Conteúdo digital na educação: estamos usando a linguagem do passado?
Hoje temos professores falando para câmera e alunos ouvindo na outra ponta, com pouca interação. O conteúdo final não é muito diferente das velhas preleções
felipegiacomelli
Publicado em 25 de agosto de 2020 às 08h31.
Ontem, fizemos uma “live” sobre os impactos da pandemia na educação e um dos pontos importantes do debate foi sobre os conteúdos no ensino à distância. Um dos palestrantes, Reynaldo Gama, CEO da HSM, ponderou que nesta primeira fase de aulas digitais simplesmente adaptamos a temática presencial ao novo formato para resolver de forma rápida o desafio de atender os alunos que ficaram em casa. Agora, temos diante de nós uma nova contenda: como transformar esse mesmo conteúdo para a realidade provocada pelo coronavírus?
Com a chegada de uma nova vacina , tudo poderia voltar ao normal e os prédios escolares seriam ocupados novamente. O problema é que ninguém sabe ao certo quando isso vai ocorrer. Mesmo que as aulas com presença física de alunos voltem rapidamente, percebe-se que uma dose de educação à distância continuará a existir.
Com isso, haverá a necessidade de se repensar as matérias que chegam online ao aluno. Hoje temos apenas professores falando diante de uma câmera e alunos ouvindo na outra ponta, com possibilidades reduzidas de interação. O conteúdo final, contudo, não é muito diferente das velhas preleções. Os programas de videoconferência até estão fazendo sua parte e injetando várias atualizações diárias. O desafio maior, porém, não está nesse ferramental – e sim no envelopamento das ideias.
Quando mudamos rapidamente de paradigmas, costumamos utilizar elementos das velhas linguagens ou dos antigos comportamentos. Nos anos 1980, por exemplo, quando se informatizava um escritório, o consumo de papel aumentava. Este fenômeno corria porque as pessoas queriam ver como uma página criada no computador ficava impressa. Esse tipo de comportamento, preso de alguma forma ao passado, pode se manifestar de duas maneiras.
A primeira é tentar utilizar a linguagem de um produto ancestral no novo paradigma. Um exemplo bastante comum é o design dos primeiros automóveis, praticamente uma adaptação do desenho das antigas diligências. Nos meios de comunicação, esse tipo de coisa é bastante comum. Quando o cinema surgiu, utilizou-se a linguagem do teatro para se contar uma história em celuloide. A televisão, em seus primeiros anos, trouxe muitos profissionais de rádio para trabalhar em suas emissoras e incorporou alguns cacoetes radiofônicos na narrativa televisiva, especialmente a jornalística e a esportiva. Por fim, a estreia dos portais de internet também tiveram (ou melhor, ainda têm) grande influência dos veículos impressos.
A outra maneira é usar uma nova linguagem de forma anacrônica e sem grandes condições de evolução. Encontra-se na música uma metáfora apropriada. Na virada da década de 1960 para 1970, foi criado um teclado eletrônico chamado Moog, que produzia sons diferentes de tudo o que havia naquela época. Num primeiro momento, músicos virtuosos do piano se apresentaram para explorar o potencial do instrumento: Keith Emerson (Emerson, Lake & Palmer) e Rick Wakeman (Yes) começaram a tocar o Moog (já chamado de sintetizador) e acabaram, cada um em seu estilo, criando um novo gênero musical. Nascia o rock progressivo (ou sinfônico, para outros), que incorporava alguns elementos da música clássica e produzia um som que ficou datado. Só alguns anos mais tarde, a garotada dos anos 1980 começou a extrair o verdadeiro potencial dos teclados eletrônicos. Mais tarde, os deejays vieram e trouxeram novas perspectivas sobre como trabalhar esse instrumento.
Em termos de conteúdo educativo, estamos entre os dois grupos de exemplos. Ainda exploramos uma linguagem inadequada e antiquada para os tempos modernos, francamente inspirada em modelos antigos, ou então estamos nos sentido modernos quando, na verdade, estamos mergulhados no anacronismo até o último fio de cabelo.
Tudo indica que continuaremos a explorar o ambiente digital ainda por muito tempo. Assim, educadores precisam se preocupar com o conteúdo de suas aulas, especialmente em como capturar plenamente a atenção de estudantes que estão em um ambiente que tem inúmeras chances de distração. Recursos de oratória e narrativa mais vivaz podem até ajudar. Mas estamos falando de uma geração que acostumada com outro tipo de linguagem quando estão em frente a uma tela.
Jovens e adolescentes que se queixam de ficar horas em frente ao computador são os mesmos que fazem maratonas de séries diante da telinha de seus smartphones. Portanto, o problema não é falta de concentração – e sim de uma narrativa que alunos consideram maçante.
Como resolver isso no curto prazo? Aparentemente, não há solução rápida. É preciso de recursos que explorem a multimídia e de professores engajados em mudar a linguagem e o formato de suas aulas. Dado que o ser humano é sempre cético em relação a mudanças que mexam com sua zona de conforto, não se deve apostar em transformações profundas para amanhã. Mas os olhos de educadores, pais e alunos devem estar voltados para a busca de novas linguagens. Caso contrário, teremos toda uma geração comprometida em formação escolar por conta da pandemia – e o resultado deste rombo só será sentido fortemente daqui a décadas, quando a criança de hoje estiver no controle das empresas, das escolas e dos governos. Vamos pagar para ver e esperar até lá? Melhor não, certo? Vamos resolver essas questões agora.
Ontem, fizemos uma “live” sobre os impactos da pandemia na educação e um dos pontos importantes do debate foi sobre os conteúdos no ensino à distância. Um dos palestrantes, Reynaldo Gama, CEO da HSM, ponderou que nesta primeira fase de aulas digitais simplesmente adaptamos a temática presencial ao novo formato para resolver de forma rápida o desafio de atender os alunos que ficaram em casa. Agora, temos diante de nós uma nova contenda: como transformar esse mesmo conteúdo para a realidade provocada pelo coronavírus?
Com a chegada de uma nova vacina , tudo poderia voltar ao normal e os prédios escolares seriam ocupados novamente. O problema é que ninguém sabe ao certo quando isso vai ocorrer. Mesmo que as aulas com presença física de alunos voltem rapidamente, percebe-se que uma dose de educação à distância continuará a existir.
Com isso, haverá a necessidade de se repensar as matérias que chegam online ao aluno. Hoje temos apenas professores falando diante de uma câmera e alunos ouvindo na outra ponta, com possibilidades reduzidas de interação. O conteúdo final, contudo, não é muito diferente das velhas preleções. Os programas de videoconferência até estão fazendo sua parte e injetando várias atualizações diárias. O desafio maior, porém, não está nesse ferramental – e sim no envelopamento das ideias.
Quando mudamos rapidamente de paradigmas, costumamos utilizar elementos das velhas linguagens ou dos antigos comportamentos. Nos anos 1980, por exemplo, quando se informatizava um escritório, o consumo de papel aumentava. Este fenômeno corria porque as pessoas queriam ver como uma página criada no computador ficava impressa. Esse tipo de comportamento, preso de alguma forma ao passado, pode se manifestar de duas maneiras.
A primeira é tentar utilizar a linguagem de um produto ancestral no novo paradigma. Um exemplo bastante comum é o design dos primeiros automóveis, praticamente uma adaptação do desenho das antigas diligências. Nos meios de comunicação, esse tipo de coisa é bastante comum. Quando o cinema surgiu, utilizou-se a linguagem do teatro para se contar uma história em celuloide. A televisão, em seus primeiros anos, trouxe muitos profissionais de rádio para trabalhar em suas emissoras e incorporou alguns cacoetes radiofônicos na narrativa televisiva, especialmente a jornalística e a esportiva. Por fim, a estreia dos portais de internet também tiveram (ou melhor, ainda têm) grande influência dos veículos impressos.
A outra maneira é usar uma nova linguagem de forma anacrônica e sem grandes condições de evolução. Encontra-se na música uma metáfora apropriada. Na virada da década de 1960 para 1970, foi criado um teclado eletrônico chamado Moog, que produzia sons diferentes de tudo o que havia naquela época. Num primeiro momento, músicos virtuosos do piano se apresentaram para explorar o potencial do instrumento: Keith Emerson (Emerson, Lake & Palmer) e Rick Wakeman (Yes) começaram a tocar o Moog (já chamado de sintetizador) e acabaram, cada um em seu estilo, criando um novo gênero musical. Nascia o rock progressivo (ou sinfônico, para outros), que incorporava alguns elementos da música clássica e produzia um som que ficou datado. Só alguns anos mais tarde, a garotada dos anos 1980 começou a extrair o verdadeiro potencial dos teclados eletrônicos. Mais tarde, os deejays vieram e trouxeram novas perspectivas sobre como trabalhar esse instrumento.
Em termos de conteúdo educativo, estamos entre os dois grupos de exemplos. Ainda exploramos uma linguagem inadequada e antiquada para os tempos modernos, francamente inspirada em modelos antigos, ou então estamos nos sentido modernos quando, na verdade, estamos mergulhados no anacronismo até o último fio de cabelo.
Tudo indica que continuaremos a explorar o ambiente digital ainda por muito tempo. Assim, educadores precisam se preocupar com o conteúdo de suas aulas, especialmente em como capturar plenamente a atenção de estudantes que estão em um ambiente que tem inúmeras chances de distração. Recursos de oratória e narrativa mais vivaz podem até ajudar. Mas estamos falando de uma geração que acostumada com outro tipo de linguagem quando estão em frente a uma tela.
Jovens e adolescentes que se queixam de ficar horas em frente ao computador são os mesmos que fazem maratonas de séries diante da telinha de seus smartphones. Portanto, o problema não é falta de concentração – e sim de uma narrativa que alunos consideram maçante.
Como resolver isso no curto prazo? Aparentemente, não há solução rápida. É preciso de recursos que explorem a multimídia e de professores engajados em mudar a linguagem e o formato de suas aulas. Dado que o ser humano é sempre cético em relação a mudanças que mexam com sua zona de conforto, não se deve apostar em transformações profundas para amanhã. Mas os olhos de educadores, pais e alunos devem estar voltados para a busca de novas linguagens. Caso contrário, teremos toda uma geração comprometida em formação escolar por conta da pandemia – e o resultado deste rombo só será sentido fortemente daqui a décadas, quando a criança de hoje estiver no controle das empresas, das escolas e dos governos. Vamos pagar para ver e esperar até lá? Melhor não, certo? Vamos resolver essas questões agora.