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Paulo Dalla Nora Macedo: O Dever de Declarar o Não Voto

Bolsonaro vai passar; nós, como elite econômica, não

Urna eletrônica (Fábio Pozzebom/Agência Brasil)
DR

Da Redação

Publicado em 24 de setembro de 2021 às 07h13.

Paulo Dalla Nora Macedo*

Há quase três anos, publiquei um artigo neste mesmo espaço, logo após o nosso primeiro turno de 2018, em que fazia uma comparação da votação que o ex-presidente Trump obteve em 2016, nos EUA , e a votação que o então candidato Bolsonaro acabara de obter no primeiro turno das nossas eleições presidenciais. A fotografia era clara: Trump tinha perdido para Hillary por ampla margem nos grandes centros urbanos entre os mais educados e ricos, enquanto Bolsonaro, inversamente, foi melhor, de forma geral, nas grandes cidades brasileiras e entre os de maior renda e educação: nos Jardins, em São Paulo, e na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, seria eleito no primeiro turno. Acabava o texto dizendo que esse apoio da nossa elite urbana ao projeto de Bolsonaro era muito mais preocupante, ao menos para mim, do que a possível eleição de Bolsonaro, pois ele passaria. Já esse estado mental do que podemos chamar de elite urbana (ao menos de parte significativa dela) parecia ser muito mais enraizado na direção de um bolsonarismo estrutural.

Passados quase três anos, as diferenças de postura entre as nossas elites urbanas se acentuaram no que diz respeito ao apoio aos dois líderes da alt-right daqui e de lá: Trump foi massacrado, perdendo proporcionalmente por mais diferença, nas eleições de 2020, nos centros urbanos nos grupos dos mais educados e ricos, enquanto, no Brasil , Bolsonaro, mesmo quando atinge a sua pior avaliação geral, mantém os melhores índices de aprovação entre segmentos como: pessoas com renda acima de dez salários mínimos, moradores do Sul e Sudeste; e, como segmento campeão da melhor avaliação, temos os empresários. Entre os empresários, Bolsonaro tem 47% de bom e ótimo; o ruim e péssimo apenas 34%. Não estou argumentando que ele é avaliado como ótimo e bom pela maioria nesses grupos; de fato apenas entre empresários o ótimo e bom é maior do que o ruim e péssimo, mas estou chamando atenção para o fato de que é nesses grupos, importantes para a elite urbana, que ele tem os seus melhores índices de avaliação. É uma dinâmica ao contrário do fenômeno de Trump nos EUA. O fato de ser uma pesquisa de avaliação é ainda mais preocupante, pois avalia o Presidente à luz dos valores de cada um e não o Presidente versus outros candidatos.

A diferença de comportamento da parcela da sociedade que controla os meios produtivos entre o Brasil e EUA é gritante quando nos debruçamos sobre a realidade. Seria a nossa colonização que levou a uma formação social tão diferente? Provavelmente sim. O brilhante Viana Moog, escritor, jornalista e advogado, fez semelhante análise no seu clássico: Bandeirantes e Pioneiros: paralelo entre duas culturas. Não vou entrar, portanto, por falta de competência e espaço, em tais razões. O que penso ser fundamental destacar é que nós, membros da elite econômica, temos uma responsabilidade intransferível no enraizamento do modelo mental que diferencia nossa elite dos pares americanos. Alguns grupos organizados começam a refletir sobre essa responsabilidade coletiva e a urgente necessidade de ação: a Carta dos Economistas, e mais recentemente o Derrubando Muros, são motivos de esperança de uma influência positiva de formadores de opinião com espaço de fala na imprensa. É preciso usá-lo com a coragem que o momento exige para termos a legitimidade de alegar que “aquilo não somos nós”. Não somos mesmo?

Um ponto concreto dessa responsabilidade: é imperioso que, aos sermos incitados a declarar o nosso voto, em 2022, tenhamos a dimensão do nosso papel. A omissão da exclusão da possibilidade do voto no atual presidente funciona como normalizador da postura do atual mandatário para muita gente dos grupos que avaliam bem o Presidente, ao menos dos que leem jornais e entrevistas. Quem se omite joga a favor da continuidade do abismo comportamental que destaquei no início do texto. Não é concebível, depois dos quase três anos de previsível obscurantismo, com ameaças aos avanços civilizatórios em todas as dimensões, que não consigamos declarar, minimamente, que não é admissível votar no Presidente em nenhuma situação. O país precisa, com urgência, ouvir publicamente esse compromisso de membros da sua elite econômica com clareza e objetividade: é um dever da elite educar para a Democracia, como destacou Alexis Tocqueville. Se algum motivo impossibilite a objetividade, é preferível que o espaço na mídia não seja ocupado pelo representante.

Se não formos capazes nem desse mínimo gesto civilizatório, mesmo sem declarar o voto em qualquer um dos seus adversários, realmente estamos merecendo a diferenciação, com viés negativo, que Viana Moog aponta no livro. E minha preocupação, presente no artigo de 2018, permanece atual: Bolsonaro vai passar; nós, como elite econômica, não. Confirmando-se uma postura pusilânime, posso dizer que infelizmente.

*Paulo Dalla Nora Macedo, empreendedor de impacto e Vice-Presidente do Instituto Política Viva

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Paulo Dalla Nora Macedo*

Há quase três anos, publiquei um artigo neste mesmo espaço, logo após o nosso primeiro turno de 2018, em que fazia uma comparação da votação que o ex-presidente Trump obteve em 2016, nos EUA , e a votação que o então candidato Bolsonaro acabara de obter no primeiro turno das nossas eleições presidenciais. A fotografia era clara: Trump tinha perdido para Hillary por ampla margem nos grandes centros urbanos entre os mais educados e ricos, enquanto Bolsonaro, inversamente, foi melhor, de forma geral, nas grandes cidades brasileiras e entre os de maior renda e educação: nos Jardins, em São Paulo, e na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, seria eleito no primeiro turno. Acabava o texto dizendo que esse apoio da nossa elite urbana ao projeto de Bolsonaro era muito mais preocupante, ao menos para mim, do que a possível eleição de Bolsonaro, pois ele passaria. Já esse estado mental do que podemos chamar de elite urbana (ao menos de parte significativa dela) parecia ser muito mais enraizado na direção de um bolsonarismo estrutural.

Passados quase três anos, as diferenças de postura entre as nossas elites urbanas se acentuaram no que diz respeito ao apoio aos dois líderes da alt-right daqui e de lá: Trump foi massacrado, perdendo proporcionalmente por mais diferença, nas eleições de 2020, nos centros urbanos nos grupos dos mais educados e ricos, enquanto, no Brasil , Bolsonaro, mesmo quando atinge a sua pior avaliação geral, mantém os melhores índices de aprovação entre segmentos como: pessoas com renda acima de dez salários mínimos, moradores do Sul e Sudeste; e, como segmento campeão da melhor avaliação, temos os empresários. Entre os empresários, Bolsonaro tem 47% de bom e ótimo; o ruim e péssimo apenas 34%. Não estou argumentando que ele é avaliado como ótimo e bom pela maioria nesses grupos; de fato apenas entre empresários o ótimo e bom é maior do que o ruim e péssimo, mas estou chamando atenção para o fato de que é nesses grupos, importantes para a elite urbana, que ele tem os seus melhores índices de avaliação. É uma dinâmica ao contrário do fenômeno de Trump nos EUA. O fato de ser uma pesquisa de avaliação é ainda mais preocupante, pois avalia o Presidente à luz dos valores de cada um e não o Presidente versus outros candidatos.

A diferença de comportamento da parcela da sociedade que controla os meios produtivos entre o Brasil e EUA é gritante quando nos debruçamos sobre a realidade. Seria a nossa colonização que levou a uma formação social tão diferente? Provavelmente sim. O brilhante Viana Moog, escritor, jornalista e advogado, fez semelhante análise no seu clássico: Bandeirantes e Pioneiros: paralelo entre duas culturas. Não vou entrar, portanto, por falta de competência e espaço, em tais razões. O que penso ser fundamental destacar é que nós, membros da elite econômica, temos uma responsabilidade intransferível no enraizamento do modelo mental que diferencia nossa elite dos pares americanos. Alguns grupos organizados começam a refletir sobre essa responsabilidade coletiva e a urgente necessidade de ação: a Carta dos Economistas, e mais recentemente o Derrubando Muros, são motivos de esperança de uma influência positiva de formadores de opinião com espaço de fala na imprensa. É preciso usá-lo com a coragem que o momento exige para termos a legitimidade de alegar que “aquilo não somos nós”. Não somos mesmo?

Um ponto concreto dessa responsabilidade: é imperioso que, aos sermos incitados a declarar o nosso voto, em 2022, tenhamos a dimensão do nosso papel. A omissão da exclusão da possibilidade do voto no atual presidente funciona como normalizador da postura do atual mandatário para muita gente dos grupos que avaliam bem o Presidente, ao menos dos que leem jornais e entrevistas. Quem se omite joga a favor da continuidade do abismo comportamental que destaquei no início do texto. Não é concebível, depois dos quase três anos de previsível obscurantismo, com ameaças aos avanços civilizatórios em todas as dimensões, que não consigamos declarar, minimamente, que não é admissível votar no Presidente em nenhuma situação. O país precisa, com urgência, ouvir publicamente esse compromisso de membros da sua elite econômica com clareza e objetividade: é um dever da elite educar para a Democracia, como destacou Alexis Tocqueville. Se algum motivo impossibilite a objetividade, é preferível que o espaço na mídia não seja ocupado pelo representante.

Se não formos capazes nem desse mínimo gesto civilizatório, mesmo sem declarar o voto em qualquer um dos seus adversários, realmente estamos merecendo a diferenciação, com viés negativo, que Viana Moog aponta no livro. E minha preocupação, presente no artigo de 2018, permanece atual: Bolsonaro vai passar; nós, como elite econômica, não. Confirmando-se uma postura pusilânime, posso dizer que infelizmente.

*Paulo Dalla Nora Macedo, empreendedor de impacto e Vice-Presidente do Instituto Política Viva

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