Está surgindo uma esquerda alternativa no Brasil?
Talvez os nossos conceitos de direita, centro e esquerda estejam defasados. Ou precisemos entender melhor os subgrupos ideológicos que estão em formação
Da Redação
Publicado em 15 de junho de 2022 às 09h21.
Uma pesquisa recente do Datafolha mostra que o número de indivíduos que se identifica com a esquerda aumentou significativamente no Brasil, indo de 41 % em 2017 para 49 % da população em 2022. Este avanço coincide com o crescimento de Luiz Inácio Lula da Silva, que vem obtendo alto percentual nas sondagens de intenção de voto desde o final do ano passado.
Mas será que o Brasil caminha para se transformar em uma nação esquerdista? Talvez os nossos conceitos de direita, centro e esquerda estejam defasados. Ou precisemos entender melhor os subgrupos ideológicos que estão em formação.
Nos Estados Unidos, nos últimos dez anos, foi possível enxergar o surgimento de uma subdivisão da direita – a chamada “alt-right”, ou “direita alternativa”. Esse subgrupo é criado por jovens brancos que rejeitam tendências mundiais como inclusão, diversidade e uma visão politicamente correta da sociedade. Estes eleitores foram importantíssimos na eleição de Donald Trump em 2016 e exercem um papel de razoável influência dentro da sociedade americana. Não são republicanos do ponto de vista clássico e não necessariamente apoiam uma visão liberal da economia, como a redução dos impostos e do tamanho do Estado.
Aqui no Brasil, a alt-right nunca se mostrou expressiva. Pelo contrário. Um discurso supremacista, mesmo que velado, não ganha muitos adeptos em um país no qual 54 % da população é negra (isso, no entanto, não faz do Brasil uma nação imune aos preconceitos raciais). O que se viu, neste espectro da ideologia, foi um emagrecimento das ideias tradicionais de direita, com um razoável crescimento da agenda liberal, especialmente entre as classes mais privilegiadas até 2020. A atuação de Paulo Guedes à frente da Economia, porém, deve ter reduzido a expansão das ideias liberais, dado o descompasso entre o discurso e suas realizações.
O que se pode observar (e talvez essa seja a grande novidade política no cenário brasileiro) é um crescimento expressivo da esquerda – mas com uma roupagem diferente da tradicional. Este movimento pôde ser percebido em São Paulo na última eleição para prefeito, quando Guilherme Boulos foi ao segundo turno contra Bruno Covas.
Boulos, conhecido pela liderança do movimento sem teto, ignorou o tema que o levou à ribalta política durante a campanha municipal e pouco falou de economia. Seu discurso teve grande foco em inclusão e diversidade, o que atraiu o eleitorado jovem. Não foi o suficiente para levá-lo à prefeitura, mas o bastante para transformá-lo em um dos nomes mais importantes da esquerda brasileira.
Esse avanço da esquerda deve-se muito ao ressurgimento da inflação no Brasil. Quando a espiral inflacionária estava sob controle, mesmo em meio à pandemia, Jair Bolsonaro estava liderando as pesquisas eleitorais. O jogo virou quando os preços começaram a ser remarcados com maior intensidade nas gôndolas. Bolsonaro, durante o primeiro ano da pandemia, deu declarações insensíveis sobre o número de vítimas, debochou de quem tinha medo de se infectar com um vírus potencialmente mortal e duvidou publicamente da eficácia das vacinas. Continuou na liderança. Bastou a economia travar e os preços subirem que todas as suas declarações começaram a incomodar bastante.Inflação, entretanto, é um problema que se resolve com remédios amargos: elevação de juros, redução de gastos estatais e enxugamento monetário. E o político preferido pelos eleitores (pelo menos neste estágio da campanha) é Lula, que tem se manifestado contra o teto dos gastos públicos. Sem esse teto, porém, correremos um grande risco de extrapolar o déficit do governo e explodir os índices inflacionários.
Uma pesquisa do BTG Pactual divulgada nesta semana mostra que 77% dos entrevistados deixaram de consumir pelo menos um produto nos últimos 3 meses. Na média, cada pessoa deixou de comprar 4 produtos no mês. Isso, em ano eleitoral, é mortal para os candidatos de situação. “It’s the economy, stupid (“É a economia, idiota”)”, disse em 1992 James Carville, estrategista de Bill Clinton em sua primeira campanha eleitoral, reforçando que o candidato tinha de mostrar ao eleitor que sua vida tinha piorado nos últimos quatro anos.
Lula deve seguir na mesma toada 30 anos depois, mostrando que sua gestão trouxe prosperidade ao cidadão comum (sem, evidentemente, explicar que a conjuntura internacional deu uma força gigantesca para que isso acontecesse). Ou seja, vai contar com o apoio da nova esquerda. Mas precisará do Centro descontente para ganhar a eleição.
Uma pesquisa recente do Datafolha mostra que o número de indivíduos que se identifica com a esquerda aumentou significativamente no Brasil, indo de 41 % em 2017 para 49 % da população em 2022. Este avanço coincide com o crescimento de Luiz Inácio Lula da Silva, que vem obtendo alto percentual nas sondagens de intenção de voto desde o final do ano passado.
Mas será que o Brasil caminha para se transformar em uma nação esquerdista? Talvez os nossos conceitos de direita, centro e esquerda estejam defasados. Ou precisemos entender melhor os subgrupos ideológicos que estão em formação.
Nos Estados Unidos, nos últimos dez anos, foi possível enxergar o surgimento de uma subdivisão da direita – a chamada “alt-right”, ou “direita alternativa”. Esse subgrupo é criado por jovens brancos que rejeitam tendências mundiais como inclusão, diversidade e uma visão politicamente correta da sociedade. Estes eleitores foram importantíssimos na eleição de Donald Trump em 2016 e exercem um papel de razoável influência dentro da sociedade americana. Não são republicanos do ponto de vista clássico e não necessariamente apoiam uma visão liberal da economia, como a redução dos impostos e do tamanho do Estado.
Aqui no Brasil, a alt-right nunca se mostrou expressiva. Pelo contrário. Um discurso supremacista, mesmo que velado, não ganha muitos adeptos em um país no qual 54 % da população é negra (isso, no entanto, não faz do Brasil uma nação imune aos preconceitos raciais). O que se viu, neste espectro da ideologia, foi um emagrecimento das ideias tradicionais de direita, com um razoável crescimento da agenda liberal, especialmente entre as classes mais privilegiadas até 2020. A atuação de Paulo Guedes à frente da Economia, porém, deve ter reduzido a expansão das ideias liberais, dado o descompasso entre o discurso e suas realizações.
O que se pode observar (e talvez essa seja a grande novidade política no cenário brasileiro) é um crescimento expressivo da esquerda – mas com uma roupagem diferente da tradicional. Este movimento pôde ser percebido em São Paulo na última eleição para prefeito, quando Guilherme Boulos foi ao segundo turno contra Bruno Covas.
Boulos, conhecido pela liderança do movimento sem teto, ignorou o tema que o levou à ribalta política durante a campanha municipal e pouco falou de economia. Seu discurso teve grande foco em inclusão e diversidade, o que atraiu o eleitorado jovem. Não foi o suficiente para levá-lo à prefeitura, mas o bastante para transformá-lo em um dos nomes mais importantes da esquerda brasileira.
Esse avanço da esquerda deve-se muito ao ressurgimento da inflação no Brasil. Quando a espiral inflacionária estava sob controle, mesmo em meio à pandemia, Jair Bolsonaro estava liderando as pesquisas eleitorais. O jogo virou quando os preços começaram a ser remarcados com maior intensidade nas gôndolas. Bolsonaro, durante o primeiro ano da pandemia, deu declarações insensíveis sobre o número de vítimas, debochou de quem tinha medo de se infectar com um vírus potencialmente mortal e duvidou publicamente da eficácia das vacinas. Continuou na liderança. Bastou a economia travar e os preços subirem que todas as suas declarações começaram a incomodar bastante.Inflação, entretanto, é um problema que se resolve com remédios amargos: elevação de juros, redução de gastos estatais e enxugamento monetário. E o político preferido pelos eleitores (pelo menos neste estágio da campanha) é Lula, que tem se manifestado contra o teto dos gastos públicos. Sem esse teto, porém, correremos um grande risco de extrapolar o déficit do governo e explodir os índices inflacionários.
Uma pesquisa do BTG Pactual divulgada nesta semana mostra que 77% dos entrevistados deixaram de consumir pelo menos um produto nos últimos 3 meses. Na média, cada pessoa deixou de comprar 4 produtos no mês. Isso, em ano eleitoral, é mortal para os candidatos de situação. “It’s the economy, stupid (“É a economia, idiota”)”, disse em 1992 James Carville, estrategista de Bill Clinton em sua primeira campanha eleitoral, reforçando que o candidato tinha de mostrar ao eleitor que sua vida tinha piorado nos últimos quatro anos.
Lula deve seguir na mesma toada 30 anos depois, mostrando que sua gestão trouxe prosperidade ao cidadão comum (sem, evidentemente, explicar que a conjuntura internacional deu uma força gigantesca para que isso acontecesse). Ou seja, vai contar com o apoio da nova esquerda. Mas precisará do Centro descontente para ganhar a eleição.