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Mauad: As contradições de Trump sobre o comércio internacional

"Mr. Trump precisa escolher: ou os americanos em geral são beneficiados ou prejudicados quando os preços dos produtos estrangeiros ficam mais caros"

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Publicado em 27 de setembro de 2018 às 10h24.

Última atualização em 27 de setembro de 2018 às 10h27.

* Por João Luiz Mauad

O presidente americano Donald Trump passou por momentos embaraçosos em pelo menos duas situações, durante seu discurso de terça feira, na ONU.

A primeira, quando, a exemplo daquele nosso ex-presidente de triste memória, hoje devidamente encarcerado, gabou-se de que sua administração tinha realizado mais em dois anos do que “quase qualquer administração” na história americana, provocando gargalhadas rumorosas no salão.

A segunda, quando Trump demonstrou toda a sua inconsistência intelectual e, principalmente, econômica sobre um dos temas que escolheu como plataforma política estratégica de seu governo: salvar a América da sanha de seus parceiros de comércio internacional.

Em seu discurso, ele reclamou que os americanos são prejudicados pela China e outros países, quando esses tornam suas exportações para a América mais abundantes e baratas, o quê, segundo o modelo desenvolvimentista de substituição de importações adotado por seu governo, prejudicaria as indústrias e os empregos locais – embora os consumidores tenham acesso a mais produtos e serviços baratos.

Leia mais de João Luiz Mauad:
Para os que desconfiam das teorias, falemos de fatos
O perigo do dinossauro mercantilista
O que devemos aprender com a Venezuela

“Não permitiremos mais que nossos trabalhadores sejam vitimados, que nossas empresas sejam enganadas e que nossa riqueza seja saqueada e transferida. A América nunca pedirá desculpas por proteger seus cidadãos. Os Estados Unidos acabam de anunciar tarifas sobre outros US $ 200 bilhões em produtos fabricados na China, num total de US $ 250 bilhões.”

Estranhamente, entretanto, no mesmo discurso ele reclamou que os americanos estão sendo prejudicados pelos países membros da Opep (paranóia pouca é bobagem!), que se recusam a aumentar suas respectivas produções, ocasionando a alta do preço do petróleo no mercado internacional e, conseqüentemente, nas bombas de combustíveis dos postos, em prejuízo de milhões de consumidores americanos.

Do alto de sua empáfia, Trump proclamou sobre a OPEP: “nós queremos que eles parem de elevar os preços, nós queremos que eles comecem a baixar os preços… Nós não vamos tolerar isso – esses preços horríveis – por muito mais tempo”.

Eis aí um sintoma típico dos indivíduos tomados pela síndrome da dissonância cognitiva. Trump simplesmente não se dá conta de que esta mesma alta de preços provocada pela política de escassez da Opep tem beneficiado muitos produtores de petróleo americanos (e os respectivos empregos que eles geram aos milhares), principalmente aqueles que investiram na nova tecnologia de ‘fracking’ para extração de óleo e gás, cujos custos mais elevados exigem preços mais altos para serem lucrativas.

Mr. Trump precisa escolher: ou os americanos em geral são beneficiados ou prejudicados quando os preços dos produtos estrangeiros ficam mais caros. Não é possível que sejam beneficiados quando o governo aumenta artificialmente, via imposição de tarifas, os preços dos produtos baratos que os chineses lhes vendem e, ao mesmo tempo, prejudicados quando outros estrangeiros (no caso da Opep) também aumentam artificialmente os preços ao reduzir artificialmente a oferta.

Será que ele não vê que sua política tarifária protecionista provoca sobre os produtores, consumidores e trabalhadores americanos o mesmo efeito da política de preços altos da Opep? Ou será que ele faz distinção entre as indústrias e trabalhadores que devem ser beneficiadas pelos preços altos praticados pelos estrangeiros? A pergunta é apenas retórica, claro, já que a resposta parece óbvia.

* João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (EBAP/FGV-RJ), João Luiz Mauad é articulista dos jornais “O Globo” e “Diário do Comércio”. Escreve regularmente para o site do Instituto Liberal.

Veja mais no Instituto Millenium

* Por João Luiz Mauad

O presidente americano Donald Trump passou por momentos embaraçosos em pelo menos duas situações, durante seu discurso de terça feira, na ONU.

A primeira, quando, a exemplo daquele nosso ex-presidente de triste memória, hoje devidamente encarcerado, gabou-se de que sua administração tinha realizado mais em dois anos do que “quase qualquer administração” na história americana, provocando gargalhadas rumorosas no salão.

A segunda, quando Trump demonstrou toda a sua inconsistência intelectual e, principalmente, econômica sobre um dos temas que escolheu como plataforma política estratégica de seu governo: salvar a América da sanha de seus parceiros de comércio internacional.

Em seu discurso, ele reclamou que os americanos são prejudicados pela China e outros países, quando esses tornam suas exportações para a América mais abundantes e baratas, o quê, segundo o modelo desenvolvimentista de substituição de importações adotado por seu governo, prejudicaria as indústrias e os empregos locais – embora os consumidores tenham acesso a mais produtos e serviços baratos.

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Para os que desconfiam das teorias, falemos de fatos
O perigo do dinossauro mercantilista
O que devemos aprender com a Venezuela

“Não permitiremos mais que nossos trabalhadores sejam vitimados, que nossas empresas sejam enganadas e que nossa riqueza seja saqueada e transferida. A América nunca pedirá desculpas por proteger seus cidadãos. Os Estados Unidos acabam de anunciar tarifas sobre outros US $ 200 bilhões em produtos fabricados na China, num total de US $ 250 bilhões.”

Estranhamente, entretanto, no mesmo discurso ele reclamou que os americanos estão sendo prejudicados pelos países membros da Opep (paranóia pouca é bobagem!), que se recusam a aumentar suas respectivas produções, ocasionando a alta do preço do petróleo no mercado internacional e, conseqüentemente, nas bombas de combustíveis dos postos, em prejuízo de milhões de consumidores americanos.

Do alto de sua empáfia, Trump proclamou sobre a OPEP: “nós queremos que eles parem de elevar os preços, nós queremos que eles comecem a baixar os preços… Nós não vamos tolerar isso – esses preços horríveis – por muito mais tempo”.

Eis aí um sintoma típico dos indivíduos tomados pela síndrome da dissonância cognitiva. Trump simplesmente não se dá conta de que esta mesma alta de preços provocada pela política de escassez da Opep tem beneficiado muitos produtores de petróleo americanos (e os respectivos empregos que eles geram aos milhares), principalmente aqueles que investiram na nova tecnologia de ‘fracking’ para extração de óleo e gás, cujos custos mais elevados exigem preços mais altos para serem lucrativas.

Mr. Trump precisa escolher: ou os americanos em geral são beneficiados ou prejudicados quando os preços dos produtos estrangeiros ficam mais caros. Não é possível que sejam beneficiados quando o governo aumenta artificialmente, via imposição de tarifas, os preços dos produtos baratos que os chineses lhes vendem e, ao mesmo tempo, prejudicados quando outros estrangeiros (no caso da Opep) também aumentam artificialmente os preços ao reduzir artificialmente a oferta.

Será que ele não vê que sua política tarifária protecionista provoca sobre os produtores, consumidores e trabalhadores americanos o mesmo efeito da política de preços altos da Opep? Ou será que ele faz distinção entre as indústrias e trabalhadores que devem ser beneficiadas pelos preços altos praticados pelos estrangeiros? A pergunta é apenas retórica, claro, já que a resposta parece óbvia.

* João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (EBAP/FGV-RJ), João Luiz Mauad é articulista dos jornais “O Globo” e “Diário do Comércio”. Escreve regularmente para o site do Instituto Liberal.

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