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O profissional “se-sobrar”

Minha dica é: encontrou um profissional brilhante? Cola nele e aprenda! Negocie de forma justa e se surpreenda com uma mente genial

Hilaine Yaccoub: apesar do nosso envolvimento se construir muito além da moeda, nos vemos diariamente compelidos a defender nosso capital intelectual (iStock/Abril Branded Content)
Hilaine Yaccoub: apesar do nosso envolvimento se construir muito além da moeda, nos vemos diariamente compelidos a defender nosso capital intelectual (iStock/Abril Branded Content)
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Opinião

Publicado em 4 de agosto de 2020 às, 09h20.

Quando o quando o assunto é cobrar por um serviço intelectual, criativo ou artístico nos vemos sempre, ou quase sempre, amedrontados pela negativa de possível cliente.

Qual a medida do repertório teórico-analítico desenvolvido por anos?
Como mensurar lucros e entregas dentro de um determinado espaço-tempo?
Como fazer entender que para ser o que somos hoje vivemos uma caminhada longa de muita dedicação e resiliência?

Como na emblemática propaganda do cartão de crédito, quando o assunto é misturar nossa formação vocacionada com o ofício entramos naquela máxima” não tem preço”, ou pelo menos não deveria, só que tem.

De um lado somos levados por uma vontade de democratizar nossa produção nos fazendo conhecidos (como também nossas ideias, experiência e arte) e entramos numa viagem egóica porque é importante para nós publicizar o resultado final de uma longa jornada, e também entra em jogo os interesses do contratante e quase não pensamos muito somos pegos facilmente pelo desafio de novos temas e descobertas.

Só que diferente do que tudo que podemos imaginar, tem preço sim. Apesar do nosso envolvimento se construir muito além da moeda, nos vemos diariamente compelidos a defender nosso capital intelectual. Às vezes de forma vergonhosa, vexatória e desonrosa.

No meu caso por exemplo, estar nesse lugar do que chamam “pioneira” na minha área de atuação fora dos muros acadêmicos e difundir a Antropologia aplicada às empresas no Brasil é uma árdua tarefa. Imagino que para muitos novos profissionais artistas, designers ou modernos empreendedores e freelancers de modo geral seja assim também.

Por vezes preciso ser paciente utilizando do didatismo intencional para me colocar a postos para provar que a Antropologia do Consumo é sim um canal de inovação de repertório contínua e imensurável, o conhecimento é a maior estratégia dos últimos tempos: Aplicável, estratégico e gerador de lucro (no campo físico e intelectual)

Vivemos um enorme desafio em quebrar paradigmas em muitos setores e o do conhecimento aplicado é um deles. Fala-se muito em inovação, mas quando trazemos algo novo sempre é percebido como um risco, mas se sempre há ameaças no mundo dos negócios, por que a contratação de algo/alguém inovador seria diferente?

Encontramos tomadores de decisão que ainda buscam empacotar criatividade em caixas, classificar pessoas através de sistemas que não se aplicam mais, entender movimentos socioculturais ainda utilizando indicadores que não trazem respostas reais.

E mais, diante de tantas possibilidades mais contemporâneas em fazer o trabalho criativo e intelectual o medo faz com que o ciclo não se quebre e a mágica, explosivo e estonteante solução terceirizada, aquela que irá de forma prática resolver todos os problemas dele são contempladas com um grande sim, post-it coloridos são colados nas paredes e lá está um novo laboratório de inovação “in house”.

Pois é, as pessoas ainda buscam ATALHOS, e inovação não é sobre ter uma sala colorida dentro da empresa com post-it colado na janela de vidro toda desenhada com insights. É sobre ter pessoas plurais, inovadoras, fora da caixa, conscientes do seu poder de produção e de desconstrução. Para ser inovador, é preciso aprender a lidar com o novo, e o novo é desconfortável!

Não é de hoje que venho escrevendo e relatando o que tem acontecido no mundo do trabalho onde o serviço consultivo é colocado em xeque. Dia desses recebi feedback de um possível cliente com a seguinte mensagem “se sobrar budget te chamo”, fiquei pensando sobre ser um profissional “se sobrar”.

Se sobrar eu te contrato, se sobrar eu te pago, se sobrar eu fecho com você, se sobrar você palestra, se sobrar eu pago o seu transporte, se sobrar eu arco com os custos. Enfim, um mar de possibilidades com a prerrogativa “se sobrar”.

Fiz um exercício de uma simples inversão de papeis, como seria se as empresas recebessem esse tipo de resposta: se sobrar tempo eu te atendo, se sobrar interesse eu faço o job, se sobrar espaço eu consigo abrilhantar o seu evento, se sobrar oportunidade eu te auxilio, se sobrar prazo eu te ajudo.

Nada gentil, certo?

Minha dica é: encontrou um profissional brilhante? Cola nele e aprenda! Negocie de forma justa e se surpreenda com uma mente genial que te trará muito mais que atalhos.

Invista nas ideias e não em soluções fáceis, nada é fácil, se é vendido como fácil, desconfie, pode ser gato por lebre.


Hilaine Yaccoub é doutora em Antropologia do Consumo. Atua como palestrante e consultora, realizando estudos que promovem ligação entre o mercado consumidor, o conhecimento acadêmico e as empresas. Para seguir nas redes sociais: @hilaine