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Falam mal dos outros, mas têm queixo de vidro

Quando recebem contestações, os críticos de queixo de vidro costumam diminuir o oponente

O boxeador Denis Okoth do Quênia soca o inglês Samuel Maxwell (Jim Young/Reuters)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 20 de abril de 2021 às 11h36.

Última atualização em 20 de abril de 2021 às 11h52.

Numa entrevista recente ao programa Manhattan Connection, o jornalista Pedro Bial foi questionado se entrevistaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva . Lula afirmara, um pouco antes, que aceitaria participar do programa de Bial, desde que a transmissão fosse ao vivo. Nessa hora, o apresentador da Globo saiu-se com uma tirada que movimentou as redes sociais: “Só se for com um polígrafo”.

A repercussão foi imediata e um crítico de TV classificou a frase de Bial como “uma grosseria”. O jornalista global respondeu com um artigo e o oponente produziu uma tréplica. A troca de mensagens através de textos publicados me lembrou uma briga travada nas páginas da Folha de S. Paulo entre os jornalistas Paulo Francis e Caio Túlio Costa, então ombudsman do jornal, em 1990.

Embora a discussão atual não tenha descido ao nível do ataque pessoal, como fez Francis em relação ao seu oponente, houve uma troca de farpas, na qual o articulista sugeriu que Bial não teria condições de aguentar críticas, já que possuía a “pele fina”. Curiosamente, o tom do texto no qual a espessura da epiderme do oponente é mencionada perpassa um certo incômodo por parte do autor. A impressão que se tem é a de que o crítico não gostou de ser criticado.

Esse é um fenômeno que ocorre há anos no jornalismo – e que se espalhou pelas redes sociais. Muitos colunistas e influencers são como boxeadores que têm uppercuts demolidores. Mas, quando atingidos por inocentes jabs no queixo de vidro, desabam na lona e recorrem a um recurso muito comum no mundo de hoje, o mimimi.

Criticar é uma tarefa que se torna mais fácil quando o autor é tomado pela emoção. Falar mal de alguém quando se tem raiva é a coisa mais simples do mundo. Palavras fluem rapidamente e frases maldosas praticamente se formam sozinhas. O ódio é um excelente combustível para turbinar qualquer comentário crítico e estimula fortemente a sede que muitos leitores têm por sangue.

Mas a emoção exacerbada frequentemente leva alguns articulistas ao erro ou, na melhor das hipóteses, ao exagero. Um texto escrito sob forte emoção tem grandes chances de causar polêmica e depois ser demolido. Especialmente nos tempos atuais, nos quais há um contingente enorme de pessoas querendo cancelar seus oponentes, não importa orientação política ou de costumes. É um cenário pernicioso: alguém escreve com o fígado e é lido por pessoas que reagem de forma violenta. Dificilmente se estabelece um diálogo e as palavras são usadas apenas para esgrimir pontos de vista.

Neste panorama, as opiniões de articulistas militantes – de qualquer um dos lados – passam a ser em sua maioria previsíveis. Mas este é um mal que afeta a todos que se deixam dominar pelo coração ao enfrentar um teclado, um microfone ou uma câmera, não necessariamente apenas entre aqueles que defendem uma determinada corrente política.

Não sejamos ingênuos. Todos que se atrevem a escrever ao público e divulgar suas opiniões são pessoas vaidosas. Todos. Ninguém escapa deste fardo (eu inclusive). Mas o que eu e alguns colegas perseguem com afinco (não necessariamente obtendo sucesso) é tentar deixar a vaidade de lado na hora de colocar suas ideias em um artigo. Neste quesito, a experiência conta razoavelmente e ajuda a reduzir a pressão exercida pelas emoções. O que pode dominar a vaidade? A curiosidade. Ela descortina mundos novos e neutraliza a raiva que pode surgir contra aqueles que contestam suas ideias.

Quando recebem contestações, os críticos de queixo de vidro costumam diminuir o oponente. Isso ocorre nas melhores famílias e também entre as grandes mentes do jornalismo. Paulo Francis, neste pormenor, era um mestre. Conseguia ser demolidor com precisão cirúrgica, deixando os adversários tontos com a verve afiada – uma reação típica de quem acredita ter o monopólio de falar mal dos outros.

As críticas geralmente são recebidas geralmente como se fossem tapas na cara. Mas, em muitos casos, são apenas alertas vindos de terceiros que não querem, a rigor, agredir. É preciso sangue frio para absorvê-las? Sim. Mas temos de encará-las como algo importante em nossas vidas, se tivermos o jogo de cintura para absorvê-las sem nos envolver emocionalmente.

Peço antecipadamente desculpas por citar tanto Winston Churchill em meus textos. Mas, há uma frase do ex-premiê que casa perfeitamente com o tema discutido aqui: “Podemos não concordar com as críticas, mas elas são necessárias; elas desempenham a mesma função que a dor no corpo humano, pois chamam a nossa atenção a alguma coisa que não está saudável”.

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Numa entrevista recente ao programa Manhattan Connection, o jornalista Pedro Bial foi questionado se entrevistaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva . Lula afirmara, um pouco antes, que aceitaria participar do programa de Bial, desde que a transmissão fosse ao vivo. Nessa hora, o apresentador da Globo saiu-se com uma tirada que movimentou as redes sociais: “Só se for com um polígrafo”.

A repercussão foi imediata e um crítico de TV classificou a frase de Bial como “uma grosseria”. O jornalista global respondeu com um artigo e o oponente produziu uma tréplica. A troca de mensagens através de textos publicados me lembrou uma briga travada nas páginas da Folha de S. Paulo entre os jornalistas Paulo Francis e Caio Túlio Costa, então ombudsman do jornal, em 1990.

Embora a discussão atual não tenha descido ao nível do ataque pessoal, como fez Francis em relação ao seu oponente, houve uma troca de farpas, na qual o articulista sugeriu que Bial não teria condições de aguentar críticas, já que possuía a “pele fina”. Curiosamente, o tom do texto no qual a espessura da epiderme do oponente é mencionada perpassa um certo incômodo por parte do autor. A impressão que se tem é a de que o crítico não gostou de ser criticado.

Esse é um fenômeno que ocorre há anos no jornalismo – e que se espalhou pelas redes sociais. Muitos colunistas e influencers são como boxeadores que têm uppercuts demolidores. Mas, quando atingidos por inocentes jabs no queixo de vidro, desabam na lona e recorrem a um recurso muito comum no mundo de hoje, o mimimi.

Criticar é uma tarefa que se torna mais fácil quando o autor é tomado pela emoção. Falar mal de alguém quando se tem raiva é a coisa mais simples do mundo. Palavras fluem rapidamente e frases maldosas praticamente se formam sozinhas. O ódio é um excelente combustível para turbinar qualquer comentário crítico e estimula fortemente a sede que muitos leitores têm por sangue.

Mas a emoção exacerbada frequentemente leva alguns articulistas ao erro ou, na melhor das hipóteses, ao exagero. Um texto escrito sob forte emoção tem grandes chances de causar polêmica e depois ser demolido. Especialmente nos tempos atuais, nos quais há um contingente enorme de pessoas querendo cancelar seus oponentes, não importa orientação política ou de costumes. É um cenário pernicioso: alguém escreve com o fígado e é lido por pessoas que reagem de forma violenta. Dificilmente se estabelece um diálogo e as palavras são usadas apenas para esgrimir pontos de vista.

Neste panorama, as opiniões de articulistas militantes – de qualquer um dos lados – passam a ser em sua maioria previsíveis. Mas este é um mal que afeta a todos que se deixam dominar pelo coração ao enfrentar um teclado, um microfone ou uma câmera, não necessariamente apenas entre aqueles que defendem uma determinada corrente política.

Não sejamos ingênuos. Todos que se atrevem a escrever ao público e divulgar suas opiniões são pessoas vaidosas. Todos. Ninguém escapa deste fardo (eu inclusive). Mas o que eu e alguns colegas perseguem com afinco (não necessariamente obtendo sucesso) é tentar deixar a vaidade de lado na hora de colocar suas ideias em um artigo. Neste quesito, a experiência conta razoavelmente e ajuda a reduzir a pressão exercida pelas emoções. O que pode dominar a vaidade? A curiosidade. Ela descortina mundos novos e neutraliza a raiva que pode surgir contra aqueles que contestam suas ideias.

Quando recebem contestações, os críticos de queixo de vidro costumam diminuir o oponente. Isso ocorre nas melhores famílias e também entre as grandes mentes do jornalismo. Paulo Francis, neste pormenor, era um mestre. Conseguia ser demolidor com precisão cirúrgica, deixando os adversários tontos com a verve afiada – uma reação típica de quem acredita ter o monopólio de falar mal dos outros.

As críticas geralmente são recebidas geralmente como se fossem tapas na cara. Mas, em muitos casos, são apenas alertas vindos de terceiros que não querem, a rigor, agredir. É preciso sangue frio para absorvê-las? Sim. Mas temos de encará-las como algo importante em nossas vidas, se tivermos o jogo de cintura para absorvê-las sem nos envolver emocionalmente.

Peço antecipadamente desculpas por citar tanto Winston Churchill em meus textos. Mas, há uma frase do ex-premiê que casa perfeitamente com o tema discutido aqui: “Podemos não concordar com as críticas, mas elas são necessárias; elas desempenham a mesma função que a dor no corpo humano, pois chamam a nossa atenção a alguma coisa que não está saudável”.

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