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Roberto DaMatta: “As pessoas escapam pelas malhas da reestruturação brasileira”

“As pessoas querem um gerenciamento público que seja realmente decente”, diz o antropólogo Roberto DaMatta sobre as manifestações que se espalharam por todo o Brasil no mês de junho. Autor de trabalhos como “O que faz o Brasil, Brasil?” (Rocco, 1986) e “Carnavais, malandros e heróis” (Rocco, 1997), que buscaram entender e revelar o comportamento do povo brasileiro, DaMatta contou para o Instituto Millenium suas impressões a respeito da estrutura policial […] Leia mais

DR

Da Redação

Publicado em 31 de julho de 2013 às 12h41.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 08h55.

Roberto DaMatta

“As pessoas querem um gerenciamento público que seja realmente decente”, diz o antropólogo Roberto DaMatta sobre as manifestações que se espalharam por todo o Brasil no mês de junho. Autor de trabalhos como “O que faz o Brasil, Brasil?” (Rocco, 1986) e “Carnavais, malandros e heróis” (Rocco, 1997), que buscaram entender e revelar o comportamento do povo brasileiro, DaMatta contou para o Instituto Millenium suas impressões a respeito da estrutura policial brasileira e falou sobre possíveis ameaças ao Estado de Direito. O antropólogo acredita que as divergências nas manifestações fazem parte de uma sociedade respaldada por uma democracia liberal. DaMatta destaca a necessidade de uma politização das relações pessoais e avalia o voto distrital como ferramenta útil em uma possível reforma política: “Quanto mais próximo de mim estiver o candidato, maior a minha participação política”.

Leia a entrevista completa

Instituto Millenium – No Brasil, ameaças ao Estado de Direito deixam de ser exceção em todas as esferas da sociedade. As recentes manifestações evidenciam que tanto a classe política quanto a sociedade civil e as forças policiais desrespeitam a lei, muitas vezes com o sentimento de que os fins justificam os meios. O senhor concorda com isso?
Roberto DaMatta – Comparando o Brasil com outros países, pode-se dizer que estamos respeitando o Estado de Direito. Ele é mais respeitado aqui que na Venezuela, provavelmente mais que na Colômbia e, certamente, que na Argentina. Isso para não falar do Oriente Médio, Israel e Egito, e nem dos países árabes, onde há uma primavera da qual eu não quero cheirar as flores. A sociedade brasileira é democrática, liberal e competitiva, mas possui um sistema legal extremamente complicado. O Brasil tem um legalismo muito grande, que é uma herança ibérica, de Portugal.

Imil – O senhor poderia explicar um pouco mais?
DaMatta – Veja, saímos da ditadura, mas continuamos com determinados mecanismos institucionais, políticos e legais daquela época, como as medidas provisórias, os decretos-lei e as PECs (Propostas de Emenda à Constituição). Continuamos sem revogar muitas coisas, e, por esse ponto de vista, o Estado de Direito sempre esteve sob ameaça no Brasil. No entanto, essas ameaças são permanentes às sociedades democráticas, como já dizia Alexis de Tocqueville (1805 – 1859), em 1835, no livro “A democracia na América”, o primeiro trabalho de campo, in locu, de uma sociedade democrática. Os Estados Unidos foram o primeiro país no mundo a ter uma experiência republicana sem aristocracia. É uma república que nasce sem aristocratas – burguesa de nascimento, e sem religião oficial.

Esses dois elementos, hierárquicos e aristocráticos, nós temos no Brasil, cuja história reuniu aristocracia com escravismo e um republicanismo muito mais teórico que prático, sem uma massa de pessoas capaz de praticá-lo.

Uma democracia liberal é um sistema político que está sempre correndo atrás de si próprio. Está sempre em crise, sempre se questionando

O que se observa hoje é que o Estado de Direito está funcionando no Brasil. Nesse momento estão ocorrendo conflitos entre brancos e negros na Flórida, nos Estados Unidos, e não significa que a lei não esteja funcionando lá. É o estado normal de uma sociedade liberal e democrática a competição de partidos políticos e ideias políticas, com grupos de extrema esquerda e extrema direita. Isso nunca será resolvido. Sempre haverá algum conflito, algo que tentará corromper o sistema e, do lado oposto, alguma polícia ou alguém para denunciar.

Imil – Mesmo durante as manifestações o senhor enxerga este pleno funcionamento?
DaMatta – Vivemos um drama social, segundo a formulação do antropólogo Victor Turner (1920 – 1983), dividido em quatro momentos. Em um primeiro momento há uma montagem do drama, que foi o início das passeatas em São Paulo. O segundo momento é o próprio drama, que foi quando as manifestações se espalharam pelo Brasil inteiro. No terceiro momento acontece a interpretação dos significados do drama, quais são as partes envolvidas etc. Por fim, no quarto momento as reivindicações do drama são ou não são atendidas. No caso brasileiro a tendência é, em geral, atender apenas parte das exigências e empurrar algumas coisas para debaixo do tapete. Essa não é propriamente a mesma experiência de outros países, que resolvem os problemas, por vezes, de maneira drástica.

Então a minha resposta é que o Estado de Direito está funcionando sim. Desde que se tenha em mente que uma democracia liberal é um sistema político que está sempre correndo atrás de si próprio. Está sempre em crise, sempre se questionando. Ele deixa que exista dentro dele próprio movimentos que são contrários a ele, isso é, uma coisa que Tocqueville caracterizou muito bem. Apesar de não ver uma ameaça ao Estado de Direito, acredito que as respostas aos movimentos podiam ser melhores. Analisando os sistemas com uma certa distância, eu, como um liberal, democrata, federalista, que defende as liberdades individuais e, sobretudo, um Estado de Direito em que se tenha liberdade e igualdade, acho que está funcionando.

Clique e leia a entrevista completa

Roberto DaMatta

“As pessoas querem um gerenciamento público que seja realmente decente”, diz o antropólogo Roberto DaMatta sobre as manifestações que se espalharam por todo o Brasil no mês de junho. Autor de trabalhos como “O que faz o Brasil, Brasil?” (Rocco, 1986) e “Carnavais, malandros e heróis” (Rocco, 1997), que buscaram entender e revelar o comportamento do povo brasileiro, DaMatta contou para o Instituto Millenium suas impressões a respeito da estrutura policial brasileira e falou sobre possíveis ameaças ao Estado de Direito. O antropólogo acredita que as divergências nas manifestações fazem parte de uma sociedade respaldada por uma democracia liberal. DaMatta destaca a necessidade de uma politização das relações pessoais e avalia o voto distrital como ferramenta útil em uma possível reforma política: “Quanto mais próximo de mim estiver o candidato, maior a minha participação política”.

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Instituto Millenium – No Brasil, ameaças ao Estado de Direito deixam de ser exceção em todas as esferas da sociedade. As recentes manifestações evidenciam que tanto a classe política quanto a sociedade civil e as forças policiais desrespeitam a lei, muitas vezes com o sentimento de que os fins justificam os meios. O senhor concorda com isso?
Roberto DaMatta – Comparando o Brasil com outros países, pode-se dizer que estamos respeitando o Estado de Direito. Ele é mais respeitado aqui que na Venezuela, provavelmente mais que na Colômbia e, certamente, que na Argentina. Isso para não falar do Oriente Médio, Israel e Egito, e nem dos países árabes, onde há uma primavera da qual eu não quero cheirar as flores. A sociedade brasileira é democrática, liberal e competitiva, mas possui um sistema legal extremamente complicado. O Brasil tem um legalismo muito grande, que é uma herança ibérica, de Portugal.

Imil – O senhor poderia explicar um pouco mais?
DaMatta – Veja, saímos da ditadura, mas continuamos com determinados mecanismos institucionais, políticos e legais daquela época, como as medidas provisórias, os decretos-lei e as PECs (Propostas de Emenda à Constituição). Continuamos sem revogar muitas coisas, e, por esse ponto de vista, o Estado de Direito sempre esteve sob ameaça no Brasil. No entanto, essas ameaças são permanentes às sociedades democráticas, como já dizia Alexis de Tocqueville (1805 – 1859), em 1835, no livro “A democracia na América”, o primeiro trabalho de campo, in locu, de uma sociedade democrática. Os Estados Unidos foram o primeiro país no mundo a ter uma experiência republicana sem aristocracia. É uma república que nasce sem aristocratas – burguesa de nascimento, e sem religião oficial.

Esses dois elementos, hierárquicos e aristocráticos, nós temos no Brasil, cuja história reuniu aristocracia com escravismo e um republicanismo muito mais teórico que prático, sem uma massa de pessoas capaz de praticá-lo.

Uma democracia liberal é um sistema político que está sempre correndo atrás de si próprio. Está sempre em crise, sempre se questionando

O que se observa hoje é que o Estado de Direito está funcionando no Brasil. Nesse momento estão ocorrendo conflitos entre brancos e negros na Flórida, nos Estados Unidos, e não significa que a lei não esteja funcionando lá. É o estado normal de uma sociedade liberal e democrática a competição de partidos políticos e ideias políticas, com grupos de extrema esquerda e extrema direita. Isso nunca será resolvido. Sempre haverá algum conflito, algo que tentará corromper o sistema e, do lado oposto, alguma polícia ou alguém para denunciar.

Imil – Mesmo durante as manifestações o senhor enxerga este pleno funcionamento?
DaMatta – Vivemos um drama social, segundo a formulação do antropólogo Victor Turner (1920 – 1983), dividido em quatro momentos. Em um primeiro momento há uma montagem do drama, que foi o início das passeatas em São Paulo. O segundo momento é o próprio drama, que foi quando as manifestações se espalharam pelo Brasil inteiro. No terceiro momento acontece a interpretação dos significados do drama, quais são as partes envolvidas etc. Por fim, no quarto momento as reivindicações do drama são ou não são atendidas. No caso brasileiro a tendência é, em geral, atender apenas parte das exigências e empurrar algumas coisas para debaixo do tapete. Essa não é propriamente a mesma experiência de outros países, que resolvem os problemas, por vezes, de maneira drástica.

Então a minha resposta é que o Estado de Direito está funcionando sim. Desde que se tenha em mente que uma democracia liberal é um sistema político que está sempre correndo atrás de si próprio. Está sempre em crise, sempre se questionando. Ele deixa que exista dentro dele próprio movimentos que são contrários a ele, isso é, uma coisa que Tocqueville caracterizou muito bem. Apesar de não ver uma ameaça ao Estado de Direito, acredito que as respostas aos movimentos podiam ser melhores. Analisando os sistemas com uma certa distância, eu, como um liberal, democrata, federalista, que defende as liberdades individuais e, sobretudo, um Estado de Direito em que se tenha liberdade e igualdade, acho que está funcionando.

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