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O lado folclórico, e Milei vai ajudá-lo ou prejudicá-lo?

Candidato à presidência argentina surfou uma onda de descontentamento total com as correntes políticas que governaram o país nos últimos oito anos

Javier Milei durante comício em Buenos Aires, na segunda (7) (Luis Robayo/AFP/Getty Images)

Publicado em 15 de agosto de 2023 às 14h24.

Perto dele, o ex-ministro Paulo Guedes parece ser um desenvolvimentista e fã de John Maynard Keynes. O candidato à presidência argentina, Javier Milei , é chamado de “ultraliberal”. Nunca um adjetivo foi tão adequado a alguém: entre suas propostas estão a dolarização total da economia do país, o fim do Banco Central, a liberação total de armas e mesmo o comércio de órgãos humanos, um assunto que é tabu no mundo inteiro.

Milei é frequentemente comparado a Jair Bolsonaro e Donald Trump. Mas, de saída, tem várias diferenças em relação a esses políticos – a começar por uma cartilha liberal radical, e não criada a toque de caixa por contas das eleições. À parte os exageros de sua figura e de seu discurso, ele tem plena convicção em diminuir o Estado argentino, privatizando todas as empresas públicas que puder. Além disso, já avisou que, se eleito, vai reduzir as indenizações trabalhistas ao mínimo possível.

Trata-se de uma agenda que confronta diretamente tudo o que foi feito na Argentina nos governos peronistas, cujo mantra é colocar o Estado como provedor e como agente regulador de toda a economia.

Sobre acabar com o BC argentino, ele disse: “Trará mais soluções que problemas, mas, principalmente, eliminará a inflação”. Não se sabe exatamente como isso pode ser feito, uma vez que geralmente é o Banco Central quem dita a política monetária (frouxa, no caso argentino, que tem feito a inflação do país ultrapassar os 100 % ao ano). O mercado financeiro, inseguro com essa proposta, agiu para vender pesos no mercado. Como resultado, a moeda argentina caiu no dia de ontem, também derrubada por uma máxi promovida pelas autoridades.

A base de seu plano econômico, de dolarizar totalmente a economia argentina, tem críticos entre os economistas. As razões disso seriam as baixas reservas do Banco Central local em dólares. Assim, se a economia argentina fosse dolarizada hoje, haveria escassez de moeda americana para trocar os pesos correntes. A consequência? Uma forte desvalorização do dinheiro patagão, com todos os problemas que isso poderia trazer.

Com um corte de cabelo que remete à cabeleira do bicampeão Emerson Fittipaldi nos anos 1970, Milei é um deputado que se destaca por comportamento folclórico e frases idem. Ele, por exemplo, acredita que o aquecimento global e seus efeitos no meio ambiente sejam uma “farsa” orquestrada pela esquerda (contra todas as evidências que associam o crescimento da poluição à elevação de mais de um grau centígrado na temperatura média nos continentes do planeta nos últimos 100 anos).

Solteiro aos 52 anos, vivendo com cinco cachorros, Milei surfou uma onda de descontentamento total com as correntes políticas que governaram o país nos últimos oito anos. Nas primárias realizadas no domingo, ele foi o líder nas votações, com pouco mais de 30 % dos votos válidos.

Essas eleições não são o primeiro turno argentino. Elas servem para validar as chapas e são um indicador importante de como se comportarão os eleitores em outubro. Milei saiu na frente e tem dois meses para consolidar sua liderança. Será atacado impiedosamente pelos adversários – e seu principal oponente deve ser Patricia Bullrich, segunda colocada nas primárias e também oposicionista. O candidato do governo, o ministro da Economia, Sergio Massa, é um dos principais responsáveis pelo caos inflacionário em que vive a Argentina. Portanto, suas chances são bastante diminutas.

Se for eleito, Javier Milei terá de enfrentar um establishment peronista que se perpetua há anos em entidades de representação e sindicatos de trabalhadores. Foi por conta de uma pressão como essa que as propostas liberalizantes de Mauricio Macri naufragaram – especialmente a partir do momento em que ele começou a fazer concessões ao peronismo.

Que ninguém se engane: quando analisamos o PIB argentino, podemos enxergar claramente que a produção de riquezas do país começa a diminuir, em termos reais, a partir de 1946, quando Juan Domingos Perón e seu populismo chegam ao poder. Em 1912, para se ter uma ideia, o país era dono da nona maior economia do mundo. Hoje, está no 69º lugar.

A pergunta que fica, no entanto, é: o lado folclórico de Milei poderá prejudicá-lo em outubro ou vai credenciá-lo de vez para lutar contra os seguidores de Perón? Saberemos em breve.

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Perto dele, o ex-ministro Paulo Guedes parece ser um desenvolvimentista e fã de John Maynard Keynes. O candidato à presidência argentina, Javier Milei , é chamado de “ultraliberal”. Nunca um adjetivo foi tão adequado a alguém: entre suas propostas estão a dolarização total da economia do país, o fim do Banco Central, a liberação total de armas e mesmo o comércio de órgãos humanos, um assunto que é tabu no mundo inteiro.

Milei é frequentemente comparado a Jair Bolsonaro e Donald Trump. Mas, de saída, tem várias diferenças em relação a esses políticos – a começar por uma cartilha liberal radical, e não criada a toque de caixa por contas das eleições. À parte os exageros de sua figura e de seu discurso, ele tem plena convicção em diminuir o Estado argentino, privatizando todas as empresas públicas que puder. Além disso, já avisou que, se eleito, vai reduzir as indenizações trabalhistas ao mínimo possível.

Trata-se de uma agenda que confronta diretamente tudo o que foi feito na Argentina nos governos peronistas, cujo mantra é colocar o Estado como provedor e como agente regulador de toda a economia.

Sobre acabar com o BC argentino, ele disse: “Trará mais soluções que problemas, mas, principalmente, eliminará a inflação”. Não se sabe exatamente como isso pode ser feito, uma vez que geralmente é o Banco Central quem dita a política monetária (frouxa, no caso argentino, que tem feito a inflação do país ultrapassar os 100 % ao ano). O mercado financeiro, inseguro com essa proposta, agiu para vender pesos no mercado. Como resultado, a moeda argentina caiu no dia de ontem, também derrubada por uma máxi promovida pelas autoridades.

A base de seu plano econômico, de dolarizar totalmente a economia argentina, tem críticos entre os economistas. As razões disso seriam as baixas reservas do Banco Central local em dólares. Assim, se a economia argentina fosse dolarizada hoje, haveria escassez de moeda americana para trocar os pesos correntes. A consequência? Uma forte desvalorização do dinheiro patagão, com todos os problemas que isso poderia trazer.

Com um corte de cabelo que remete à cabeleira do bicampeão Emerson Fittipaldi nos anos 1970, Milei é um deputado que se destaca por comportamento folclórico e frases idem. Ele, por exemplo, acredita que o aquecimento global e seus efeitos no meio ambiente sejam uma “farsa” orquestrada pela esquerda (contra todas as evidências que associam o crescimento da poluição à elevação de mais de um grau centígrado na temperatura média nos continentes do planeta nos últimos 100 anos).

Solteiro aos 52 anos, vivendo com cinco cachorros, Milei surfou uma onda de descontentamento total com as correntes políticas que governaram o país nos últimos oito anos. Nas primárias realizadas no domingo, ele foi o líder nas votações, com pouco mais de 30 % dos votos válidos.

Essas eleições não são o primeiro turno argentino. Elas servem para validar as chapas e são um indicador importante de como se comportarão os eleitores em outubro. Milei saiu na frente e tem dois meses para consolidar sua liderança. Será atacado impiedosamente pelos adversários – e seu principal oponente deve ser Patricia Bullrich, segunda colocada nas primárias e também oposicionista. O candidato do governo, o ministro da Economia, Sergio Massa, é um dos principais responsáveis pelo caos inflacionário em que vive a Argentina. Portanto, suas chances são bastante diminutas.

Se for eleito, Javier Milei terá de enfrentar um establishment peronista que se perpetua há anos em entidades de representação e sindicatos de trabalhadores. Foi por conta de uma pressão como essa que as propostas liberalizantes de Mauricio Macri naufragaram – especialmente a partir do momento em que ele começou a fazer concessões ao peronismo.

Que ninguém se engane: quando analisamos o PIB argentino, podemos enxergar claramente que a produção de riquezas do país começa a diminuir, em termos reais, a partir de 1946, quando Juan Domingos Perón e seu populismo chegam ao poder. Em 1912, para se ter uma ideia, o país era dono da nona maior economia do mundo. Hoje, está no 69º lugar.

A pergunta que fica, no entanto, é: o lado folclórico de Milei poderá prejudicá-lo em outubro ou vai credenciá-lo de vez para lutar contra os seguidores de Perón? Saberemos em breve.

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