Mérito e confiança na nomeação de diretores de agências reguladoras
Tensão entre nomeações baseadas no mérito e considerações políticas reflete um conflito universal
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 25 de agosto de 2023 às 13h00.
O Tribunal de Contas da União (TCU) encontra-se diante de uma decisão que pode afetar a liderança de 5 das 11 agências reguladoras no Brasil. Esta disputa, concentrada na duração dos mandatos dos diretores-presidentes dessas agências, terá consequências significativas em seus trabalhos e autonomia. A decisão pode impactar a Aneel, Anatel, Anvisa, ANS e Ancine, influenciando potencialmente as atividades de controle e supervisão regulatória. O processo, iniciado sob Jair Bolsonaro, agora, sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode ter consequências imediatas.
A questão central é o mandato do presidente da Anatel, Carlos Baigorri, indicado por Bolsonaro. As objeções da Secretaria de Fiscalização do TCU trouxeram o caso à atenção pública. A decisão do TCU pode resultar em uma abreviação dos mandatos vigentes, algo que se crê favorecer o presidente Lula, abrindo espaço para negociações com o Centrão. É possível que o TCU module sua decisão, e que seus efeitos alcancem apenas futuros presidentes de agências reguladoras - uma clareza que virá com a publicação da decisão.
Esta situação ilustra uma tensão no recrutamento e seleção de dirigentes de agências reguladoras no Brasil. Embora o marco jurídico relacionado à indicação e às competências desses dirigentes tenha sido aprimorado nos últimos anos, a decisão do TCU pode levantar suspeitas devido ao seu timing. O Projeto de Lei ( PL 6621/2016 ), aprovado pelo Congresso em 2019, teria sido uma excelente contribuição ao aprimoramento dos mecanismos de nomeação. Se estivesse em vigor, poderia afastar eventuais temores quanto aos efeitos da decisão a ser tomada pelo TCU nas próximas semanas. A medida foi, no entanto, vetada por Bolsonaro, cuja razão alegada para o veto foi a percepção de que limitaria sua discricionariedade na escolha dos dirigentes.
A busca dos presidentes por maior controle sobre a nomeação dos diretores de agências reguladoras não é nova. O presidente Lula, em sua primeira gestão, também ameaçou a independência das agências em episódios como a troca da presidência da Anatel em 2004 mediante decreto - uma medida criativa, mas potencialmente ilegal.
Se promulgado em seu desenho original, o PL 6621/2016 poderia ter instituído um mecanismo transparente e meritocrático para a realização dos processos de recrutamento e seleção, aperfeiçoando o uso da discricionariedade do Executivo, ao invés de limitá-la. Se estivesse em vigor hoje, haveria menos desconfiança com relação ao impacto da decisão do TCU na influência que o governo exerce sobre o trabalho das agências. O veto de Jair Bolsonaro representou uma oportunidade perdida para tornar os procedimentos de nomeação mais profissionais, gerando confiança em torno do funcionamento de todo o sistema regulatório. Sem aperfeiçoar os mecanismos de seleção de diretores, o sistema atual torna-se muito vulnerável à influência política do governo de plantão, prejudicando a autonomia das agências.
A decisão do ex-presidente pode ter sido decepcionante, mas dificilmente surpreendente. A literatura na área de profissionalização do serviço público frequentemente revela que as autoridades tendem a implementar práticas de seleção meritocrática apenas quando sentem ameaçada sua posição eleitoral. Isto ocorre porque a instituição de critérios baseados em competência pode ser vista como um método de prevenir que adversários políticos futuros explorem órgãos públicos como recursos político-eleitorais. Em outras palavras, ao vetar a lei que refinaria a governança das agências, Jair Bolsonaro possivelmente viu isso como uma limitação às suas próprias decisões futuras, não às de um rival. Essa percepção de invulnerabilidade pode ter pavimentado o caminho para a situação atual.
A decisão do TCU, portanto, não é um problema em si. O cerne da questão reside na ausência de um mecanismo que regule a influência do presidente na definição dos diretores. Todavia, ao ampliar as nomeações a serem feitas por Lula em um momento no qual o governo reestrutura seu desenho ministerial para ampliar sua base de apoio no Congresso, a decisão do TCU pode ser interpretada como uma medida em favor do governo.
A falta de um sistema transparente de nomeação dos dirigentes da alta administração pública no Brasil é um sintoma da dificuldade de gerar consensos em torno de uma governança eficaz. Estudos indicam que reformas desse tipo requerem uma competição eleitoral saudável e um compromisso multipartidário com a produção de bens públicos no longo prazo, em detrimento dos benefícios pessoais que as nomeações de aliados políticos podem gerar no curto prazo. Vale lembrar, no entanto, que nem tudo é lamento: A falta de colaboração entre os partidos políticos aparenta ser uma barreira significativa para a melhoria da governança, mas não insuperável - basta lembrar que os mecanismos de aperfeiçoamento da escolha dos dirigentes das agências reguladoras foi aprovada pela maioria dos congressistas.
A tensão entre nomeações baseadas no mérito e considerações políticas no Brasil reflete um conflito universal entre clientelismo e a profissionalização do serviço público. A complexidade dessa dinâmica exige uma abordagem mais cuidadosa para garantir a confiança no trabalho das agências reguladoras. A situação atual sublinha a necessidade premente de fortalecer os mecanismos de nomeação com transparência e mérito, garantindo que as agências reguladoras operem com autonomia. Essa mudança requer uma vontade política coletiva e um compromisso com a qualidade regulatória que ultrapassem as preocupações com o rendimento eleitoral de curto prazo.
O Tribunal de Contas da União (TCU) encontra-se diante de uma decisão que pode afetar a liderança de 5 das 11 agências reguladoras no Brasil. Esta disputa, concentrada na duração dos mandatos dos diretores-presidentes dessas agências, terá consequências significativas em seus trabalhos e autonomia. A decisão pode impactar a Aneel, Anatel, Anvisa, ANS e Ancine, influenciando potencialmente as atividades de controle e supervisão regulatória. O processo, iniciado sob Jair Bolsonaro, agora, sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode ter consequências imediatas.
A questão central é o mandato do presidente da Anatel, Carlos Baigorri, indicado por Bolsonaro. As objeções da Secretaria de Fiscalização do TCU trouxeram o caso à atenção pública. A decisão do TCU pode resultar em uma abreviação dos mandatos vigentes, algo que se crê favorecer o presidente Lula, abrindo espaço para negociações com o Centrão. É possível que o TCU module sua decisão, e que seus efeitos alcancem apenas futuros presidentes de agências reguladoras - uma clareza que virá com a publicação da decisão.
Esta situação ilustra uma tensão no recrutamento e seleção de dirigentes de agências reguladoras no Brasil. Embora o marco jurídico relacionado à indicação e às competências desses dirigentes tenha sido aprimorado nos últimos anos, a decisão do TCU pode levantar suspeitas devido ao seu timing. O Projeto de Lei ( PL 6621/2016 ), aprovado pelo Congresso em 2019, teria sido uma excelente contribuição ao aprimoramento dos mecanismos de nomeação. Se estivesse em vigor, poderia afastar eventuais temores quanto aos efeitos da decisão a ser tomada pelo TCU nas próximas semanas. A medida foi, no entanto, vetada por Bolsonaro, cuja razão alegada para o veto foi a percepção de que limitaria sua discricionariedade na escolha dos dirigentes.
A busca dos presidentes por maior controle sobre a nomeação dos diretores de agências reguladoras não é nova. O presidente Lula, em sua primeira gestão, também ameaçou a independência das agências em episódios como a troca da presidência da Anatel em 2004 mediante decreto - uma medida criativa, mas potencialmente ilegal.
Se promulgado em seu desenho original, o PL 6621/2016 poderia ter instituído um mecanismo transparente e meritocrático para a realização dos processos de recrutamento e seleção, aperfeiçoando o uso da discricionariedade do Executivo, ao invés de limitá-la. Se estivesse em vigor hoje, haveria menos desconfiança com relação ao impacto da decisão do TCU na influência que o governo exerce sobre o trabalho das agências. O veto de Jair Bolsonaro representou uma oportunidade perdida para tornar os procedimentos de nomeação mais profissionais, gerando confiança em torno do funcionamento de todo o sistema regulatório. Sem aperfeiçoar os mecanismos de seleção de diretores, o sistema atual torna-se muito vulnerável à influência política do governo de plantão, prejudicando a autonomia das agências.
A decisão do ex-presidente pode ter sido decepcionante, mas dificilmente surpreendente. A literatura na área de profissionalização do serviço público frequentemente revela que as autoridades tendem a implementar práticas de seleção meritocrática apenas quando sentem ameaçada sua posição eleitoral. Isto ocorre porque a instituição de critérios baseados em competência pode ser vista como um método de prevenir que adversários políticos futuros explorem órgãos públicos como recursos político-eleitorais. Em outras palavras, ao vetar a lei que refinaria a governança das agências, Jair Bolsonaro possivelmente viu isso como uma limitação às suas próprias decisões futuras, não às de um rival. Essa percepção de invulnerabilidade pode ter pavimentado o caminho para a situação atual.
A decisão do TCU, portanto, não é um problema em si. O cerne da questão reside na ausência de um mecanismo que regule a influência do presidente na definição dos diretores. Todavia, ao ampliar as nomeações a serem feitas por Lula em um momento no qual o governo reestrutura seu desenho ministerial para ampliar sua base de apoio no Congresso, a decisão do TCU pode ser interpretada como uma medida em favor do governo.
A falta de um sistema transparente de nomeação dos dirigentes da alta administração pública no Brasil é um sintoma da dificuldade de gerar consensos em torno de uma governança eficaz. Estudos indicam que reformas desse tipo requerem uma competição eleitoral saudável e um compromisso multipartidário com a produção de bens públicos no longo prazo, em detrimento dos benefícios pessoais que as nomeações de aliados políticos podem gerar no curto prazo. Vale lembrar, no entanto, que nem tudo é lamento: A falta de colaboração entre os partidos políticos aparenta ser uma barreira significativa para a melhoria da governança, mas não insuperável - basta lembrar que os mecanismos de aperfeiçoamento da escolha dos dirigentes das agências reguladoras foi aprovada pela maioria dos congressistas.
A tensão entre nomeações baseadas no mérito e considerações políticas no Brasil reflete um conflito universal entre clientelismo e a profissionalização do serviço público. A complexidade dessa dinâmica exige uma abordagem mais cuidadosa para garantir a confiança no trabalho das agências reguladoras. A situação atual sublinha a necessidade premente de fortalecer os mecanismos de nomeação com transparência e mérito, garantindo que as agências reguladoras operem com autonomia. Essa mudança requer uma vontade política coletiva e um compromisso com a qualidade regulatória que ultrapassem as preocupações com o rendimento eleitoral de curto prazo.