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Conservadores cancelados representam a direita como um todo?

O fato é que a direita já esteve melhor representada, no mundo e no Brasil

Rudy Giuliani. (Jonathan Ernst/Reuters)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 9 de fevereiro de 2021 às 11h57.

Última atualização em 9 de fevereiro de 2021 às 11h58.

Dias atrás, o canal Fox News cancelou o programa do veterano jornalista Lou Dobbs. A razão foi a insistência de Dobbs em acusar a empresa Smartmatic, que fabrica aparelhos de votação eletrônica, de participação em uma suposta fraude nas eleições presidenciais americanas (algo muito falado pelos partidários do ex-presidente Donald Trump, mas jamais provado por eles). Como a companhia processou seus detratores pela soma de US$ 2,7 bilhões (isso mesmo, bilhões), a emissora preferiu colocar o apresentador – detentor do programa com maior audiência do canal – na geladeira.

Um pouco depois, a rádio WABC, uma das maiores audiências do rádio nova-iorquino e de orientação conservadora, instituiu um disclaimer antes do programa do ex-prefeito Rudy Giuliani (foto), que atuou como advogado particular de Trump. Antes que Giuliani entrasse no ar, um locutor leu o seguinte texto: “Os pontos de vista, suposições e opiniões expressas pelo ex-advogado do presidente e ex-prefeito, seus convidados e visitantes, são estritamente deles e não representam necessariamente as opiniões, crenças ou políticas da WABC”.

Como Dobbs foi literalmente cancelado, Giuliani saiu no lucro, mas ficou possesso porque a estação de rádio resolveu deixar claro que não concorda obrigatoriamente com suas posições políticas.

Esses dois casos são exemplos da cultura de cancelamento que está tirando a voz ou pressionando porta-vozes do conservadorismo – mas não estamos falando de um conservadorismo básico, feijão com arroz, daquele que se manifesta em um churrasco de domingo.

Figuras como Dobbs e Giuliani estão abusando da irresponsabilidade em usar fake news ou distorcer a realidade para provar seus pontos de vista. Não concordo com a cultura de cancelamento e sou a favor da liberdade de expressão. Mesmo assim, não consigo entender como alguém recorre a mentiras para tentar convencer os outros de suas teorias de conspiração.

No fundo, essas pessoas que verbalizam o conservadorismo extremista têm um ponto em comum: são rasteiros, defensores de um nacionalismo rastaquera e utilizam sofismas para provar ideias estapafúrdias, isso tudo recheado de argumentos rasos e/ou infantis.

Essa é a cara da direita americana? Ou da brasileira?

Não necessariamente. O partido Republicano, que abraçou Donald Trump e agora o renega, tem em seus quadros grandes empresários e intelectuais que defendem o capitalismo e alfinetam com maestria a esquerda. Nenhuma dessas vozes, porém, resolveu se expor de forma mais explícita desde o naufrágio trumpista. São pessoas bem diferentes dos amalucados que invadiram o Congresso americano, pois têm de sobra algo que falta aos seguidores de Trump: bom senso.

No Brasil, mesmo durante o governo de Jair Bolsonaro, é difícil encontrar pessoas que defendam o capitalismo de peito aberto. Tanto é que vejo com alguma frequência empresários e executivos inteligentíssimos admirando articulistas tacanhos e previsíveis. O que os une? As mesmas bandeiras ideológicas.

O fato é que a direita já esteve melhor representada, no mundo e no Brasil. Lá fora, Dobbs e Giuliani são próceres do conservadorismo. São duas figuras que tinham certa credibilidade por conta de seu passado. Mas jogaram sua reputação no lixo ao insistir em um discurso de fraude eleitoral nas últimas eleições americanas.

O capitalismo já foi defendido, no Brasil e no exterior, por Ruy Mesquita, Paulo Francis, Mario Henrique Simonsen, Roberto Campos, Arthur Schlesinger, William F. Buckley, Fiedrich Hayek, Ludwig Von Mises e Milton Friedman. Agora, porém, temos poucos nomes que conseguem compatibilizar inteligência e conservadorismo. Um deles, em nosso país, é Luiz Felipe Pondé. Mas nem ele é uma unanimidade na direita.

A maioria dos conservadores de hoje cuja voz se amplifica na sociedade é composta por apologistas das fake news, negacionistas e adeptos das teorias da conspiração. Por isso, em nome de um debate equilibrado, o conservadorismo precisa urgentemente encorpar seus quadros com pessoas razoáveis e com massa cinzenta. Caso contrário, terá apenas exóticos e hidrófobos como representantes públicos. Se esse quadro persistir, esquerda continuará reinando sozinha junto aos jovens e aos que têm sensibilidade em relação à justiça social. Se a narrativa da direita não sofrer uma guinada, o Brasil corre o risco de em pouco tempo, flertar novamente com soluções econômicas ultrapassadas, que apenas batem em uma única tecla: inflar o Estado, distribuir benesses para poucos e fechar os olhos para a corrupção

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Dias atrás, o canal Fox News cancelou o programa do veterano jornalista Lou Dobbs. A razão foi a insistência de Dobbs em acusar a empresa Smartmatic, que fabrica aparelhos de votação eletrônica, de participação em uma suposta fraude nas eleições presidenciais americanas (algo muito falado pelos partidários do ex-presidente Donald Trump, mas jamais provado por eles). Como a companhia processou seus detratores pela soma de US$ 2,7 bilhões (isso mesmo, bilhões), a emissora preferiu colocar o apresentador – detentor do programa com maior audiência do canal – na geladeira.

Um pouco depois, a rádio WABC, uma das maiores audiências do rádio nova-iorquino e de orientação conservadora, instituiu um disclaimer antes do programa do ex-prefeito Rudy Giuliani (foto), que atuou como advogado particular de Trump. Antes que Giuliani entrasse no ar, um locutor leu o seguinte texto: “Os pontos de vista, suposições e opiniões expressas pelo ex-advogado do presidente e ex-prefeito, seus convidados e visitantes, são estritamente deles e não representam necessariamente as opiniões, crenças ou políticas da WABC”.

Como Dobbs foi literalmente cancelado, Giuliani saiu no lucro, mas ficou possesso porque a estação de rádio resolveu deixar claro que não concorda obrigatoriamente com suas posições políticas.

Esses dois casos são exemplos da cultura de cancelamento que está tirando a voz ou pressionando porta-vozes do conservadorismo – mas não estamos falando de um conservadorismo básico, feijão com arroz, daquele que se manifesta em um churrasco de domingo.

Figuras como Dobbs e Giuliani estão abusando da irresponsabilidade em usar fake news ou distorcer a realidade para provar seus pontos de vista. Não concordo com a cultura de cancelamento e sou a favor da liberdade de expressão. Mesmo assim, não consigo entender como alguém recorre a mentiras para tentar convencer os outros de suas teorias de conspiração.

No fundo, essas pessoas que verbalizam o conservadorismo extremista têm um ponto em comum: são rasteiros, defensores de um nacionalismo rastaquera e utilizam sofismas para provar ideias estapafúrdias, isso tudo recheado de argumentos rasos e/ou infantis.

Essa é a cara da direita americana? Ou da brasileira?

Não necessariamente. O partido Republicano, que abraçou Donald Trump e agora o renega, tem em seus quadros grandes empresários e intelectuais que defendem o capitalismo e alfinetam com maestria a esquerda. Nenhuma dessas vozes, porém, resolveu se expor de forma mais explícita desde o naufrágio trumpista. São pessoas bem diferentes dos amalucados que invadiram o Congresso americano, pois têm de sobra algo que falta aos seguidores de Trump: bom senso.

No Brasil, mesmo durante o governo de Jair Bolsonaro, é difícil encontrar pessoas que defendam o capitalismo de peito aberto. Tanto é que vejo com alguma frequência empresários e executivos inteligentíssimos admirando articulistas tacanhos e previsíveis. O que os une? As mesmas bandeiras ideológicas.

O fato é que a direita já esteve melhor representada, no mundo e no Brasil. Lá fora, Dobbs e Giuliani são próceres do conservadorismo. São duas figuras que tinham certa credibilidade por conta de seu passado. Mas jogaram sua reputação no lixo ao insistir em um discurso de fraude eleitoral nas últimas eleições americanas.

O capitalismo já foi defendido, no Brasil e no exterior, por Ruy Mesquita, Paulo Francis, Mario Henrique Simonsen, Roberto Campos, Arthur Schlesinger, William F. Buckley, Fiedrich Hayek, Ludwig Von Mises e Milton Friedman. Agora, porém, temos poucos nomes que conseguem compatibilizar inteligência e conservadorismo. Um deles, em nosso país, é Luiz Felipe Pondé. Mas nem ele é uma unanimidade na direita.

A maioria dos conservadores de hoje cuja voz se amplifica na sociedade é composta por apologistas das fake news, negacionistas e adeptos das teorias da conspiração. Por isso, em nome de um debate equilibrado, o conservadorismo precisa urgentemente encorpar seus quadros com pessoas razoáveis e com massa cinzenta. Caso contrário, terá apenas exóticos e hidrófobos como representantes públicos. Se esse quadro persistir, esquerda continuará reinando sozinha junto aos jovens e aos que têm sensibilidade em relação à justiça social. Se a narrativa da direita não sofrer uma guinada, o Brasil corre o risco de em pouco tempo, flertar novamente com soluções econômicas ultrapassadas, que apenas batem em uma única tecla: inflar o Estado, distribuir benesses para poucos e fechar os olhos para a corrupção

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