Exame Logo

Faltam três meses para as eleições e ninguém fala nisso

Entende-se a falta de interesse: a pandemia consome todas as energias. Olhos e ouvidos estão ligados no número de vítimas, nos platôs e retomada econômica

Bruno Covas: atual prefeito de São Paulo vai buscar a reeleição (Rovena Rosa/Agência Brasil)
f

felipegiacomelli

Publicado em 5 de agosto de 2020 às 09h09.

Última atualização em 5 de agosto de 2020 às 20h35.

Para ser exato, faltam três meses e treze dias para começarmos a eleger os prefeitos de nossas cidades e ninguém fala no assunto. É como se fosse uma campanha invisível, na qual os candidatos não aparecem na imprensa ou nas redes sociais. Entende-se a falta de interesse: a pandemia e seus efeitos ainda consomem todas as energias da sociedade e concentram as atenções. Olhos e ouvidos estão ligados no número de vítimas, nos platôs e na discussão sobre a retomada econômica – mas pouca gente fala se vai votar em X, Y ou Z.

Em São Paulo, as eleições tradicionalmente pregam peças nos analistas políticos e naqueles que se guiam por pesquisas. No longínquo ano de 1985, por exemplo, todas as enquetes davam como certa a vitória de Fernando Henrique Cardoso para a prefeitura. A certeza era tanta que FHC deixou-se fotografar na cadeira de Mário Covas, o alcaide de então e avô do atual ocupante do cargo. Abertas as urnas, no entanto, Jânio Quadros fora eleito. Seu primeiro ato ao tomar posse foi borrifar alguns jatos de desinfetante na poltrona do gabinete. A explicação: “Nádegas indevidas a utilizaram”.

Prever o resultado deste pleito é um exercício de adivinhação com chances altíssimas de erro. Tome-se como exemplo a manchete da Folha de S. Paulo em novembro de 2015, fazendo prognósticos sobre a eleição municipal que ocorreria no ano seguinte. “Segundo Turno deve ficar entre Datena e Russomano”. Deu João Doria no primeiro turno, José Luiz Datena sequer foi candidato e Celso Russomano, mas uma vez, não levou.

Muitas vezes, o cenário político nacional interfere diretamente nos resultados municipais. Uma clara demonstração disso foi a eleição de Luiza Erundina em 1988. Dias antes, houve uma greve na Companhia Siderúrgica Nacional, à época ainda uma estatal. Exército e Polícia Militar foram chamados para dispersar a concentração de operários grevistas na sede da empresa, em Volta Redonda, e deu-se a tragédia: no confronto, três trabalhadores foram mortos e mais de cem ficaram feridos. A população brasileira, naquela semana, ficou indignada com o episódio e isso provocou grande votação nos candidatos de esquerda. Na esteira desta tendência, além de Erundina, outros representantes do PT foram eleitos, como Jacó Bittar e Olívio Dutra.

Uma das poucas eleições com temática mais local foi a que escolheu Paulo Maluf em 1992. A campanha de Maluf foi toda calcada em suas realizações pela cidade quando ele havia sido prefeito e governador no passado. Mas o ânimo dos marqueteiros levou-os a creditar ao herdeiro da Eucatex até obras de outros políticos. Com isso, um bando de gaiatos começou a espalhar placas parodiando os feitos malufistas. Uma enorme, por sinal, foi colocada na areia da Praia Grande, litoral sul do estado, apontando para o mar e com os dizeres: “Oceano Atlântico: obra de Maluf”.

No último pleito, João Doria se apresentou aos eleitores como gestor – e não político. Fez uma plataforma recheada de sugestões administrativas e propondo soluções diferentes para os problemas que afligiam a cidade. Só que, na prática, foi ungido à prefeitura por conta do sentimento antipetista que tomou o eleitorado. Diante disso, ganhou ainda na primeira fase com 53,3% dos sufrágios.

Qual a posição atual dos candidatos em potencial?

O chamado Centro está ocupado por Bruno Covas , que saiu do total ostracismo para uma posição de destaque com a pandemia. Uma pesquisa, realizada em 17 de julho pelo Instituto Ideia Big Data, mostra que o prefeito está em primeiro lugar na intenção de votos, com 30 %. Outra enquete, realizada pelo Ibope em 9 de julho, também apresenta Covas no topo do pódio, mas com uma intenção menor de votos, 22,8 % (neste caso, o deputado Celso Russomano está na cola do alcaide, com 20 % das intenções de voto). Pode-se falar bem ou mal do prefeito, mas o fato é que ele passou a ter maior exposição desde o início da contaminação pelo coronavírus – além de ter sido acometido por um câncer, aparentemente controlado.

As pesquisas mostram um que a disputa está embolada no pelotão intermediário: Paulo Skaf, Márcio França, Marta Suplicy, Guilherme Boulos aparecem próximos uns dos outros. A deputada Joice Hasselmann, que despontava no ano passado como uma das favoritas, ainda está com baixa intenção de votos, assim como o candidato oficial do PT, Jilmar Tatto.

Haverá chances para a direita não-bolsonarista, como a própria Joice e o candidato do Novo, Filipe Sabará? Ainda é cedo para afirmar e este pleito é particularmente marcado por reviravoltas e surpresas. Mas percebe-se que essa eleição corre o risco de ser marcada única e exclusivamente sobre a pandemia, cuja narrativa está dividida entre Doria e Bolsonaro. Se, de fato, este for o foco principal deste pleito, estaremos diante de mais um processo absolutamente imprevisível.

Especialmente se Bolsonaro arregaçar as mangas e se envolver na campanha de Skaf. Neste caso, Doria terá de trabalhar ostensivamente pelo atual prefeito.
Quem tem mais cacife? Uma pesquisa recente mostrou que Bolsonaro teria mais poder de influência no eleitorado paulistano que Doria. Isso vai durar até 15 de novembro, quando tivermos o primeiro turno, e 29 do mesmo mês, com o segundo? Três meses e treze dias, em termos de política brasileira, é prazo suficiente para acontecer de tudo – até o surgimento de um novo nome que entusiasme o eleitorado, como ocorreu em 2016, quando Doria teve um crescimento efetivo apenas nos últimos dias de campanha.

Veja também

Para ser exato, faltam três meses e treze dias para começarmos a eleger os prefeitos de nossas cidades e ninguém fala no assunto. É como se fosse uma campanha invisível, na qual os candidatos não aparecem na imprensa ou nas redes sociais. Entende-se a falta de interesse: a pandemia e seus efeitos ainda consomem todas as energias da sociedade e concentram as atenções. Olhos e ouvidos estão ligados no número de vítimas, nos platôs e na discussão sobre a retomada econômica – mas pouca gente fala se vai votar em X, Y ou Z.

Em São Paulo, as eleições tradicionalmente pregam peças nos analistas políticos e naqueles que se guiam por pesquisas. No longínquo ano de 1985, por exemplo, todas as enquetes davam como certa a vitória de Fernando Henrique Cardoso para a prefeitura. A certeza era tanta que FHC deixou-se fotografar na cadeira de Mário Covas, o alcaide de então e avô do atual ocupante do cargo. Abertas as urnas, no entanto, Jânio Quadros fora eleito. Seu primeiro ato ao tomar posse foi borrifar alguns jatos de desinfetante na poltrona do gabinete. A explicação: “Nádegas indevidas a utilizaram”.

Prever o resultado deste pleito é um exercício de adivinhação com chances altíssimas de erro. Tome-se como exemplo a manchete da Folha de S. Paulo em novembro de 2015, fazendo prognósticos sobre a eleição municipal que ocorreria no ano seguinte. “Segundo Turno deve ficar entre Datena e Russomano”. Deu João Doria no primeiro turno, José Luiz Datena sequer foi candidato e Celso Russomano, mas uma vez, não levou.

Muitas vezes, o cenário político nacional interfere diretamente nos resultados municipais. Uma clara demonstração disso foi a eleição de Luiza Erundina em 1988. Dias antes, houve uma greve na Companhia Siderúrgica Nacional, à época ainda uma estatal. Exército e Polícia Militar foram chamados para dispersar a concentração de operários grevistas na sede da empresa, em Volta Redonda, e deu-se a tragédia: no confronto, três trabalhadores foram mortos e mais de cem ficaram feridos. A população brasileira, naquela semana, ficou indignada com o episódio e isso provocou grande votação nos candidatos de esquerda. Na esteira desta tendência, além de Erundina, outros representantes do PT foram eleitos, como Jacó Bittar e Olívio Dutra.

Uma das poucas eleições com temática mais local foi a que escolheu Paulo Maluf em 1992. A campanha de Maluf foi toda calcada em suas realizações pela cidade quando ele havia sido prefeito e governador no passado. Mas o ânimo dos marqueteiros levou-os a creditar ao herdeiro da Eucatex até obras de outros políticos. Com isso, um bando de gaiatos começou a espalhar placas parodiando os feitos malufistas. Uma enorme, por sinal, foi colocada na areia da Praia Grande, litoral sul do estado, apontando para o mar e com os dizeres: “Oceano Atlântico: obra de Maluf”.

No último pleito, João Doria se apresentou aos eleitores como gestor – e não político. Fez uma plataforma recheada de sugestões administrativas e propondo soluções diferentes para os problemas que afligiam a cidade. Só que, na prática, foi ungido à prefeitura por conta do sentimento antipetista que tomou o eleitorado. Diante disso, ganhou ainda na primeira fase com 53,3% dos sufrágios.

Qual a posição atual dos candidatos em potencial?

O chamado Centro está ocupado por Bruno Covas , que saiu do total ostracismo para uma posição de destaque com a pandemia. Uma pesquisa, realizada em 17 de julho pelo Instituto Ideia Big Data, mostra que o prefeito está em primeiro lugar na intenção de votos, com 30 %. Outra enquete, realizada pelo Ibope em 9 de julho, também apresenta Covas no topo do pódio, mas com uma intenção menor de votos, 22,8 % (neste caso, o deputado Celso Russomano está na cola do alcaide, com 20 % das intenções de voto). Pode-se falar bem ou mal do prefeito, mas o fato é que ele passou a ter maior exposição desde o início da contaminação pelo coronavírus – além de ter sido acometido por um câncer, aparentemente controlado.

As pesquisas mostram um que a disputa está embolada no pelotão intermediário: Paulo Skaf, Márcio França, Marta Suplicy, Guilherme Boulos aparecem próximos uns dos outros. A deputada Joice Hasselmann, que despontava no ano passado como uma das favoritas, ainda está com baixa intenção de votos, assim como o candidato oficial do PT, Jilmar Tatto.

Haverá chances para a direita não-bolsonarista, como a própria Joice e o candidato do Novo, Filipe Sabará? Ainda é cedo para afirmar e este pleito é particularmente marcado por reviravoltas e surpresas. Mas percebe-se que essa eleição corre o risco de ser marcada única e exclusivamente sobre a pandemia, cuja narrativa está dividida entre Doria e Bolsonaro. Se, de fato, este for o foco principal deste pleito, estaremos diante de mais um processo absolutamente imprevisível.

Especialmente se Bolsonaro arregaçar as mangas e se envolver na campanha de Skaf. Neste caso, Doria terá de trabalhar ostensivamente pelo atual prefeito.
Quem tem mais cacife? Uma pesquisa recente mostrou que Bolsonaro teria mais poder de influência no eleitorado paulistano que Doria. Isso vai durar até 15 de novembro, quando tivermos o primeiro turno, e 29 do mesmo mês, com o segundo? Três meses e treze dias, em termos de política brasileira, é prazo suficiente para acontecer de tudo – até o surgimento de um novo nome que entusiasme o eleitorado, como ocorreu em 2016, quando Doria teve um crescimento efetivo apenas nos últimos dias de campanha.

Acompanhe tudo sobre:Bruno CovasEleiçõesJoão Doria JúniorPaulo Skaf

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se