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Um balanço preliminar da pandemia

Confira dez fatos que marcaram os últimos seis meses da sociedade brasileira

(Amanda Perobelli/Reuters)
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isabelarovaroto

Publicado em 1 de outubro de 2020 às 09h27.

Última atualização em 1 de outubro de 2020 às 09h29.

Hoje completo seis meses seguidos em que essa coluna é publicada initerruptamente. Foram 180 dias corridos nos quais discuti a pandemia do cornavírus em si, o cenário político, a economia e principalmente o comportamento das pessoas. São seis meses de observação contínua do na cena brasileira, que constituem uma série de fotografias de nossa sociedade neste período.

Em certas ocasiões, mostramos uma grandeza enorme como pessoas físicas e jurídicas. Em outros momentos, no entanto, apresentamos o que há de pior no ser humano, em manifestações explícitas de intolerância e agressividade gratuita.

Aproveito para fazer um balanço das dez coisas que mais me marcaram nessa maratona de crônicas diárias, iniciada em 30 de março. Em vez de apostar em uma cronologia pura e simples, vou fazer uma lista que começa com aspectos negativos e termina com uma narrativa positiva e otimista.

INTOLERÂNCIA CADA VEZ MAIOR – As pessoas já estavam em um estado frequente de conflito. O país já vivia um cenário de divisão política e do ponto de vista de costumes há alguns anos. O estresse resultante da pandemia encastelou os extremos em seus lados e acabou engrossando as fileiras dos radicais. Mesmo quem não é adepto do extremismo viu-se em discussões inúteis nas redes sociais defendendo racionalmente seus pontos de vista para receber vaias virtuais. Esse tipo de comportamento levou à chamada cultura do cancelamento – um ponto em comum entre os ativistas de direita e de esquerda, ou entre conservadores e progressistas. O fato é que o respeito à opinião alheia desapareceu. E enfrentaremos sérios problemas no futuro por conta de uma possível extinção da troca genuína de ideias e conceitos.

OS CIENTISTAS DISCORDAM ENTRE SI – No início da pandemia, tínhamos os chamados negacionistas, aqueles que contestavam as evidências científicas de que estávamos diante de uma grande pandemia e um número enorme de vítimas seria atingido em todo o mundo. Com o tempo, no entanto, percebemos que os próprios cientistas começaram a discordar entre si, criando debates acalorados e deixando os leigos, em muitos casos, perdidos. A conclusão é a de que o comportamento do coronavírus têm mais mistérios que supõe a nossa vã filosofia. Teremos ainda muito tempo até que toda a comunidade científica crie consensos em relação ao vírus e sua capacidade de contaminação.

BANALIZAÇÃO DA TRAGÉDIA – Conforme os números foram se empilhando, as mortes viraram estatísticas. O tempo foi passando e, com ele, a paciência das pessoas em manter os índices de isolamento social diminuiu. As ruas voltaram a ficar cheias e a socialização foi sendo retomada. Como em um filme de ação, esquecemos os mortos que ficaram para trás no início da película e tocamos nossa vida.

O FIM DO GOVERNO LIBERAL – Em todo o mundo, vimos um festival de dinheiro público surgir para dar liquidez a uma economia que parou de repente. No Brasil, não foi diferente. Mas, aqui, havia um detalhe: a equipe econômica tentava imprimir um projeto liberal ao país, com uma série de planos para desinchar a estrutura estatal e reduzir os gastos públicos. O momento em que esse projeto ruiu foi justamente a saída do governo dos secretários Paulo Uebel e Salim Mattar. Naquele instante, o governo Bolsonaro passou a ser uma gestão de direita como outra qualquer, investindo dinheiro público em assistencialismo e usando como base política no Congresso o Centrão.

O QUESTIONAMENTO DA MÍDIA – Já faz algum tempo que os veículos de comunicação estão com sua credibilidade arranhada. A esquerda já tinha suas críticas desde o processo de impeachment de Dilma Rousseff, na qual chamava os veículos de “mídia golpista”. Do outro lado do espectro político, a direita também iniciou um processo de desconstrução da imagem dos veículos. Esse processo veio para ficar.

As pessoas simplesmente não ficam mais passivas ao acessar um conteúdo com o qual não concordam. Mas, no fundo, esses inconformados se esquecem da forma mais simples de protestar em relação àquilo com o qual não concordam: não leiam, não comprem, não assinem. Simples assim.

PRAGMATISMO DE BOLSONARO – Ao esquecer o discurso de campanha e chamar o Centrão para sua órbita, o presidente Jair Bolsonaro distribuiu cargos a granel e garantiu uma base parlamentar que estava claudicante justamente por conta das brigas sem fim que o Executivo criava quase que diariamente com o Legislativo. Ao abraçar o pragmatismo, Bolsonaro trouxe maior estabilidade ao cenário político.

AGENDA ESG – Cada vez mais, as empresas estão aderindo à agenda de ações voltadas ao meio ambiente, inclusão social e governança. Trata-se de um fenômeno que dificilmente será interrompido. Mas há um risco: o de o governo se meter na vida das empresas e começar a baixar leis e normas que engessem o dia a dia das corporações. Que cada empresa use de sua autonomia para fazer o que bem entender – como o exemplo recente do Magazine Luiza em contratar apenas trainees negros.

A BUSCA DO FOCO – O Home Office trouxe grandes mudanças no cotidiano das pessoas. Depois de um início um tanto caótico, cada um foi descobrindo sua própria fórmula para manter-se focado no trabalho. Percebe-se que o trabalho remoto não será algo voltado para todos os colaboradores de uma empresa. Mas todos aprenderam a se concentrar melhor durante a pandemia, seja no escritório ou em casa.

SOLIDARIEDADE – Um antigo ditado corporativo diz que nenhuma empresa é uma ilha. Mas, nos últimos tempos, as atividades de solidariedade não estavam exatamente fazendo parte da agenda empresarial. Com a pandemia, entretanto, muitas pessoas jurídicas se mostraram preocupados com os efeitos potencialmente devastadores da retração econômica e passaram a se organizar para ajudar os mais necessitados. Trata-se de um legado que deve permanecer após a pandemia e ajudar a construir um mundo melhor.

A FORÇA DO EMPREENDEDOR – As empresas começam a mostrar sinais de recuperação mesmo tendo diante de si o quadro econômico mais difícil de toda a a história recente. Ontem mesmo, falava com um empresário amigo que diz ter 84 % do faturamento dos tempos pré-pandêmicos. Outro, por sua vez, afirmava que setembro havia sido o melhor mês de faturamento em muitos anos. Os dois acreditavam em uma recuperação desta magnitude apenas no final do primeiro trimestre de 2021. Várias outras companhias já se mostram em processo de restabelecimento e isso deve ser creditado ao esforço dos empreendedores e dos executivos que tocam as empresas como se fossem seus donos. O espírito empreendedor impregnado nessas pessoas mostra que desistir não é uma opção. Garra, denodo e convicção são as características desses guerreiros que não deixaram a peteca cair e estão agora recolocando a locomotiva nos trilhos.

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Hoje completo seis meses seguidos em que essa coluna é publicada initerruptamente. Foram 180 dias corridos nos quais discuti a pandemia do cornavírus em si, o cenário político, a economia e principalmente o comportamento das pessoas. São seis meses de observação contínua do na cena brasileira, que constituem uma série de fotografias de nossa sociedade neste período.

Em certas ocasiões, mostramos uma grandeza enorme como pessoas físicas e jurídicas. Em outros momentos, no entanto, apresentamos o que há de pior no ser humano, em manifestações explícitas de intolerância e agressividade gratuita.

Aproveito para fazer um balanço das dez coisas que mais me marcaram nessa maratona de crônicas diárias, iniciada em 30 de março. Em vez de apostar em uma cronologia pura e simples, vou fazer uma lista que começa com aspectos negativos e termina com uma narrativa positiva e otimista.

INTOLERÂNCIA CADA VEZ MAIOR – As pessoas já estavam em um estado frequente de conflito. O país já vivia um cenário de divisão política e do ponto de vista de costumes há alguns anos. O estresse resultante da pandemia encastelou os extremos em seus lados e acabou engrossando as fileiras dos radicais. Mesmo quem não é adepto do extremismo viu-se em discussões inúteis nas redes sociais defendendo racionalmente seus pontos de vista para receber vaias virtuais. Esse tipo de comportamento levou à chamada cultura do cancelamento – um ponto em comum entre os ativistas de direita e de esquerda, ou entre conservadores e progressistas. O fato é que o respeito à opinião alheia desapareceu. E enfrentaremos sérios problemas no futuro por conta de uma possível extinção da troca genuína de ideias e conceitos.

OS CIENTISTAS DISCORDAM ENTRE SI – No início da pandemia, tínhamos os chamados negacionistas, aqueles que contestavam as evidências científicas de que estávamos diante de uma grande pandemia e um número enorme de vítimas seria atingido em todo o mundo. Com o tempo, no entanto, percebemos que os próprios cientistas começaram a discordar entre si, criando debates acalorados e deixando os leigos, em muitos casos, perdidos. A conclusão é a de que o comportamento do coronavírus têm mais mistérios que supõe a nossa vã filosofia. Teremos ainda muito tempo até que toda a comunidade científica crie consensos em relação ao vírus e sua capacidade de contaminação.

BANALIZAÇÃO DA TRAGÉDIA – Conforme os números foram se empilhando, as mortes viraram estatísticas. O tempo foi passando e, com ele, a paciência das pessoas em manter os índices de isolamento social diminuiu. As ruas voltaram a ficar cheias e a socialização foi sendo retomada. Como em um filme de ação, esquecemos os mortos que ficaram para trás no início da película e tocamos nossa vida.

O FIM DO GOVERNO LIBERAL – Em todo o mundo, vimos um festival de dinheiro público surgir para dar liquidez a uma economia que parou de repente. No Brasil, não foi diferente. Mas, aqui, havia um detalhe: a equipe econômica tentava imprimir um projeto liberal ao país, com uma série de planos para desinchar a estrutura estatal e reduzir os gastos públicos. O momento em que esse projeto ruiu foi justamente a saída do governo dos secretários Paulo Uebel e Salim Mattar. Naquele instante, o governo Bolsonaro passou a ser uma gestão de direita como outra qualquer, investindo dinheiro público em assistencialismo e usando como base política no Congresso o Centrão.

O QUESTIONAMENTO DA MÍDIA – Já faz algum tempo que os veículos de comunicação estão com sua credibilidade arranhada. A esquerda já tinha suas críticas desde o processo de impeachment de Dilma Rousseff, na qual chamava os veículos de “mídia golpista”. Do outro lado do espectro político, a direita também iniciou um processo de desconstrução da imagem dos veículos. Esse processo veio para ficar.

As pessoas simplesmente não ficam mais passivas ao acessar um conteúdo com o qual não concordam. Mas, no fundo, esses inconformados se esquecem da forma mais simples de protestar em relação àquilo com o qual não concordam: não leiam, não comprem, não assinem. Simples assim.

PRAGMATISMO DE BOLSONARO – Ao esquecer o discurso de campanha e chamar o Centrão para sua órbita, o presidente Jair Bolsonaro distribuiu cargos a granel e garantiu uma base parlamentar que estava claudicante justamente por conta das brigas sem fim que o Executivo criava quase que diariamente com o Legislativo. Ao abraçar o pragmatismo, Bolsonaro trouxe maior estabilidade ao cenário político.

AGENDA ESG – Cada vez mais, as empresas estão aderindo à agenda de ações voltadas ao meio ambiente, inclusão social e governança. Trata-se de um fenômeno que dificilmente será interrompido. Mas há um risco: o de o governo se meter na vida das empresas e começar a baixar leis e normas que engessem o dia a dia das corporações. Que cada empresa use de sua autonomia para fazer o que bem entender – como o exemplo recente do Magazine Luiza em contratar apenas trainees negros.

A BUSCA DO FOCO – O Home Office trouxe grandes mudanças no cotidiano das pessoas. Depois de um início um tanto caótico, cada um foi descobrindo sua própria fórmula para manter-se focado no trabalho. Percebe-se que o trabalho remoto não será algo voltado para todos os colaboradores de uma empresa. Mas todos aprenderam a se concentrar melhor durante a pandemia, seja no escritório ou em casa.

SOLIDARIEDADE – Um antigo ditado corporativo diz que nenhuma empresa é uma ilha. Mas, nos últimos tempos, as atividades de solidariedade não estavam exatamente fazendo parte da agenda empresarial. Com a pandemia, entretanto, muitas pessoas jurídicas se mostraram preocupados com os efeitos potencialmente devastadores da retração econômica e passaram a se organizar para ajudar os mais necessitados. Trata-se de um legado que deve permanecer após a pandemia e ajudar a construir um mundo melhor.

A FORÇA DO EMPREENDEDOR – As empresas começam a mostrar sinais de recuperação mesmo tendo diante de si o quadro econômico mais difícil de toda a a história recente. Ontem mesmo, falava com um empresário amigo que diz ter 84 % do faturamento dos tempos pré-pandêmicos. Outro, por sua vez, afirmava que setembro havia sido o melhor mês de faturamento em muitos anos. Os dois acreditavam em uma recuperação desta magnitude apenas no final do primeiro trimestre de 2021. Várias outras companhias já se mostram em processo de restabelecimento e isso deve ser creditado ao esforço dos empreendedores e dos executivos que tocam as empresas como se fossem seus donos. O espírito empreendedor impregnado nessas pessoas mostra que desistir não é uma opção. Garra, denodo e convicção são as características desses guerreiros que não deixaram a peteca cair e estão agora recolocando a locomotiva nos trilhos.

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