Perseguição religiosa – o mais novo boato da campanha presidencial
Presidente afirma possibilidade de um eventual governo Lula fechar igrejas evangélicas
Da Redação
Publicado em 16 de agosto de 2022 às 13h30.
Cristina Falcão
Em 1989, logo após o primeiro turno das eleições presidenciais, vários grupos de jovens vestidos com camisetas vermelhas começaram a surgir em determinadas cidades do interior. Eles se espalhavam pelo município e, munidos de pranchetas, tocavam a campainha em várias casas de classe média. Quando atendidos, faziam apenas uma pergunta: “Quantas pessoas moram nessa casa?”. Qualquer que fosse a resposta, o rapaz ou a moça de vermelho iam embora, deixando o morador com uma pulga atrás da orelha – afinal, qual a razão daquela pesquisa? Quando os habitantes daquelas cidadezinhas começavam a conversar sobre aquelas abordagens, surgia logo a conclusão: aqueles jovens eram militantes do PT e estavam fazendo um censo para que cada casa abrigasse mais de uma família, como ocorria na antiga União Soviética, caso o partido vencesse as eleições. Luiz Inácio Lula da Silva não venceria aquele pleito. Mas, nos catorze anos em que seu partido ficou no poder, não confiscou casas e apartamentos de classe média para criar moradias comunitárias – ou seja, a iniciativa pode ter sido uma forma sutil que o comitê do outro candidato, Fernando Collor de Mello, encontrou para disseminar algum temor da população brasileira em relação aos petistas. Resgatei essa história da memória ao ouvir uma reportagem ontem pela rádio CBN. O tema da reportagem? A possibilidade de um eventual governo Lula fechar igrejas evangélicas. Uma equipe de reportagem da emissora visitou vários locais de oração e encontrou fiéis que acreditavam piamente nessa probabilidade. Além disso, entrevistou o pastor e deputado Marco Feliciano. “Conversamos sobre o risco de perseguição, que pode culminar no fechamento de igrejas. Tenho que alertar meu rebanho de que há um lobo nos rondando, que quer tragar nossas ovelhas através da enganação e da sutileza. A esmagadora maioria das igrejas está anunciando a seus fiéis: ‘tomemos cuidado’“, disse Feliciano à CBN. Esse boato ganha vida exatamente na semana em que se comentava, no cenário político, que a campanha de Jair Bolsonaro poderia criar ações que ligassem o nome da esposa do candidato petista, Rosângela Santos, à prática do candomblé. Conhecida entre os amigos como “Janja”, a candidata a primeira-dama já foi fotografada diante de estatuetas de orixás. Ou seja, talvez o que incomode mais um determinado naco dos conservadores brasileiros não seja exatamente o lado econômico do esquerdismo – mas sim uma atitude que fuja das matrizes comportamentais evangélicas ou uma conduta antirreligiosa. Esse parece ser o caminho adotado por pelo menos uma parcela de seguidores do presidente Bolsonaro. Faz sentido? De um lado, a religião foi um dos maiores geradores de conflitos e de polarização na história da humanidade. De outro, estamos falando do Brasil, um país no qual temos a institucionalização de algo raro no Globo: o católico não-praticante. Investir da polarização – especialmente de fundo religioso -- pode ser algo extremamente arriscado. Talvez agrade mais à militância conservadora do que necessariamente cause efeitos práticos à campanha bolsonarista. Do mesmo jeito que Lula não tomou imóveis em 1990, a chance de o petista partir para uma perseguição religiosa em 2023, caso vença, parece próxima do zero. Além disso, Bolsonaro já tem a liderança entre eleitores evangélicos. O ideal seria somar a essa parcela aos sufragistas católicos, que hoje estão mais ao lado de Lula, segundo as pesquisas. Católicos também somam o maior grupo religioso do país, embora os evangélicos cresçam mais rapidamente. Por isso, já pipocam ideias na campanha bolsonarista (uma missa no Cristo Redentor é uma delas) para se aproximar do catolicismo. O que une católicos e evangélicos? A fé em Jesus Cristo, um ícone eterno de compreensão, de tolerância e de perdão – características que, infelizmente, estão em falta no mundo em que vivemos no ano de 2022. O deputado Capitão Augusto, vice-presidente nacional do PL e membro da Frente Parlamentar Evangélica, disse que tudo não passa de boato. “Não tem o menor cabimento. As igrejas vão funcionar independentemente de quem esteja no poder. É boataria pura”, afirmou. Em quem os fiéis vão acreditar? Na versão ou no fato? Saberemos em breve.
Cristina Falcão
Em 1989, logo após o primeiro turno das eleições presidenciais, vários grupos de jovens vestidos com camisetas vermelhas começaram a surgir em determinadas cidades do interior. Eles se espalhavam pelo município e, munidos de pranchetas, tocavam a campainha em várias casas de classe média. Quando atendidos, faziam apenas uma pergunta: “Quantas pessoas moram nessa casa?”. Qualquer que fosse a resposta, o rapaz ou a moça de vermelho iam embora, deixando o morador com uma pulga atrás da orelha – afinal, qual a razão daquela pesquisa? Quando os habitantes daquelas cidadezinhas começavam a conversar sobre aquelas abordagens, surgia logo a conclusão: aqueles jovens eram militantes do PT e estavam fazendo um censo para que cada casa abrigasse mais de uma família, como ocorria na antiga União Soviética, caso o partido vencesse as eleições. Luiz Inácio Lula da Silva não venceria aquele pleito. Mas, nos catorze anos em que seu partido ficou no poder, não confiscou casas e apartamentos de classe média para criar moradias comunitárias – ou seja, a iniciativa pode ter sido uma forma sutil que o comitê do outro candidato, Fernando Collor de Mello, encontrou para disseminar algum temor da população brasileira em relação aos petistas. Resgatei essa história da memória ao ouvir uma reportagem ontem pela rádio CBN. O tema da reportagem? A possibilidade de um eventual governo Lula fechar igrejas evangélicas. Uma equipe de reportagem da emissora visitou vários locais de oração e encontrou fiéis que acreditavam piamente nessa probabilidade. Além disso, entrevistou o pastor e deputado Marco Feliciano. “Conversamos sobre o risco de perseguição, que pode culminar no fechamento de igrejas. Tenho que alertar meu rebanho de que há um lobo nos rondando, que quer tragar nossas ovelhas através da enganação e da sutileza. A esmagadora maioria das igrejas está anunciando a seus fiéis: ‘tomemos cuidado’“, disse Feliciano à CBN. Esse boato ganha vida exatamente na semana em que se comentava, no cenário político, que a campanha de Jair Bolsonaro poderia criar ações que ligassem o nome da esposa do candidato petista, Rosângela Santos, à prática do candomblé. Conhecida entre os amigos como “Janja”, a candidata a primeira-dama já foi fotografada diante de estatuetas de orixás. Ou seja, talvez o que incomode mais um determinado naco dos conservadores brasileiros não seja exatamente o lado econômico do esquerdismo – mas sim uma atitude que fuja das matrizes comportamentais evangélicas ou uma conduta antirreligiosa. Esse parece ser o caminho adotado por pelo menos uma parcela de seguidores do presidente Bolsonaro. Faz sentido? De um lado, a religião foi um dos maiores geradores de conflitos e de polarização na história da humanidade. De outro, estamos falando do Brasil, um país no qual temos a institucionalização de algo raro no Globo: o católico não-praticante. Investir da polarização – especialmente de fundo religioso -- pode ser algo extremamente arriscado. Talvez agrade mais à militância conservadora do que necessariamente cause efeitos práticos à campanha bolsonarista. Do mesmo jeito que Lula não tomou imóveis em 1990, a chance de o petista partir para uma perseguição religiosa em 2023, caso vença, parece próxima do zero. Além disso, Bolsonaro já tem a liderança entre eleitores evangélicos. O ideal seria somar a essa parcela aos sufragistas católicos, que hoje estão mais ao lado de Lula, segundo as pesquisas. Católicos também somam o maior grupo religioso do país, embora os evangélicos cresçam mais rapidamente. Por isso, já pipocam ideias na campanha bolsonarista (uma missa no Cristo Redentor é uma delas) para se aproximar do catolicismo. O que une católicos e evangélicos? A fé em Jesus Cristo, um ícone eterno de compreensão, de tolerância e de perdão – características que, infelizmente, estão em falta no mundo em que vivemos no ano de 2022. O deputado Capitão Augusto, vice-presidente nacional do PL e membro da Frente Parlamentar Evangélica, disse que tudo não passa de boato. “Não tem o menor cabimento. As igrejas vão funcionar independentemente de quem esteja no poder. É boataria pura”, afirmou. Em quem os fiéis vão acreditar? Na versão ou no fato? Saberemos em breve.