Repensando o papel dos governos locais no Brasil
Padronização pode, muitas vezes, atuar mais como obstáculo do que facilitador no avanço social
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 19 de setembro de 2023 às 16h50.
No Brasil, país marcado por uma vasta diversidade social, cultural e geográfica, a padronização das políticas públicas pode, muitas vezes, atuar mais como obstáculo do que facilitador no avanço social. Promover a descentralização do poder e incentivar a inovação nas administrações locais podem ser estratégias valiosas para elaborar soluções mais eficazes e adaptadas a diferentes realidades. Em determinados contextos, os governos locais são vistos como verdadeiros " laboratórios de democracia ", onde novas iniciativas podem ser testadas, ajustadas e aperfeiçoadas antes de serem implementadas em larga escala.
No Brasil, já observamos sucessos dessa estratégia, como é o caso do programa Bolsa Família, que teve seu conceito - a distribuição condicionada de renda - experimentado inicialmente em localidades como Campinas e no Distrito Federal ( Leite & Peres, 2015 ), antes de se consolidar como pilar das políticas sociais nos governos de FHC e Lula. Outra evidência é o modelo educacional adotado na cidade de Sobral e no Estado do Ceará, e que ganhou reconhecimento nacional e é utilizado como referência por várias organizações públicas e da sociedade civil.
Apesar dos exemplos positivos, ainda há uma resistência institucional que limita tais iniciativas, muitas vezes ancorada na preocupação com possíveis desigualdades geradas pelas divergências nas políticas locais. Esse cenário também demonstra uma falta de imaginação institucional, ilustrada por estudos como o de Couto e Absher-Bellon (2018), que apontam para a tendência das constituições estaduais brasileiras em replicar a Carta Federal, reforçando um centralismo na formulação de normas jurídicas.
A necessidade de equidade não deve barrar a experimentação local. Governos locais deveriam possuir maior flexibilidade para explorar novas abordagens, dependendo de sua eficácia em gerar resultados positivos. É papel dos níveis superiores de governança, como os governos estaduais, criar mecanismos que garantam o progresso de regiões e governos com desempenho insatisfatório. Contudo, a imaginação institucional não é suficiente para transformar a realidade. O receio de mudanças também está associado a limitação de capacidades. Neste cenário, o centralismo administrativo de Brasília tem um papel significativo, uma vez que a dependência de recursos federais frequentemente incentiva a homogeneização das políticas públicas em nível subnacional.
Para inaugurar uma nova fase de experimentação descentralizada no federalismo brasileiro, é imprescindível estabelecer mecanismos que motivem os governos locais a adotar novas estratégias que atendam às peculiaridades de suas comunidades. Uma inspiração é o modelo americano de "Distritos Especiais". Segundo dados do censo de 2017, este modelo, que compreende aproximadamente 40 mil instâncias, é a forma de governo local mais prevalente nos EUA.
Estes distritos são entidades autônomas instituídas para suprir necessidades específicas de uma região, detendo controle sobre seus orçamentos e, em determinados casos, a capacidade de instaurar taxas ou impostos. Geralmente, têm uma finalidade única e delimitada, abrangendo a criação de escolas, gestão de sistemas educacionais ou administração de instituições públicas como bibliotecas e hospitais. Podem, ainda, gerenciar serviços como rodovias, transporte aéreo e sistemas de saneamento básico.
Operando de forma distinta dos governos locais multipropósito - característicos no Brasil - os distritos especiais são usualmente estabelecidos pelos governos estaduais nos EUA, assumindo responsabilidades específicas em áreas demarcadas, desvinculando-se de outras formas de administração local presentes em seu território. Sua principal vantagem reside na focalização, tanto geográfica quanto funcional, permitindo uma gestão concentrada e eficaz em uma atividade singular.
Essa estrutura promove benefícios de especialização e escala, podendo englobar vários municípios e facilitando o alinhamento de interesses. A gestão dos distritos é, na maioria dos casos, decidida democraticamente, permitindo que a população expresse suas preferências baseadas no desempenho de administradores locais em serviços específicos. Dessa forma, a reeleição de um gestor de distrito está intrinsecamente atrelada à sua eficácia na administração dos serviços sob sua responsabilidade, incentivando a melhoria contínua em áreas como educação ou saúde.
Além disso, a experiência americana indica que, em virtude de sua focalização em atividades específicas, os distritos muitas vezes apresentam uma capacidade de resposta mais eficaz comparada a outras formas de governo, onde questões de escala, âmbito e politização podem criar barreiras significativas. Notavelmente, as eleições para cargos de gestão nesses distritos tendem a se distanciar do partidarismo tradicional, proporcionando uma dinâmica eleitoral percebida como mais direta e menos politizada pelos cidadãos, quando comparada às eleições convencionais em estados e municípios.
As observações apresentadas não são aplicáveis universalmente. Cada modelo de governo possui seus méritos e limitações, havendo sempre espaço para aprimoramentos. A questão central não é definir a melhor forma de governo de maneira teórica, mas sim identificar a estrutura governamental que melhor atenda às especificidades de cada comunidade. Nesse sentido, a implementação de distritos especiais poderia representar uma inovação significativa no Brasil, um país onde municípios de tamanhos tão diversos, de São Paulo a pequenas cidades de 2 mil habitantes, possuem, em teoria, o mesmo nível de autonomia e responsabilidades.
Assim, instiga-se o Brasil a contemplar a integração de estruturas governamentais mais flexíveis, como os "Special Districts", em seu framework institucional. Atualmente, já existe uma forma de divisão administrativa pouco utilizada no país, os Territórios Federais, que estão vinculados diretamente à União, sem subordinação a qualquer estado. Um conceito análogo poderia ser desenvolvido a nível estadual, inspirando-se no modelo já implementado em Fernando de Noronha, Pernambuco, um distrito estadual gerido diretamente pelo governo do estado. A reformulação e expansão desse modelo de governança para todos os estados brasileiros poderia não apenas estimular inovação e eficiência nas políticas públicas, mas também fomentar um federalismo mais ágil e responsivo, garantindo que cada região disponha da liberdade e do suporte necessários para atender às demandas únicas de sua população.
No Brasil, país marcado por uma vasta diversidade social, cultural e geográfica, a padronização das políticas públicas pode, muitas vezes, atuar mais como obstáculo do que facilitador no avanço social. Promover a descentralização do poder e incentivar a inovação nas administrações locais podem ser estratégias valiosas para elaborar soluções mais eficazes e adaptadas a diferentes realidades. Em determinados contextos, os governos locais são vistos como verdadeiros " laboratórios de democracia ", onde novas iniciativas podem ser testadas, ajustadas e aperfeiçoadas antes de serem implementadas em larga escala.
No Brasil, já observamos sucessos dessa estratégia, como é o caso do programa Bolsa Família, que teve seu conceito - a distribuição condicionada de renda - experimentado inicialmente em localidades como Campinas e no Distrito Federal ( Leite & Peres, 2015 ), antes de se consolidar como pilar das políticas sociais nos governos de FHC e Lula. Outra evidência é o modelo educacional adotado na cidade de Sobral e no Estado do Ceará, e que ganhou reconhecimento nacional e é utilizado como referência por várias organizações públicas e da sociedade civil.
Apesar dos exemplos positivos, ainda há uma resistência institucional que limita tais iniciativas, muitas vezes ancorada na preocupação com possíveis desigualdades geradas pelas divergências nas políticas locais. Esse cenário também demonstra uma falta de imaginação institucional, ilustrada por estudos como o de Couto e Absher-Bellon (2018), que apontam para a tendência das constituições estaduais brasileiras em replicar a Carta Federal, reforçando um centralismo na formulação de normas jurídicas.
A necessidade de equidade não deve barrar a experimentação local. Governos locais deveriam possuir maior flexibilidade para explorar novas abordagens, dependendo de sua eficácia em gerar resultados positivos. É papel dos níveis superiores de governança, como os governos estaduais, criar mecanismos que garantam o progresso de regiões e governos com desempenho insatisfatório. Contudo, a imaginação institucional não é suficiente para transformar a realidade. O receio de mudanças também está associado a limitação de capacidades. Neste cenário, o centralismo administrativo de Brasília tem um papel significativo, uma vez que a dependência de recursos federais frequentemente incentiva a homogeneização das políticas públicas em nível subnacional.
Para inaugurar uma nova fase de experimentação descentralizada no federalismo brasileiro, é imprescindível estabelecer mecanismos que motivem os governos locais a adotar novas estratégias que atendam às peculiaridades de suas comunidades. Uma inspiração é o modelo americano de "Distritos Especiais". Segundo dados do censo de 2017, este modelo, que compreende aproximadamente 40 mil instâncias, é a forma de governo local mais prevalente nos EUA.
Estes distritos são entidades autônomas instituídas para suprir necessidades específicas de uma região, detendo controle sobre seus orçamentos e, em determinados casos, a capacidade de instaurar taxas ou impostos. Geralmente, têm uma finalidade única e delimitada, abrangendo a criação de escolas, gestão de sistemas educacionais ou administração de instituições públicas como bibliotecas e hospitais. Podem, ainda, gerenciar serviços como rodovias, transporte aéreo e sistemas de saneamento básico.
Operando de forma distinta dos governos locais multipropósito - característicos no Brasil - os distritos especiais são usualmente estabelecidos pelos governos estaduais nos EUA, assumindo responsabilidades específicas em áreas demarcadas, desvinculando-se de outras formas de administração local presentes em seu território. Sua principal vantagem reside na focalização, tanto geográfica quanto funcional, permitindo uma gestão concentrada e eficaz em uma atividade singular.
Essa estrutura promove benefícios de especialização e escala, podendo englobar vários municípios e facilitando o alinhamento de interesses. A gestão dos distritos é, na maioria dos casos, decidida democraticamente, permitindo que a população expresse suas preferências baseadas no desempenho de administradores locais em serviços específicos. Dessa forma, a reeleição de um gestor de distrito está intrinsecamente atrelada à sua eficácia na administração dos serviços sob sua responsabilidade, incentivando a melhoria contínua em áreas como educação ou saúde.
Além disso, a experiência americana indica que, em virtude de sua focalização em atividades específicas, os distritos muitas vezes apresentam uma capacidade de resposta mais eficaz comparada a outras formas de governo, onde questões de escala, âmbito e politização podem criar barreiras significativas. Notavelmente, as eleições para cargos de gestão nesses distritos tendem a se distanciar do partidarismo tradicional, proporcionando uma dinâmica eleitoral percebida como mais direta e menos politizada pelos cidadãos, quando comparada às eleições convencionais em estados e municípios.
As observações apresentadas não são aplicáveis universalmente. Cada modelo de governo possui seus méritos e limitações, havendo sempre espaço para aprimoramentos. A questão central não é definir a melhor forma de governo de maneira teórica, mas sim identificar a estrutura governamental que melhor atenda às especificidades de cada comunidade. Nesse sentido, a implementação de distritos especiais poderia representar uma inovação significativa no Brasil, um país onde municípios de tamanhos tão diversos, de São Paulo a pequenas cidades de 2 mil habitantes, possuem, em teoria, o mesmo nível de autonomia e responsabilidades.
Assim, instiga-se o Brasil a contemplar a integração de estruturas governamentais mais flexíveis, como os "Special Districts", em seu framework institucional. Atualmente, já existe uma forma de divisão administrativa pouco utilizada no país, os Territórios Federais, que estão vinculados diretamente à União, sem subordinação a qualquer estado. Um conceito análogo poderia ser desenvolvido a nível estadual, inspirando-se no modelo já implementado em Fernando de Noronha, Pernambuco, um distrito estadual gerido diretamente pelo governo do estado. A reformulação e expansão desse modelo de governança para todos os estados brasileiros poderia não apenas estimular inovação e eficiência nas políticas públicas, mas também fomentar um federalismo mais ágil e responsivo, garantindo que cada região disponha da liberdade e do suporte necessários para atender às demandas únicas de sua população.