado pelo ápice da parábola na curva de Laffer.

Apesar de posteriormente questionada, a teoria de Laffer sustenta-se logicamente e pôde ser facilmente observada por análises históricas de civilizações/economias. Um dos exemplos negativos ficou imortalizado em O Declínio e Queda do Império Romano, no qual o historiador Edward Gibbons lista o gradual e progressivo aumento da carga tributária como um dos (muitos) motivos que levaram ao desmembramento do império. Ele ligou esse aumento à uma redução de atividade econômica e por sua vez, à redução da receita fiscal, o que ultimamente resultou no enfraquecimento da estrutura imperial. Em um exemplo positivo, Laffer pôde ele mesmo aplicar uma gradual redução de carga tributária nos Estados Unidos enquanto servindo à equipe econômica do presidente Ronald Reagan na década de 80, o que culminou em um evidente aumento na arrecadação. É importante notar que nenhum desses exemplos serve como prova da teoria, pois nenhum deles ocorreu em um vácuo sem outros fatores de influência. No entanto, servem bem para ilustrar alguma correlação entre mudanças nas taxas de imposto e a arrecadação.

Apesar da evidente correlação, a teoria encontra desafios em suas aplicações para a política fiscal. O grande problema é que a Curva de Laffer não indica especificamente em que ponto exato a maximização da arrecadação ocorre, até porque esse ponto é diferente para cada economia e varia também ao longo do tempo. Assim, salvo em casos nos quais as alíquotas são excessivamente altas ou baixas, fica muito difícil determinar qual o movimento de redução/aumento necessário para chegar ao ponto ótimo. Ou seja, qualquer movimento pode ter um efeito negativo ao invés de positivo para arrecadação.

No atual momento, na qual as discussões sobre as implicações do arcabouço fiscal e da pretendida reforma tributária são tão presentes, o espectro da curva de Laffer paira no plano de fundo e preocupações quanto à uma diminuição na arrecadação, ocasionada pelo desaquecimento econômico, vêm à tona. Apesar de ser impossível afirmar que o Brasil está de um lado ou outro da curva, o medo permanece sendo que haja um desestímulo generalizado na economia, ocasionado não apenas pelo aumento dos encargos, mas também pela instabilidade percebida, e que isso, em troca, leve a menos arrecadação e piore o risco-país, contribuindo assim para um ciclo vicioso de crise. No entanto, é impossível determinar se isso vai ou não acontecer sem antes saber onde está o Brasil na curva de Laffer, uma pergunta para a qual, infelizmente, não há uma resposta clara (apesar de ser possível especular).

*Roberta Paulinetti Franco Neves é sócia e gestora na Avin Asset Gestão de Recursos desde 2020. Graduou-se em Economia e História pela Universidade William & Mary, nos Estados Unidos, em 2020 e é autorizada a prestar serviços de administradora de carteira de valores mobiliários pela CVM desde 2021.

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Por Roberta Paulinetti Franco Neves*

A curva de Laffer foi popularizada nos Estados Unidos após uma reunião entre dois dos funcionários da administração do então presidente Gerald Ford em 1974, na qual Arthur Laffer, economista já consolidado no meio acadêmico, esboçou a curva em um guardanapo de bar para ilustrar seu argumento. O guardanapo se perdeu; porém, a teoria por trás de seu desenho passou a influenciar a política fiscal fortemente depois desse dia.

A curva de Laffer é uma teoria econômica que sugere uma relação não linear entre as taxas de imposto e a arrecadação fiscal. Ela postula que, em determinado ponto, aumentar as alíquotas de imposto pode levar a uma redução na receita total arrecadada pelo governo, enquanto diminuir as alíquotas pode levar a um aumento da arrecadação devido ao estímulo econômico resultante.

A curva em parábola representa, de forma gráfica, três conceitos:

1. A redução das taxas de imposto pode levar a um aumento na atividade econômica e, consequentemente, a uma maior arrecadação tributária. Isso ocorre porque os indivíduos são incentivados a trabalhar mais devido à uma menor carga tributária, o que estimula o empreendedorismo e os investimentos, uma vez que as pessoas passam a dispor de uma parcela maior dos seus rendimentos. Dessa forma, embora a taxa a ser cobrada diminua, a base a ser tributada cresce a ponto de tornar-se a receita fiscal maior do que antes.

2. Uma taxa de imposto excessivamente alta desencoraja a atividade econômica, diminuindo a base a ser tributada e, desta forma, a arrecadação em si. Se, em um exemplo radical e simplista, o tributo cobrado fosse de 100% dos rendimentos, não haveria incentivo para o as pessoas investirem ou trabalharem, o que diminuiria drasticamente a base tributável a zero e, assim, zeraria também a receita fiscal. Esse mesmo racional pode ser aplicado para cargas menores, porém ainda altas.

3. Existe um ponto ótimo no qual a taxa de imposto é maximizada sem diminuir a atividade econômica (i.e., sem comprometer o volume a ser taxado). Esse ponto é representado pelo ápice da parábola na curva de Laffer.

Apesar de posteriormente questionada, a teoria de Laffer sustenta-se logicamente e pôde ser facilmente observada por análises históricas de civilizações/economias. Um dos exemplos negativos ficou imortalizado em O Declínio e Queda do Império Romano, no qual o historiador Edward Gibbons lista o gradual e progressivo aumento da carga tributária como um dos (muitos) motivos que levaram ao desmembramento do império. Ele ligou esse aumento à uma redução de atividade econômica e por sua vez, à redução da receita fiscal, o que ultimamente resultou no enfraquecimento da estrutura imperial. Em um exemplo positivo, Laffer pôde ele mesmo aplicar uma gradual redução de carga tributária nos Estados Unidos enquanto servindo à equipe econômica do presidente Ronald Reagan na década de 80, o que culminou em um evidente aumento na arrecadação. É importante notar que nenhum desses exemplos serve como prova da teoria, pois nenhum deles ocorreu em um vácuo sem outros fatores de influência. No entanto, servem bem para ilustrar alguma correlação entre mudanças nas taxas de imposto e a arrecadação.

Apesar da evidente correlação, a teoria encontra desafios em suas aplicações para a política fiscal. O grande problema é que a Curva de Laffer não indica especificamente em que ponto exato a maximização da arrecadação ocorre, até porque esse ponto é diferente para cada economia e varia também ao longo do tempo. Assim, salvo em casos nos quais as alíquotas são excessivamente altas ou baixas, fica muito difícil determinar qual o movimento de redução/aumento necessário para chegar ao ponto ótimo. Ou seja, qualquer movimento pode ter um efeito negativo ao invés de positivo para arrecadação.

No atual momento, na qual as discussões sobre as implicações do arcabouço fiscal e da pretendida reforma tributária são tão presentes, o espectro da curva de Laffer paira no plano de fundo e preocupações quanto à uma diminuição na arrecadação, ocasionada pelo desaquecimento econômico, vêm à tona. Apesar de ser impossível afirmar que o Brasil está de um lado ou outro da curva, o medo permanece sendo que haja um desestímulo generalizado na economia, ocasionado não apenas pelo aumento dos encargos, mas também pela instabilidade percebida, e que isso, em troca, leve a menos arrecadação e piore o risco-país, contribuindo assim para um ciclo vicioso de crise. No entanto, é impossível determinar se isso vai ou não acontecer sem antes saber onde está o Brasil na curva de Laffer, uma pergunta para a qual, infelizmente, não há uma resposta clara (apesar de ser possível especular).

*Roberta Paulinetti Franco Neves é sócia e gestora na Avin Asset Gestão de Recursos desde 2020. Graduou-se em Economia e História pela Universidade William & Mary, nos Estados Unidos, em 2020 e é autorizada a prestar serviços de administradora de carteira de valores mobiliários pela CVM desde 2021.

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