O exemplo de FHC, mal compreendido pelos tucanos
Em sua coluna, Aluizio Falcão discute o motivo do PSDB escolher pessoas com dificuldades de empolgar os rincões do país, repetindo esse padrão há vinte anos
Da Redação
Publicado em 3 de maio de 2022 às 15h56.
A eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994 foi algo que provocou grandes mudanças no PSDB. A sigla tucana naquele início de década de 1990 era vista como um partido onde havia muitos caciques e poucos índios. De fato, a constelação de políticos que se unira para construir uma proposta de social-democracia europeia no Brasil era notável. Essa galáxia tinha São Paulo como epicentro, de onde vinham alguns de seus fundadores mais nobres: o próprio FHC, José Serra, Franco Montoro e Mario Covas (mais tarde, Geraldo Alckmin seria promovido a este Olimpo partidário).
Com a presidência de Efeagá, o partido cresceu e apareceu, ganhando musculatura no Congresso e elegendo um número razoável de governadores. Mas a fogueira de vaidades continuou a imperar dentro da agremiação. O resultado disso? O partido sempre chegava dividido nas campanhas nacionais.
Depois de Fernando Henrique, os tucanos não conseguiram vencer nenhum outro pleito presidencial. Todos os candidatos escolhidos (José Serra, Geraldo Alckmin, Aécio Neves e, por enquanto, João Doria) de 2002 até agora têm uma imagem elitista e sofrem para obter votos fora dos grandes centros urbanos.
Por que, então, o partido escolhe pessoas com dificuldades de empolgar os rincões do país e repete esse padrão há vinte anos?
A resposta está na própria figura de Fernando Henrique Cardoso.
Intelectual, com porte garboso e refinado, FHC está longe de passar a imagem de um líder popular. E o que dizer de seu discurso? Em nada se aproxima do homem do povo. Ele não usa anglicismos da moda ou termos cultuados pela Faria Lima, como João Doria, mas se comunica com elegância e refinamento.
É verdade que, na campanha eleitoral de 1994, andou no lombo de um burro, usou chapéu de couro e comeu buchada de bode. Aliás, sobre esse prato, FHC disse ser aparentado de uma iguaria francesa. "É uma delícia. Vocês estão assim porque nunca moraram em Paris, onde esse é um prato sofisticado", afirmou aos repórteres que acompanhavam sua visita à cidade baiana de Canudos.
Como se sabe, Fernando Henrique ganhou essa eleição e a seguinte. Foi o suficiente para que os demais líderes tucanos pudessem sonhar com a presidência – algo na linha “se FHC consegue, eu também posso conseguir”.
Ocorre que Fernando Henrique havia se transformado em uma espécie de herói nacional quando foi escolhido nas urnas. Ele ficou conhecido como o pai do Plano Real, que acabou com a inflação e, por isso, era recebido com admiração em qualquer cidade brasileira.
Pude testemunhar isso de perto. Em 1994, trabalhava na revista EXAME e fizemos um seminário no Rio de Janeiro. Reunimos os maiores investidores institucionais do país com os principais candidatos (FHC e Luiz Inácio Lula da Silva). Lula chegou no banco dianteiro de uma Kombi com adesivos do PT, chamou o Plano de Real de “estelionato eleitoral” e teve momentos de discussão áspera com a plateia. Foi embora irritado e entrou na Kombi sem falar com ninguém.
Já FHC chegou a bordo de uma Mercedes dirigida pelo filho Paulo (que era casado com uma acionista do Banco Nacional) e encantou a plateia de financistas com a lógica de seu plano econômico, batendo insistentemente na mesma tecla: o Brasil precisava acabar com a inflação. No final, enquanto aguardava o carro do filho, foi cercado por inúmeros populares durante meia hora. Neste momento, percebi claramente que ele tinha estabelecido uma forte conexão com o povo – e estava adorando isso.
Com essa notoriedade, FHC teve uma eleição relativamente tranquila e conseguiu dar passos importantes em direção à modernidade com diversas privatizações, entre as quais a do sistema nacional de telefonia.
Os tucanos que disputaram a presidência depois de FH nunca apresentaram um lastro parecido e sempre tiveram dificuldade de se comunicar com o público, além de trabalhar uma agenda genérica de campanha.
FHC, por outro lado, tinha reconhecimento popular e bandeiras muito simples de entender. Na primeira eleição, o mote era garantir a implantação do Plano Real; na segunda, afiançar sua continuidade e colocar o país nos trilhos da modernidade, com as privatizações. Isso foi suficiente para empolgar os eleitores.
Quando lembramos das campanhas tucanas de 2006 para cá, elas enfatizaram muito mais o outro lado (atacar principalmente o PT) do que propor alguma coisa concreta – dentro de uma linguagem simples de entender.
Não deixa de ser irônico. O Brasil tem enormes problemas estruturais, esperando por políticos que possam resolvê-los. Mesmo assim, deixamos estes temas importantes de lado, em função de estratégias de marketing que privilegiam posts inúteis nas redes sociais. Está na hora de discutirmos propostas de verdade e estabelecermos compromissos de campanha que possam ser cobrados mais tarde pelo eleitorado. No patamar em que estamos, a prioridade é falar mal do outro e criar material que possa ser viralizado no mundo digital. Nosso país merece algo melhor. Mas, lamentavelmente, a realidade que temos está bem longe do cenário ideal.
A eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994 foi algo que provocou grandes mudanças no PSDB. A sigla tucana naquele início de década de 1990 era vista como um partido onde havia muitos caciques e poucos índios. De fato, a constelação de políticos que se unira para construir uma proposta de social-democracia europeia no Brasil era notável. Essa galáxia tinha São Paulo como epicentro, de onde vinham alguns de seus fundadores mais nobres: o próprio FHC, José Serra, Franco Montoro e Mario Covas (mais tarde, Geraldo Alckmin seria promovido a este Olimpo partidário).
Com a presidência de Efeagá, o partido cresceu e apareceu, ganhando musculatura no Congresso e elegendo um número razoável de governadores. Mas a fogueira de vaidades continuou a imperar dentro da agremiação. O resultado disso? O partido sempre chegava dividido nas campanhas nacionais.
Depois de Fernando Henrique, os tucanos não conseguiram vencer nenhum outro pleito presidencial. Todos os candidatos escolhidos (José Serra, Geraldo Alckmin, Aécio Neves e, por enquanto, João Doria) de 2002 até agora têm uma imagem elitista e sofrem para obter votos fora dos grandes centros urbanos.
Por que, então, o partido escolhe pessoas com dificuldades de empolgar os rincões do país e repete esse padrão há vinte anos?
A resposta está na própria figura de Fernando Henrique Cardoso.
Intelectual, com porte garboso e refinado, FHC está longe de passar a imagem de um líder popular. E o que dizer de seu discurso? Em nada se aproxima do homem do povo. Ele não usa anglicismos da moda ou termos cultuados pela Faria Lima, como João Doria, mas se comunica com elegância e refinamento.
É verdade que, na campanha eleitoral de 1994, andou no lombo de um burro, usou chapéu de couro e comeu buchada de bode. Aliás, sobre esse prato, FHC disse ser aparentado de uma iguaria francesa. "É uma delícia. Vocês estão assim porque nunca moraram em Paris, onde esse é um prato sofisticado", afirmou aos repórteres que acompanhavam sua visita à cidade baiana de Canudos.
Como se sabe, Fernando Henrique ganhou essa eleição e a seguinte. Foi o suficiente para que os demais líderes tucanos pudessem sonhar com a presidência – algo na linha “se FHC consegue, eu também posso conseguir”.
Ocorre que Fernando Henrique havia se transformado em uma espécie de herói nacional quando foi escolhido nas urnas. Ele ficou conhecido como o pai do Plano Real, que acabou com a inflação e, por isso, era recebido com admiração em qualquer cidade brasileira.
Pude testemunhar isso de perto. Em 1994, trabalhava na revista EXAME e fizemos um seminário no Rio de Janeiro. Reunimos os maiores investidores institucionais do país com os principais candidatos (FHC e Luiz Inácio Lula da Silva). Lula chegou no banco dianteiro de uma Kombi com adesivos do PT, chamou o Plano de Real de “estelionato eleitoral” e teve momentos de discussão áspera com a plateia. Foi embora irritado e entrou na Kombi sem falar com ninguém.
Já FHC chegou a bordo de uma Mercedes dirigida pelo filho Paulo (que era casado com uma acionista do Banco Nacional) e encantou a plateia de financistas com a lógica de seu plano econômico, batendo insistentemente na mesma tecla: o Brasil precisava acabar com a inflação. No final, enquanto aguardava o carro do filho, foi cercado por inúmeros populares durante meia hora. Neste momento, percebi claramente que ele tinha estabelecido uma forte conexão com o povo – e estava adorando isso.
Com essa notoriedade, FHC teve uma eleição relativamente tranquila e conseguiu dar passos importantes em direção à modernidade com diversas privatizações, entre as quais a do sistema nacional de telefonia.
Os tucanos que disputaram a presidência depois de FH nunca apresentaram um lastro parecido e sempre tiveram dificuldade de se comunicar com o público, além de trabalhar uma agenda genérica de campanha.
FHC, por outro lado, tinha reconhecimento popular e bandeiras muito simples de entender. Na primeira eleição, o mote era garantir a implantação do Plano Real; na segunda, afiançar sua continuidade e colocar o país nos trilhos da modernidade, com as privatizações. Isso foi suficiente para empolgar os eleitores.
Quando lembramos das campanhas tucanas de 2006 para cá, elas enfatizaram muito mais o outro lado (atacar principalmente o PT) do que propor alguma coisa concreta – dentro de uma linguagem simples de entender.
Não deixa de ser irônico. O Brasil tem enormes problemas estruturais, esperando por políticos que possam resolvê-los. Mesmo assim, deixamos estes temas importantes de lado, em função de estratégias de marketing que privilegiam posts inúteis nas redes sociais. Está na hora de discutirmos propostas de verdade e estabelecermos compromissos de campanha que possam ser cobrados mais tarde pelo eleitorado. No patamar em que estamos, a prioridade é falar mal do outro e criar material que possa ser viralizado no mundo digital. Nosso país merece algo melhor. Mas, lamentavelmente, a realidade que temos está bem longe do cenário ideal.