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Impactos de um ambiente de recessão e pouca liquidez na gestão patrimonial

A Aram Capital enxerga um cenário macroeconômico de cautela e comenta sobre as estratégias de alocação para o investidor se proteger do ambiente recessivo

(sefa ozel/iStock/Reprodução)
DR

Da Redação

Publicado em 25 de julho de 2022 às 10h00.

Última atualização em 25 de julho de 2022 às 15h40.

Por Eduardo Scarceli

“É verdade que o aperto monetário do Federal Reserve impactou a liquidez e acalmou espíritos animais”, escreveu Tan Kai Xian à Gavekal. Se antes o ambiente era o que o mercado denomina “TINA” ( there is no alternative ), onde a taxa de juros era tão baixa que valia a pena investir em qualquer ativo, atualmente o ambiente é o que se denomina “PATTY” ( pay attention to the yield ), numa tradução livre: preste atenção nos rendimentos, visto que o dinheiro custa mais caro no tempo. Portanto, o cenário à frente é de cautela e com possíveis pioras.

Desde o último dado de inflação que saiu no final de junho, o FED se mostrou mais comprometido com o aperto monetário e o aumento dos juros (0,75% de aumento na última reunião e perspectiva de aumento de novos 0,75% na próxima). Além disso, o presidente do FED deixou claro que o seu comprometimento será em trazer a TIPS de 10 anos (a projeção de inflação de 10 anos) para 2% (hoje ela está em 2,7% para 10 anos, 3,3% para 5 anos e 8,6% nos últimos 12 meses – patamares muito altos para os EUA, visto que a 8,6% é 4 vezes a inflação normal do país).

Em momentos de apertos monetários como esse, com aumento de juros e redução de dólares de circulação (que o FED vem fazendo a pequenos passos, depois de ter impresso USD 4,5 trilhões na pandemia), os investimentos que mais sofreram no acumulado do ano nas mãos dos “espíritos animais” foram: a) bitcoins -58%; (b) ações de tecnologia listadas -28%; c) bolsa americana S&P 500 -20%; d) título do governo americano de 10 anos -13%; e e) ouro -8,5%. Em contrapartida, títulos de inflação no Brasil desempenharam uma alta de 8%.

Os raízes de Wall Street, como o chefe do JP Morgan, Jamie Dimon, o fundador do Bridgewater, Ray Dalio, e o time da importante consultoria global independente, Gavekal, alertam para um iminente ambiente recessivo e de piora nos preços dos ativos. Embora os analistas do FED apontem para uma probabilidade de queda neste ano de apenas 20%, e a recente alta do mercado internacional indique que ainda não foi precificada a recessão, se vier a acontecer, os preços dos ativos de risco, como ações (principalmente as ações de growth ), reits e títulos corporativos com maior risco ( bonds ), sofrerão ainda mais. As estatísticas mostram que a bolsa americana pode ceder entre 30% e 55% em casos de recessão.

Um importante indicador é o spread Wickselliano, que aponta a diferença entre o retorno das empresas (ROIC) e o spread de crédito - que aumenta ainda mais o custo de capital das empresas (WACC). A diferença entre o ROIC e o WACC está em 3,1% - indicando altíssima probabilidade de que os EUA entrarão em uma recessão, e ainda há margem para que a) os custos reais dos empréstimos subam ainda mais à medida que o FED se retrai; e b) o ROIC caia devido à pressão salarial ascendente e a inflação das empresas suba. Ambas as situações reduzirão ainda mais este spread, o que sugere que as empresas terão mais dificuldade em tomar empréstimos e investir de forma lucrativa. Além disso, a confiança do consumidor e a dos CEOs estão em níveis baixíssimos – 1) o varejo começou a arrefecer; 2) as empresas estão passando por um aumento do custo financeiro de empréstimos com a alta dos juros e dos spreads; 3) a alta do dólar no mundo reduz a receita e a lucratividade das empresas americanas (visto que elas têm em média 30% de suas receitas em outras moedas); 4) um aumento significativo dos custos de insumos e dos salários (cria a dinâmica auto reforçada na inflação ou a famosa “bola de neve”, ou seja, a inflação está consumindo boa parte do poder de compra dos cidadãos; 5) empresas de diversos setores já começaram a realizar demissões, com destaque para as empresas de tecnologia, que estão se preocupando em segurar o caixa; e 6) e o número de pedidos de auxílio desemprego começou a aumentar.

-(Gavekal Research/Macrobond/Reprodução)

Já para o Brasil, é necessário monitorar três situações: a) a desaceleração da inflação, que deverá ocorrer, visto que o Banco Central brasileiro começou a apertar os juros um ano antes do que o FED; b) a incerteza política causada pelas eleições deste ano; e c) o risco de recessão global.

A menor incerteza com a instabilidade política e o risco de recessão global em algum momento, combinado com a desaceleração da inflação, poderá gerar em 2023 um ambiente em que o mercado comece a precificar uma queda na taxa de juros (Selic) - ainda não precificada - e, caso isso venha a acontecer, será positivo para uma série de classes de ativos de maior risco.

Foi importante ter se posicionado para o cenário de aperto monetário reduzindo ativos de risco e o prazo médio dos investimentos. Em paralelo, para esse novo cenário, é importante também considerar um novo reposicionamento de portfólio para um ambiente não só de aperto de liquidez, mas também de recessão na economia americana, cuja probabilidade de ocorrer já ultrapassa 50%, reduzindo posições de bolsa internacional e títulos de renda fixa high yield – que se comportam negativamente em recessões por serem ativos de maior grau de risco.

Eduardo Scarceli é sócio fundador do Multi Family Office - Aram Capital, e consultor de valores mobiliários autorizado pela CVM. Com mais de 10 anos de experiência no mercado financeiro, iniciou sua carreira na tesouraria do HSBC e foi Vice-Presidente de Private Banking do Banco Credit Suisse Hedging-Griffo até 2017, onde foi responsável pela gestão e planejamento do patrimônio de famílias clientes do banco. É bacharel em Administração de Empresas pela ESPM, com especialização em Investment Banking pelo Insper e possui certificação CFP®️.

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Por Eduardo Scarceli

“É verdade que o aperto monetário do Federal Reserve impactou a liquidez e acalmou espíritos animais”, escreveu Tan Kai Xian à Gavekal. Se antes o ambiente era o que o mercado denomina “TINA” ( there is no alternative ), onde a taxa de juros era tão baixa que valia a pena investir em qualquer ativo, atualmente o ambiente é o que se denomina “PATTY” ( pay attention to the yield ), numa tradução livre: preste atenção nos rendimentos, visto que o dinheiro custa mais caro no tempo. Portanto, o cenário à frente é de cautela e com possíveis pioras.

Desde o último dado de inflação que saiu no final de junho, o FED se mostrou mais comprometido com o aperto monetário e o aumento dos juros (0,75% de aumento na última reunião e perspectiva de aumento de novos 0,75% na próxima). Além disso, o presidente do FED deixou claro que o seu comprometimento será em trazer a TIPS de 10 anos (a projeção de inflação de 10 anos) para 2% (hoje ela está em 2,7% para 10 anos, 3,3% para 5 anos e 8,6% nos últimos 12 meses – patamares muito altos para os EUA, visto que a 8,6% é 4 vezes a inflação normal do país).

Em momentos de apertos monetários como esse, com aumento de juros e redução de dólares de circulação (que o FED vem fazendo a pequenos passos, depois de ter impresso USD 4,5 trilhões na pandemia), os investimentos que mais sofreram no acumulado do ano nas mãos dos “espíritos animais” foram: a) bitcoins -58%; (b) ações de tecnologia listadas -28%; c) bolsa americana S&P 500 -20%; d) título do governo americano de 10 anos -13%; e e) ouro -8,5%. Em contrapartida, títulos de inflação no Brasil desempenharam uma alta de 8%.

Os raízes de Wall Street, como o chefe do JP Morgan, Jamie Dimon, o fundador do Bridgewater, Ray Dalio, e o time da importante consultoria global independente, Gavekal, alertam para um iminente ambiente recessivo e de piora nos preços dos ativos. Embora os analistas do FED apontem para uma probabilidade de queda neste ano de apenas 20%, e a recente alta do mercado internacional indique que ainda não foi precificada a recessão, se vier a acontecer, os preços dos ativos de risco, como ações (principalmente as ações de growth ), reits e títulos corporativos com maior risco ( bonds ), sofrerão ainda mais. As estatísticas mostram que a bolsa americana pode ceder entre 30% e 55% em casos de recessão.

Um importante indicador é o spread Wickselliano, que aponta a diferença entre o retorno das empresas (ROIC) e o spread de crédito - que aumenta ainda mais o custo de capital das empresas (WACC). A diferença entre o ROIC e o WACC está em 3,1% - indicando altíssima probabilidade de que os EUA entrarão em uma recessão, e ainda há margem para que a) os custos reais dos empréstimos subam ainda mais à medida que o FED se retrai; e b) o ROIC caia devido à pressão salarial ascendente e a inflação das empresas suba. Ambas as situações reduzirão ainda mais este spread, o que sugere que as empresas terão mais dificuldade em tomar empréstimos e investir de forma lucrativa. Além disso, a confiança do consumidor e a dos CEOs estão em níveis baixíssimos – 1) o varejo começou a arrefecer; 2) as empresas estão passando por um aumento do custo financeiro de empréstimos com a alta dos juros e dos spreads; 3) a alta do dólar no mundo reduz a receita e a lucratividade das empresas americanas (visto que elas têm em média 30% de suas receitas em outras moedas); 4) um aumento significativo dos custos de insumos e dos salários (cria a dinâmica auto reforçada na inflação ou a famosa “bola de neve”, ou seja, a inflação está consumindo boa parte do poder de compra dos cidadãos; 5) empresas de diversos setores já começaram a realizar demissões, com destaque para as empresas de tecnologia, que estão se preocupando em segurar o caixa; e 6) e o número de pedidos de auxílio desemprego começou a aumentar.

-(Gavekal Research/Macrobond/Reprodução)

Já para o Brasil, é necessário monitorar três situações: a) a desaceleração da inflação, que deverá ocorrer, visto que o Banco Central brasileiro começou a apertar os juros um ano antes do que o FED; b) a incerteza política causada pelas eleições deste ano; e c) o risco de recessão global.

A menor incerteza com a instabilidade política e o risco de recessão global em algum momento, combinado com a desaceleração da inflação, poderá gerar em 2023 um ambiente em que o mercado comece a precificar uma queda na taxa de juros (Selic) - ainda não precificada - e, caso isso venha a acontecer, será positivo para uma série de classes de ativos de maior risco.

Foi importante ter se posicionado para o cenário de aperto monetário reduzindo ativos de risco e o prazo médio dos investimentos. Em paralelo, para esse novo cenário, é importante também considerar um novo reposicionamento de portfólio para um ambiente não só de aperto de liquidez, mas também de recessão na economia americana, cuja probabilidade de ocorrer já ultrapassa 50%, reduzindo posições de bolsa internacional e títulos de renda fixa high yield – que se comportam negativamente em recessões por serem ativos de maior grau de risco.

Eduardo Scarceli é sócio fundador do Multi Family Office - Aram Capital, e consultor de valores mobiliários autorizado pela CVM. Com mais de 10 anos de experiência no mercado financeiro, iniciou sua carreira na tesouraria do HSBC e foi Vice-Presidente de Private Banking do Banco Credit Suisse Hedging-Griffo até 2017, onde foi responsável pela gestão e planejamento do patrimônio de famílias clientes do banco. É bacharel em Administração de Empresas pela ESPM, com especialização em Investment Banking pelo Insper e possui certificação CFP®️.

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