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Devemos estar prontos para combater a liberação do porte de armas

O decreto de posse é um pequeno passo. O objetivo está claro: liberar o porte de arma no Brasil, o que pode gerar consequências graves à segurança pública

JAIR BOLSONARO: ter uma arma em casa traz consigo um risco. Mas é um risco em larga medida circunscrito àquele domicílio / Helvio Romero/Estadão Conteúdo (Helvio Romero/Estadão Conteúdo)
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Da Redação

Publicado em 21 de janeiro de 2019 às 13h39.

Última atualização em 21 de janeiro de 2019 às 13h58.

O decreto de facilitação da posse de armas de Bolsonaro é o primeiro ato concreto do novo governo – para além das nomeações – e nos dá uma indicação de que ele quer cumprir suas bandeiras de campanha. No caso, reverter o estatuto do desarmamento e, futuramente, liberar o porte de arma no país.

Uma coisa é a direção do movimento, outra é nosso juízo acerca de um passo concreto. Posso dizer que sou frontalmente contra a intenção futura de liberar o porte de armas (ou seja, permitir que cidadãos saiam armados às ruas); mas quanto ao conteúdo deste decreto, que apenas facilita a posse de arma (ou seja, ter uma arma em casa, para proteger-se de invasores violentos), sou favorável.

O Brasil vivia uma situação anômala. No papel, a posse de armas era permitida. Mas entre seus inúmeros (e corretos) requisitos, a maioria das pessoas que queria ter uma arma era barrada por um em particular: ter que justificar a necessidade de se ter uma arma de fogo para a Polícia Federal. Via de regra, qualquer que fosse a justificativa apresentada, a polícia negava o direito à posse de arma.

O decreto de Bolsonaro veio tapar esse buraco, estabelecendo critérios que, aos olhos da lei, configuram justificativas válidas. Entre eles, o mais relevante é o de se morar em um estado com mais de 10 homicídios a cada 100 mil habitantes, conforme medido no Atlas da Violência 2018 (que contém dados referentes a 2016). O critério não deixa de ser curioso; afinal, os estados com melhores índices serão “punidos” tirando-se um direito da população. Mas essa preocupação é, ao menos por enquanto, desnecessária. Segundo o Atlas da Violência 2018, todos os estados brasileiros – inclusive São Paulo, o mais seguro – têm taxas de homicídio superiores a 10/100 mil habitantes.

Mas o que acontece se, por exemplo, SP seguir sua trajetória de queda e ficar abaixo desse número? (Na verdade, em algumas medidas recentes o índice de SP já se encontra abaixo de 10). Aí mora a pegadinha do decreto: ele não prevê nenhuma atualização dos números. Podem passar quantos anos forem, que o número de referência continuará sendo o Atlas da Violência 2018. Portanto, na falta de algum novo decreto ou algum recurso à Justiça para atualizar os dados (ou seja, alguma ação política), a posse de armas está liberada em todo o território nacional para sempre.

Não sou um defensor intransigente de “liberdades individuais” abstratas. Se uma liberdade for desastrosa para o bem comum, deve ser limitada. Contudo, defendo que, na medida do possível, a maior quantidade de decisões acerca da vida de cada um fique a critério do próprio indivíduo.

Ter uma arma em casa traz consigo um risco. Mas é um risco em larga medida circunscrito àquele domicílio e às pessoas que moram nele. Aceitamos que outras decisões – que também tragam risco letal – sejam feitas por uma família, como ter uma piscina em casa. O afogamento em piscina é uma das maiores causas de morte de crianças no país. No entanto, não vemos problema em que os pais escolham morar numa casa com piscina.

Por isso, sou favorável à posse de arma, e a correção de um entrave que contrariava o espírito da lei veio a calhar. Mais importante do que proibir a posse, na minha opinião, é divulgar informações para que todo mundo que pretenda ter uma arma em casa conheça bem os riscos. Em primeiro lugar, as baixas chances de sucesso contra um invasor armado. Em segundo, os riscos de acidente, crime passional e suicídio. Se, mesmo assim, quiser ter uma arma, que tenha esse direito.

É um retrocesso, contudo, a decisão, deste mesmo decreto, de estender para dez anos o período para renovar o registro da arma. Sabemos que armas que entram no mercado legalmente frequentemente vão parar no crime organizado. E também que pessoas que, em um momento, atendem aos requisitos psicológicos para ter uma arma podem não atendê-los em um período seguinte. Portanto, a renovação periódica (de 5 ou mesmo 3 anos) do registro é importante, e uma exigência mais do que bem-vinda a todos que fizerem a escolha responsável de ter uma arma de fogo.

Seja como for, o decreto é só um pequeno primeiro passo. O objetivo está claro: liberar o porte de arma no Brasil. Esta intenção, se levada adiante, terá consequências graves sobre a segurança pública brasileira. Devemos estar prontos para combatê-la. E o presidente Bolsonaro, mesmo tendo sido eleito com essa promessa, tem toda a liberdade de não levá-la adiante, caso se convença de que seus efeitos serão deletérios para o Brasil.

Leitura recomendada: dossiê “Armas, crimes e violência: o que nos dizem 61 pesquisas recentes”, do Prof. Thomas Conti (Insper).

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O decreto de facilitação da posse de armas de Bolsonaro é o primeiro ato concreto do novo governo – para além das nomeações – e nos dá uma indicação de que ele quer cumprir suas bandeiras de campanha. No caso, reverter o estatuto do desarmamento e, futuramente, liberar o porte de arma no país.

Uma coisa é a direção do movimento, outra é nosso juízo acerca de um passo concreto. Posso dizer que sou frontalmente contra a intenção futura de liberar o porte de armas (ou seja, permitir que cidadãos saiam armados às ruas); mas quanto ao conteúdo deste decreto, que apenas facilita a posse de arma (ou seja, ter uma arma em casa, para proteger-se de invasores violentos), sou favorável.

O Brasil vivia uma situação anômala. No papel, a posse de armas era permitida. Mas entre seus inúmeros (e corretos) requisitos, a maioria das pessoas que queria ter uma arma era barrada por um em particular: ter que justificar a necessidade de se ter uma arma de fogo para a Polícia Federal. Via de regra, qualquer que fosse a justificativa apresentada, a polícia negava o direito à posse de arma.

O decreto de Bolsonaro veio tapar esse buraco, estabelecendo critérios que, aos olhos da lei, configuram justificativas válidas. Entre eles, o mais relevante é o de se morar em um estado com mais de 10 homicídios a cada 100 mil habitantes, conforme medido no Atlas da Violência 2018 (que contém dados referentes a 2016). O critério não deixa de ser curioso; afinal, os estados com melhores índices serão “punidos” tirando-se um direito da população. Mas essa preocupação é, ao menos por enquanto, desnecessária. Segundo o Atlas da Violência 2018, todos os estados brasileiros – inclusive São Paulo, o mais seguro – têm taxas de homicídio superiores a 10/100 mil habitantes.

Mas o que acontece se, por exemplo, SP seguir sua trajetória de queda e ficar abaixo desse número? (Na verdade, em algumas medidas recentes o índice de SP já se encontra abaixo de 10). Aí mora a pegadinha do decreto: ele não prevê nenhuma atualização dos números. Podem passar quantos anos forem, que o número de referência continuará sendo o Atlas da Violência 2018. Portanto, na falta de algum novo decreto ou algum recurso à Justiça para atualizar os dados (ou seja, alguma ação política), a posse de armas está liberada em todo o território nacional para sempre.

Não sou um defensor intransigente de “liberdades individuais” abstratas. Se uma liberdade for desastrosa para o bem comum, deve ser limitada. Contudo, defendo que, na medida do possível, a maior quantidade de decisões acerca da vida de cada um fique a critério do próprio indivíduo.

Ter uma arma em casa traz consigo um risco. Mas é um risco em larga medida circunscrito àquele domicílio e às pessoas que moram nele. Aceitamos que outras decisões – que também tragam risco letal – sejam feitas por uma família, como ter uma piscina em casa. O afogamento em piscina é uma das maiores causas de morte de crianças no país. No entanto, não vemos problema em que os pais escolham morar numa casa com piscina.

Por isso, sou favorável à posse de arma, e a correção de um entrave que contrariava o espírito da lei veio a calhar. Mais importante do que proibir a posse, na minha opinião, é divulgar informações para que todo mundo que pretenda ter uma arma em casa conheça bem os riscos. Em primeiro lugar, as baixas chances de sucesso contra um invasor armado. Em segundo, os riscos de acidente, crime passional e suicídio. Se, mesmo assim, quiser ter uma arma, que tenha esse direito.

É um retrocesso, contudo, a decisão, deste mesmo decreto, de estender para dez anos o período para renovar o registro da arma. Sabemos que armas que entram no mercado legalmente frequentemente vão parar no crime organizado. E também que pessoas que, em um momento, atendem aos requisitos psicológicos para ter uma arma podem não atendê-los em um período seguinte. Portanto, a renovação periódica (de 5 ou mesmo 3 anos) do registro é importante, e uma exigência mais do que bem-vinda a todos que fizerem a escolha responsável de ter uma arma de fogo.

Seja como for, o decreto é só um pequeno primeiro passo. O objetivo está claro: liberar o porte de arma no Brasil. Esta intenção, se levada adiante, terá consequências graves sobre a segurança pública brasileira. Devemos estar prontos para combatê-la. E o presidente Bolsonaro, mesmo tendo sido eleito com essa promessa, tem toda a liberdade de não levá-la adiante, caso se convença de que seus efeitos serão deletérios para o Brasil.

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