Quando a política invade os gramados – a polêmica com Tiago Leifert
O esporte é um fator de união nacional. Colocá-lo à serviço da política vai torná-lo um divisor
Da Redação
Publicado em 1 de março de 2018 às 12h12.
O apresentador Tiago Leifert causou polêmica com seu artigo na GQ sobre manifestações políticas em esportes, que têm se tornado mais comuns no Brasil, nos EUA e no mundo todo. Segundo ele, o esporte é um momento de diversão, que não deveria ser raptado pelas causas políticas pessoais de um jogador, ainda mais porque ele está ali jogando para todos os que torcem por seu time, que não necessariamente concordam com sua visão política.
Previsivelmente, Leifert foi bombardeado por muitos formadores de opinião, que vêm na politização do esporte (e de todas as outras esferas da vida) uma virtude. Exemplos não faltam, afinal de contas, de ocasiões em que um evento esportivo foi usado para alguma manifestação política que todos nós consideramos admirável: os atletas negros americanos que, no pódio da Olimpíada do México, fizeram o gesto dos Panteras Negras; ou os jogadores da NBA que usaram uma camiseta com a última frase de um jovem negro morto pela polícia novaiorquina. Em alguns casos – como na coluna de resposta de Walter Casagrande, também na GQ – levantaram casos em que esportistas defenderam causas políticas fora de jogo; o que foge ao ponto original de Leifert, que se refere justamente à postura do atleta dentro do campo.
Num país cuja população não é muito dada a grandes coletivos e ao fanatismo ideológico, o futebol é uma instância privilegiada de identidades coletivas. O torcer pelo mesmo time transforma numa tribo só pessoas de diferentes raças, credos e estratos sociais: cria entre eles uma solidariedade e cumplicidade nas vitórias e derrotas, algo que partilham. Ao mesmo tempo, essa identidade coletiva não demanda a totalidade da vida do indivíduo: ela aflora em momentos específicos, como um jogo, e no restante do tempo fica em segundo plano, permitindo que torcedores de todos os times interajam entre si. Sendo assim, embora a violência no futebol possa ser um problema em dias de jogo, a dinâmica da torcida deveria ser valorizada em nosso país, porque ela representa um problema muito menos grave do que inimizades raciais, religiosas ou políticas.
Quando a política invade os gramados, estamos enfraquecendo a identidade dos times e fortalecendo a dos agrupamentos políticos. O tipo de conflito que ficará conosco muito além da partida.
Dito isso, sou contra toda e qualquer manifestação política por esportistas durante um jogo (e por músicos num show, atores numa peça, etc)? Não. Penso que, quando uma causa política inclui a sobrevivência de um grupo ou o apontamento de alguma grande injustiça – coisa que pode inclusive colocar o atleta em risco – é admirável usar o esporte como plataforma de divulgação. Foi o caso de Tommie Smith e John Carlos nas Olimpíadas da Cidade do México em 1968.
O problema é quando a mera divergência partidária ou a agenda política do mês é tratada como uma questão existencial, de vida ou morte, tal que justifique cooptar todas as esferas da vida pública para divulgar sua mensagem. É um sinal de que estamos radicalizados e dispostos a prejudicar a sociedade para alimentar nossa vaidade ou para ajudar um projeto de poder.
E mesmo nos casos em que um protesto público é evidentemente justo, o deixar de fazê-lo pode ser igualmente admirável. Em 1936, o atleta americano negro Jesse Owens decidiu ir às Olimpíadas de Berlim (se recusando a boicotar os jogos, como alguns propunham). Uma vez lá, venceu diversas provas e fez história, jogando por terra a presunção de Hitler de que os arianos venceriam.
E quando chegou a hora de ser saudado por Hitler e depois receber suas medalhas, o que Owen fez? Comportou-se como um atleta profissional, sem nenhum tipo de manifestação política. Sua vitória teve um simbolismo enorme, mas ele em nenhum momento usou seu lugar nos holofotes para afirmar suas crenças. Até o fim da vida, defendeu que as Olimpíadas deveriam ser uma ocasião em que mesmo a guerra é esquecida, um evento acima da política.
O esporte é um fator de união nacional. Colocá-lo à serviço da política vai torná-lo um divisor. E há coisas mais importantes para o país do que o candidato que será eleito neste ano. Pobre do país que não é mais capaz de conceber algo que esteja acima da política.
O apresentador Tiago Leifert causou polêmica com seu artigo na GQ sobre manifestações políticas em esportes, que têm se tornado mais comuns no Brasil, nos EUA e no mundo todo. Segundo ele, o esporte é um momento de diversão, que não deveria ser raptado pelas causas políticas pessoais de um jogador, ainda mais porque ele está ali jogando para todos os que torcem por seu time, que não necessariamente concordam com sua visão política.
Previsivelmente, Leifert foi bombardeado por muitos formadores de opinião, que vêm na politização do esporte (e de todas as outras esferas da vida) uma virtude. Exemplos não faltam, afinal de contas, de ocasiões em que um evento esportivo foi usado para alguma manifestação política que todos nós consideramos admirável: os atletas negros americanos que, no pódio da Olimpíada do México, fizeram o gesto dos Panteras Negras; ou os jogadores da NBA que usaram uma camiseta com a última frase de um jovem negro morto pela polícia novaiorquina. Em alguns casos – como na coluna de resposta de Walter Casagrande, também na GQ – levantaram casos em que esportistas defenderam causas políticas fora de jogo; o que foge ao ponto original de Leifert, que se refere justamente à postura do atleta dentro do campo.
Num país cuja população não é muito dada a grandes coletivos e ao fanatismo ideológico, o futebol é uma instância privilegiada de identidades coletivas. O torcer pelo mesmo time transforma numa tribo só pessoas de diferentes raças, credos e estratos sociais: cria entre eles uma solidariedade e cumplicidade nas vitórias e derrotas, algo que partilham. Ao mesmo tempo, essa identidade coletiva não demanda a totalidade da vida do indivíduo: ela aflora em momentos específicos, como um jogo, e no restante do tempo fica em segundo plano, permitindo que torcedores de todos os times interajam entre si. Sendo assim, embora a violência no futebol possa ser um problema em dias de jogo, a dinâmica da torcida deveria ser valorizada em nosso país, porque ela representa um problema muito menos grave do que inimizades raciais, religiosas ou políticas.
Quando a política invade os gramados, estamos enfraquecendo a identidade dos times e fortalecendo a dos agrupamentos políticos. O tipo de conflito que ficará conosco muito além da partida.
Dito isso, sou contra toda e qualquer manifestação política por esportistas durante um jogo (e por músicos num show, atores numa peça, etc)? Não. Penso que, quando uma causa política inclui a sobrevivência de um grupo ou o apontamento de alguma grande injustiça – coisa que pode inclusive colocar o atleta em risco – é admirável usar o esporte como plataforma de divulgação. Foi o caso de Tommie Smith e John Carlos nas Olimpíadas da Cidade do México em 1968.
O problema é quando a mera divergência partidária ou a agenda política do mês é tratada como uma questão existencial, de vida ou morte, tal que justifique cooptar todas as esferas da vida pública para divulgar sua mensagem. É um sinal de que estamos radicalizados e dispostos a prejudicar a sociedade para alimentar nossa vaidade ou para ajudar um projeto de poder.
E mesmo nos casos em que um protesto público é evidentemente justo, o deixar de fazê-lo pode ser igualmente admirável. Em 1936, o atleta americano negro Jesse Owens decidiu ir às Olimpíadas de Berlim (se recusando a boicotar os jogos, como alguns propunham). Uma vez lá, venceu diversas provas e fez história, jogando por terra a presunção de Hitler de que os arianos venceriam.
E quando chegou a hora de ser saudado por Hitler e depois receber suas medalhas, o que Owen fez? Comportou-se como um atleta profissional, sem nenhum tipo de manifestação política. Sua vitória teve um simbolismo enorme, mas ele em nenhum momento usou seu lugar nos holofotes para afirmar suas crenças. Até o fim da vida, defendeu que as Olimpíadas deveriam ser uma ocasião em que mesmo a guerra é esquecida, um evento acima da política.
O esporte é um fator de união nacional. Colocá-lo à serviço da política vai torná-lo um divisor. E há coisas mais importantes para o país do que o candidato que será eleito neste ano. Pobre do país que não é mais capaz de conceber algo que esteja acima da política.