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Os escravos dos algoritmos

A mente humana pode não ser perfeita. Mas ainda é imbatível em encontrar soluções criativas para problemas cabeludos

Cartazes anunciam novidades da Netflix em West Hollywood. (Philip Cheung/The New York Times)
Cartazes anunciam novidades da Netflix em West Hollywood. (Philip Cheung/The New York Times)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 27 de abril de 2021 às, 09h03.

No mundo atual, muitas empresas dependem quase que exclusivamente do marketing digital para executar seus planos de expansão. São companhias que exploram o varejo, o mercado atomizado de milhões de clientes, e usam ferramentas plugadas na internet para conquistar novas vendas.

Um exemplo disso é a Netflix, que conta com estratégias de marketing que privilegiam o mundo digital. Recentemente, no entanto, a empresa protagonizou um caso interessante no mercado acionário. Seu lucro líquido no primeiro trimestre foi de US$ 1,7 bilhão, 140 % acima do resultado no mesmo período de 2020. Isso equivale a um lucro ajustado por ação de US$ 3,70, diante de uma projeção de US$ 2,97 feita por analistas. Mesmo assim, a ação chegou a cair 10 % após a divulgação desses números. Onde está a pegadinha?

O mercado de ações vive de expectativas. E os especialistas acreditavam que a empesa conseguiria conquistar 6,3 milhões de novos clientes. Em vez disso, obteve 3,98 milhões. Deste episódio, tiramos duas observações. A primeira é a constatação de que os operadores do mercado não demonstraram interesse no fato de que a Netflix conseguiu superar as expectativas de lucro com menos clientes. A segunda é a de que alguma coisa deu errada na estratégia de crescimento da empresa. E, como a maioria dos esforços está centrada no marketing digital, empregou-se os algoritmos de maneira inadequada ou se está insistindo em uma estratégia que está chegando ao esgotamento.

No mundo das vendas efetuadas por seres humanos, resultados abaixo da expectativa são acompanhados de reuniões, broncas e de mecanismo de pressão psicológica que afetam o departamento comercial. Essa reação, que nem sempre é acompanhada de resultados concretos, é a que todos conhecem. Mas, no caso do marketing digital, o que fazer? Como brandir o chicote da insatisfação?

A princípio, a equipe de marketing digital será açoitada. Mas não adianta apenas pressionar esse grupo. Apesar dos mecanismos de inteligência artificial, as máquinas ainda precisam de indivíduos de carne e osso para que uma estratégia seja criada. E os cálculos de algoritmos devem estar em sintonia com as necessidades traçadas pelo corpo diretivo da empresa.

Portanto, o empecilho pode estar em quem traçou a estratégia e traduziu erroneamente os sinais enviados pelas análises preditivas. Ou fez algum tipo de barbeiragem no cálculo dos algoritmos. Ou não percebeu as mudanças pelas quais o mercado passou.

A mente humana pode não ser perfeita. Mas ainda é imbatível em encontrar soluções criativas para problemas cabeludos. Os algoritmos, de certa forma, usam dados frios para escavar as oportunidades de mercado. Mas, se todos os concorrentes estiverem fazendo a mesma coisa, como se diferenciar? Resposta: investindo em talentos para encontrar formas de venda que combinem engenhosidade, inovação e originalidade.

As ferramentas digitais são importantíssimas e chegaram para ficar. Mas, muitas vezes, algumas regras do mercado digital são vistas como dogmas inquestionáveis. E, nestas horas, valores intrínsecos ao DNA de um negócio pode ser desvirtuados apenas para se brigar no ringue da internet.

O estrago que uma estratégia de vendas equivocada pode trazer é enorme, especialmente entre as startups. Alguns empreendedores que buscam captar dinheiro de angel investors no mercado atual têm essa ilusão – a de achar que a internet vai, sozinha vender seus produtos serviços. Isso até pode acontecer, mas é raro. Na maioria esmagadora dos casos, é preciso de entender profundamente o comportamento de seus mercados antes de sair por aí vendendo uma ideia revolucionária de negócio.

Uma das maiores autoridades em criatividade no planeta é o escritor e psicólogo Edward De Bono. Ele é o autor do conceito de pensamento lateral, que busca encontrar sempre soluções diferentes daquelas ditadas pelo senso comum. Um exemplo: quantos meses do ano têm 28 dias? A resposta imediata seria: apenas um, o de fevereiro. Esta resposta é um exemplo do que se chama pensamento vertical, aquele que busca uma sequência lógica de argumentos para se chegar a uma conclusão. O pensamento lateral, no entanto, nos leva a responder que todos os mês do ano têm 28 dias contidos em sua duração.

Segundo Bono, encontrar outras formas de lógica e raciocínios diferentes do usual é algo que pode turbinar a criatividade – em tese, considerado um ativo que as pessoas têm ou não têm. “Criatividade envolve quebrar padrões estabelecidos para olhar as coisas de uma forma diferente”, diz Bono.

Quando olhamos tudo apenas sob a lógica dominante de uma variável (a dos algoritmos) o desafio de ser criativos se torna cada vez maior. Por isso, talvez seja a hora de olhar os mecanismos de Big Data e de análise preditiva sob outra ótica: a humana. É chegada a hora de usar esses dados para estimular a criatividade dos marqueteiros – não a colocar em uma camisa de força.