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Pix versus DeFi: comparando inovações financeiras

Enquanto bancos centrais buscam inovações como transferências rápidas e moedas digitais própria, universo cripto evolui rapidamente de forma descentralizada

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Marcelo Miranda

Publicado em 29 de outubro de 2020 às, 14h17.

Última atualização em 29 de outubro de 2020 às, 14h22.

A data de início do Pix está programada para 16 de novembro, mas o agito na mídia já é grande, afinal, desde setembro, bancos e fintechs começaram a receber pré-cadastros de clientes que desejam usar o novo e aguardado arranjo de pagamentos instantâneos do Banco Central do Brasil.

Entre as vantagens do Pix em relação ao sistema atual baseado em TEDs e DOCs, é possível destacar as transferências sem restrições de horários, os pagamentos com códigos QR e o cadastro simplificado.

Ainda em setembro, outro grande avanço surgiu do outro lado do espectro das inovações financeiras: uma das maiores plataformas de finanças descentralizadas (DeFi, na sigla em inglês), a Uniswap, liberou gratuitamente um primeiro lote de 150 milhões de unidades do seu token UNI para clientes e provedores de liquidez.

Enquanto bancos centrais mundo afora buscam inovações como transferências mais rápidas e suas próprias moedas digitais (também conhecidas como CBDCs), o universo das criptomoedas evolui rapidamente de forma descentralizada.

Comparar o Pix com o lançamento do token de uma plataforma cripto é, em última instância, contrastar inovações em CeFi (Centralized Finance) com a verdadeira revolução em DeFi (Decentralized Finance).

A inovação desenvolvida por um banco central ou governo vem com algumas garantias que diminuem o risco e asseguram o envolvimento dos grandes participantes do mercado. No Pix, por exemplo, instituições financeiras e bancos que possuem mais do que 500 mil contas, serão obrigados a participar do novo arranjo de pagamentos. Isso, obviamente, eliminará o risco do Pix morrer por falta de tração.

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Projetos de inovação centralizados também podem se beneficiar de uma série de fatores, como maior coordenação entre os participantes, infraestrutura e divulgação financiadas por recursos públicos, entre outros. As gigantes fintechs chinesas de pagamento, como o WeChat e Alipay, são a maior prova disso.

Porém, as maiores quebras de paradigma no mundo financeiro estão vindo justamente dos projetos que não tem nenhum planejamento central. Muito pelo contrário: a tendência DeFi cresce cada vez mais e hoje já são cerca de 10 bilhões de dólares colocados como garantia em contratos inteligentes nos serviços financeiros descentralizados.

Voltamos então ao token UNI. A emissora do token é a Uniswap, uma plataforma descentralizada agregadora de liquidez, que utiliza o protocolo Ethereum. Ela é a maior plataforma DeFi atualmente, com quase 2 bilhões de dólares em criptos bloqueamos na forma de garantia.

A principal função da Uniswap é permitir que seus usuários façam trocas e transferências entre dezenas de tokens sem que haja a figura de um intermediador para ligar as pontas compradoras e vendedoras. Grande parte desses tokens são stablecoins, criptoativos cujo valor é estável e que concorrem com as próprias moedas fiduciárias.

Todos os detalhes destas transferências ficam armazenados em contratos inteligentes, que podem ser verificados a qualquer momento, por qualquer pessoa. Esses contratos, por sua vez, são validados por nós (pontos da rede) distribuídos pelo mundo todo, sem que haja um banco central ou instituição financeira fazendo esse trabalho.

A liquidez para as trocas provém de participantes que não precisam de uma licença ou autorização prévia e que ainda são remunerados por gerarem liquidez no protocolo por meio de um conceito conhecido como liquidity mining (mineração de liquidez).

Na mineração de liquidez, qualquer um que possua criptoativos pode colocar uma oferta de troca por outra moeda e receber uma recompensa por isso. Algo bem mais democrático do que a mineração de bitcoin, que hoje em dia requer hardware especializado (e caro), além de consumo de eletricidade em larga escala.

O token UNI tem a promessa de dar aos seus detentores o direito de participar de decisões sobre o futuro da Uniswap, inclusive em questões econômicas (como, por exemplo, quais serão as taxas cobradas nas operações de permuta). Cerca de 60% dos tokens serão destinados à comunidade de usuários. Isso deverá tornar a Uniswap ainda mais descentralizada e transparente, ampliando ainda mais a força de sua comunidade. O detalhe? Não houve participação obrigatória ou uso de recursos públicos para a criação da iniciativa.

A Uniswap é apenas um exemplo da revolução das finanças descentralizadas. Existem diversos outros protocolos DeFi, inclusive com outras funções, como empréstimos, agregadores de staking (que geram rendimentos aos detentores dos tokens por participarem dos registros das transações) e muitas outras.

O Pix é claramente um avanço importante no mercado de pagamentos brasileiro, mas o grau disruptivo das inovações centralizadas quase sempre será menor do que em ecossistemas descentralizados.

Além disso, esses projetos centralizados em geral são limitados geograficamente, como é o caso do Pix, no Brasil, e do Fednow, nos EUA. Já os projetos descentralizados são sempre globais, como é o caso do Uniswap, MakerDAO e tantos outros.

Os protocolos DeFi ainda têm um longo caminho pela frente para se provarem robustos, mas, pelo histórico até agora, eles devem continuar a crescer e se multiplicar, até desafiarem o status quo da CeFi.

*Marcelo Miranda é economista, MBA pela Universidade de Michigan, gestor CGA Anbima e sócio e cofundador da FlowBTC e da PandaPay.