Exame Logo

O Brasil dos conflitos de interesses

O julgamento do mensalão pode ser um importante divisor de águas no que tange ao conflito de interesses existente entre os detentores de cargos públicos (cargos alcançados por meio de eleições, concurso público ou por indicação) e as atividades que favorecem parentes, amigos, doadores de campanha ou, mesmo, o próprio partido. Essa prática, aliás, não é comum apenas no Brasil. Com a Constituição Federal de 1988, para evitar que as […] Leia mais

DR

Da Redação

Publicado em 19 de outubro de 2012 às 21h41.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 09h15.

Paulo Uebel

O julgamento do mensalão pode ser um importante divisor de águas no que tange ao conflito de interesses existente entre os detentores de cargos públicos (cargos alcançados por meio de eleições, concurso público ou por indicação) e as atividades que favorecem parentes, amigos, doadores de campanha ou, mesmo, o próprio partido. Essa prática, aliás, não é comum apenas no Brasil.

Com a Constituição Federal de 1988, para evitar que as instituições públicas fossem utilizadas para atingir fins privados ou partidários, o que viola o interesse público, foram criados princípios e normas para regulamentar o conflito de interesses inerente ao exercício da atividade pública. Em linhas gerais, esse tipo de problema ocorre quando determinado indivíduo está em uma situação na qual o seu interesse pessoal, ou partidário, está em conflito com a instituição que representa, ou com o cargo que exerce.

O artigo 37 da Constituição, por exemplo, determina que a administração pública observe os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Como decorrência desses princípios, várias outras regras e normas foram criadas para efetivar a aplicação dos princípios já citados. Como exemplo, para que os princípios da impessoalidade, da moralidade e da publicidade fossem respeitados, instituiu-se a prática dos concursos públicos e dos processos licitatórios, evitando-se favorecimentos indevidos e criando-se um processo onde todos pudessem concorrer em igualdade de condições.

Posteriormente, para reforçar a importância desses princípios, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se contrário a prática do nepotismo no Brasil, justamente por considerar que a contratação de parentes viola os princípios acima citados. Nesse contexto, presume-se que a pessoa ocupante do cargo público não será capaz de tomar uma decisão imparcial, já que poderá estar motivada por questões próprias, desviando-se da finalidade de sua atividade principal para atingir outro fim, que é beneficiar seu parente.

Infelizmente, o governo brasileiro não tem sido rigoroso no impedimento dos conflitos de interesse. Se depender apenas da vontade dos nossos representantes, continuaremos assistindo inúmeros casos que, embora sejam aparentemente legais, não se enquadram entre as situações chamadas eticamente corretas ou moralmente aceitáveis. Isso, evidentemente, sem contar os inúmeros episódios que violam claramente a lei e que deveriam ser caso de responsabilização administrativa e, possivelmente, penal.

No período eleitoral, essas situações aumentam drasticamente. É rotineiro assistirmos políticos que utilizam o expediente de trabalho e a infraestrutura do Estado para fazerem campanha eleitoral. Ainda são quase diários os casos de indicados políticos que utilizam empresas estatais ou órgãos públicos para defenderem interesses partidários, inclusive durante o expediente de trabalho. No Brasil, os exemplos são tão gritantes e comuns que já não são percebidos pela maioria das pessoas.

Para combater os conflitos de interesse é fundamental criar regras claras, gerais, impessoais e objetivas que impeçam os ocupantes de cargos públicos e de empresas estatais de utilizarem suas posições para atividades que sejam de interesse pessoal ou partidário. A existência de milhares de cargos em comissão nas três esferas de governo (Executivo, Legislativo e Judiciário), bem como nos três entes federativos (União, Estados e Município), contribui para tornar a existência desses conflitos mais comum e mais difícil de ser monitorada.

O primeiro passo para solucionar esse problema, entretanto, ainda não foi dado no Brasil. O correto é que todos os ocupantes de cargos públicos fossem obrigados a declararem, sob as penas da lei, as situações nas quais possa haver conflito de interesses. A simples omissão já deve ser considerada um crime, pois atenta contra os princípios da moralidade, publicidade e impessoalidade indispensáveis ao exercício da atividade pública.

No caso de membro de partido político que ocupa cargo em comissão ou função de confiança, por exemplo, esse deveria ser proibido de poder doar recursos para o seu partido, justamente porque existe um conflito de interesses insuperável. Ora, se o partido for lucrar com os cargos em comissão que preenche, haverá incentivos para criar mais postos e ocupar mais filiados, desviando-se da finalidade de atender o bem comum de forma impessoal, que deveria ser o objetivo principal de qualquer governo. Seguramente, se essa prática fosse vedada, a administração pública seria muito mais eficiente, sem tantas influências político-partidárias.

O julgamento do mensalão é uma ótima oportunidade para, mais uma vez, verificar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à atitude esperada daqueles que desempenham atividades públicas. Se, por um lado, pode condenar de vez aqueles que usam as instituições públicas para fins privados ou partidários, por outro, pode criar o perigoso precedente de que o desvio de finalidade das instituições públicas é tolerado, desde que seja feito de forma obscura, indireta e sem provas explícitas.

Paulo Uebel é bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Paulo Uebel

O julgamento do mensalão pode ser um importante divisor de águas no que tange ao conflito de interesses existente entre os detentores de cargos públicos (cargos alcançados por meio de eleições, concurso público ou por indicação) e as atividades que favorecem parentes, amigos, doadores de campanha ou, mesmo, o próprio partido. Essa prática, aliás, não é comum apenas no Brasil.

Com a Constituição Federal de 1988, para evitar que as instituições públicas fossem utilizadas para atingir fins privados ou partidários, o que viola o interesse público, foram criados princípios e normas para regulamentar o conflito de interesses inerente ao exercício da atividade pública. Em linhas gerais, esse tipo de problema ocorre quando determinado indivíduo está em uma situação na qual o seu interesse pessoal, ou partidário, está em conflito com a instituição que representa, ou com o cargo que exerce.

O artigo 37 da Constituição, por exemplo, determina que a administração pública observe os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Como decorrência desses princípios, várias outras regras e normas foram criadas para efetivar a aplicação dos princípios já citados. Como exemplo, para que os princípios da impessoalidade, da moralidade e da publicidade fossem respeitados, instituiu-se a prática dos concursos públicos e dos processos licitatórios, evitando-se favorecimentos indevidos e criando-se um processo onde todos pudessem concorrer em igualdade de condições.

Posteriormente, para reforçar a importância desses princípios, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se contrário a prática do nepotismo no Brasil, justamente por considerar que a contratação de parentes viola os princípios acima citados. Nesse contexto, presume-se que a pessoa ocupante do cargo público não será capaz de tomar uma decisão imparcial, já que poderá estar motivada por questões próprias, desviando-se da finalidade de sua atividade principal para atingir outro fim, que é beneficiar seu parente.

Infelizmente, o governo brasileiro não tem sido rigoroso no impedimento dos conflitos de interesse. Se depender apenas da vontade dos nossos representantes, continuaremos assistindo inúmeros casos que, embora sejam aparentemente legais, não se enquadram entre as situações chamadas eticamente corretas ou moralmente aceitáveis. Isso, evidentemente, sem contar os inúmeros episódios que violam claramente a lei e que deveriam ser caso de responsabilização administrativa e, possivelmente, penal.

No período eleitoral, essas situações aumentam drasticamente. É rotineiro assistirmos políticos que utilizam o expediente de trabalho e a infraestrutura do Estado para fazerem campanha eleitoral. Ainda são quase diários os casos de indicados políticos que utilizam empresas estatais ou órgãos públicos para defenderem interesses partidários, inclusive durante o expediente de trabalho. No Brasil, os exemplos são tão gritantes e comuns que já não são percebidos pela maioria das pessoas.

Para combater os conflitos de interesse é fundamental criar regras claras, gerais, impessoais e objetivas que impeçam os ocupantes de cargos públicos e de empresas estatais de utilizarem suas posições para atividades que sejam de interesse pessoal ou partidário. A existência de milhares de cargos em comissão nas três esferas de governo (Executivo, Legislativo e Judiciário), bem como nos três entes federativos (União, Estados e Município), contribui para tornar a existência desses conflitos mais comum e mais difícil de ser monitorada.

O primeiro passo para solucionar esse problema, entretanto, ainda não foi dado no Brasil. O correto é que todos os ocupantes de cargos públicos fossem obrigados a declararem, sob as penas da lei, as situações nas quais possa haver conflito de interesses. A simples omissão já deve ser considerada um crime, pois atenta contra os princípios da moralidade, publicidade e impessoalidade indispensáveis ao exercício da atividade pública.

No caso de membro de partido político que ocupa cargo em comissão ou função de confiança, por exemplo, esse deveria ser proibido de poder doar recursos para o seu partido, justamente porque existe um conflito de interesses insuperável. Ora, se o partido for lucrar com os cargos em comissão que preenche, haverá incentivos para criar mais postos e ocupar mais filiados, desviando-se da finalidade de atender o bem comum de forma impessoal, que deveria ser o objetivo principal de qualquer governo. Seguramente, se essa prática fosse vedada, a administração pública seria muito mais eficiente, sem tantas influências político-partidárias.

O julgamento do mensalão é uma ótima oportunidade para, mais uma vez, verificar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à atitude esperada daqueles que desempenham atividades públicas. Se, por um lado, pode condenar de vez aqueles que usam as instituições públicas para fins privados ou partidários, por outro, pode criar o perigoso precedente de que o desvio de finalidade das instituições públicas é tolerado, desde que seja feito de forma obscura, indireta e sem provas explícitas.

Paulo Uebel é bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se